quarta-feira, agosto 27, 2025

"Que faire?", como perguntava o outro


Há 18 anos, o primeiro-ministro francês, François Fillon, disse uma frase que ficou célebre: "Je suis à la tête d'un État qui est en situation de faillite".

O então presidente da República, Nicolas Sarkozy, ficou furioso com a tirada do seu "colaborador". Por duas razões. A primeira é que a "tête" do Estado era ele. A segunda pelo facto de um país com a importância da França não dever dizer que está em falência.

Contudo, depois dessa retumbante declaração, nada aconteceu. A França continuou alegremente a gastar o que não tinha. A despesa pública em França representa 57.3% da riqueza nacional, um pouco invejável "record" europeu.

Na segunda-feira, o atual primeiro-ministro, François Bayrou, numa muito divulgada conferência de imprensa, disse mais ou menos a mesma coisa que Fillon, mas, desta vez, o chefe do governo tinha combinado isso com o presidente Emmanuel Macron. O objetivo era provocar um choque de realidade.

Há, no entanto, uma importante diferença entre o momento das duas declarações. Fillon tinha, à época, uma confortável maioria absoluta na Assembleia Nacional. Bayrou sobrevive numa minoria que se dilacera dentro de si mesma, já no arrancar das ambições para a sucessão de Macron, em 2027.

Vale a pena lembrar também que Fillon nada conseguiu ou quis fazer, quando tinha o parlamento na mão. Bayrou quer agora pôr em prática um programa drástico de "rigueur" sem ter um apoio parlamentar mínimo.

Entre Fillon e Bayrou houve, entretanto, oito primeiros-ministros. A situação financeira da França foi-se sempre degradando. As agências de notação dão ares de estar a ficar cada vez mais nervosas, com o serviço da dívida francesa mais caro, pela desconfiança dos mercados.

As coisas só não são mais graves "parce que c'est la France", como disse um dia Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia, quando perguntado por que razão a União Europeia não fazia cair sobre Paris o rigor que usou para a Grécia ou Portugal. Ou, para usar uma outra expressão consagrada, a França é "too big to fail".

Mas tudo tem um limite e os mercados podem vir a ser levados um dia a fazer a sua "revolução francesa". O exemplo da reação que tiveram perante a gestão caótica da primeira-ministra Liz Truss, no Reino Unido, revelou que mesmo uma grande economia mundial não é imune à irresponsabilidade.

Bayrou indicou que, desde há vinte anos, a cada hora que passa (24 horas por dia x 365 dias x 20 anos), a França junta 12 milhões de euros à sua dívida. 12 milhões por hora! E adiantou que talvez não fosse má ideia travar essa deriva, tentando que a França "pague o que deve".

Nessa perspetiva, há semanas, Bayrou tinha anunciado um pacote de medidas de poupança orçamental, a executar a partir de 2026. Sem surpresas, essas ideias não agradaram praticamente a ninguém. Bayrou está assim hoje com uma quota de popularidade baixíssima. Está já anunciada uma paralização total da França, promovida por meios sindicais e sociais, de protesto pelas medidas propostas por Bayrou, para o dia 10 de setembro.

O primeiro-ministro decidiu antecipar-se e, no dia 8 de setembro, vai pedir um voto de confiança na Assembleia Nacional. Partidos que, somados, representam uma clara maioria, dos dois lados do espetro político, já anunciaram que não vão votar a favor dessa confiança. A queda do governo Bayrou parece assim inevitável. Curiosamente, a isso acontecer, será a primeira vez, na V República (que vigora desde 1958), que uma moção de confiança não é aprovada. Normalmente, em França, os governos caem por moções de censura.

O que vai suceder a seguir? Macron pode voltar a dissolver o parlamento e convocar novas eleições, mas não parece que o resultado de um novo escrutínio viesse a ser muito diferente.

Macron poderia demitir-se, para provocar um "choque institucional"? Uma tal atitude não parece estar no seu feitio e, provavelmente, uma eleição presidencial antecipada (à qual Macron não poderia concorrer) só apressaria a chegada ao Eliseu de um candidato da extrema-direita.

Sim, porque com toda esta coreografia de arranjos para a sobrevivência de governos minoritários, convém ter presente que o Rassemblement National é o maior partido no atual parlamento e nada indica que vá deixar de o ser.

Se o futuro imediato vier a ser o que parece mais provável, Macron irá indigitar um novo governo.

A V República começa a parecer-se cada vez mais com a IV República.

Mas, desta vez, não há nenhum De Gaulle à vista.

Sem comentários:

"Que faire?", como perguntava o outro

Há 18 anos, o primeiro-ministro francês, François Fillon, disse uma frase que ficou célebre: "Je suis à la tête d'un État qui est e...