segunda-feira, fevereiro 11, 2019

Rio de Janeiro


Nunca percebi (para se ser percebido, no Brasil, tem de se dizer “entendi”) a geografia do Rio de Janeiro. A imbatível beleza daquela cidade tem a ver precisamente com a bizarria do seu desenho urbano, que é, também ela, uma das razões que explicam muitos dos seus problemas sociais. Quando, nas muitas idas por lá, me coube em sorte ter de me deslocar a um lugar fora dos sítios mais comuns e conhecidos, senti-me quase sempre perdido. E, porque frequentemente distraído num “bom papo” com quem me transportava, rapidamente perdia as referências mínimas de orientação. Hoje, continuo a conhecer muito mal o Rio.

Por isso, não consigo dizer, nem aproximadamente, o local da cidade onde ficava o estúdio de televisão onde, há bem mais de uma década, fui para uma conversa noturna sobre a língua portuguesa e o Acordo Ortográfico, com o linguista Evanildo Bechara e, imaginem!, Fáfá de Belém. 

Foi o Araújo, o excelente potiguar (nascido no Rio Grande do Norte) que é (ou era) o motorista do nosso consulado-geral no Rio, quem me levou. Já nem recordo como o debate decorreu, mas apenas que, à saída, notei que não havia grande pressa em que abandonássemos o local. Vi o Araújo preocupado, no hall de entrada: “É melhor esperar um pouco. Há uma confusão na vizinhança”.

“Confusão” era o “understatement” para um tiroteio intenso que, com um pouco mais de atenção, comecei a ouvir lá por fora. Não eram tiros isolados, eram disparos de metralhadora. “É bandido contra bandido”, disse alguém, com naturalidade. Um outro conhecedor esclareceu: “Aquilo é lá ao fundo da rua”. Foi nesse instante que acordei para uma realidade preocupante: o “fundo da rua” era a ladeira por onde tínhamos entrado e por onde, em princípio, devíamos sair. 

Olhei a cara experiente do Araújo, que me pareceu não ter a serenidade habitual. Mas logo chegou um outro suposto “expert”, que me recordo ter aconselhado, para minha imensa surpresa e, devo confessar, algum súbito desconforto: “Sigam pela rua em direção ao sítio de onde vêm os tiros, mas voltem logo na primeira à esquerda. Não se assustem, aquilo é só lá no final, as balas cruzam de um um lado para o outro, vêm dos dois lados, mas nunca entram neste rua”. Anotei aquele “nunca”, definitivo, pretendidamente “rassurant”. E fiz por acreditar.

Já não me lembro da reação de Bechara, mas a Fáfá, que tinha um táxi à espera, continuava, ou tentava parecer, divertida, naquele seu imparável sorriso da brasileira que mais ama Portugal. E eu lá fui, com o valente e dessa vez silencioso Araújo, pelas ruas que acabaram por nos conduzir, sãos e salvos, de volta ao palácio de São Clemente, o edifício que alberga o nosso Consulado-Geral. 

Não anotei a espécie, nome e graduação do álcool forte que o nosso cônsul-geral, António Almeida Lima, então me deve ter dado a beber, à chegada. Só sei duas coisas de ciência certa: que foi, com certeza, uma dose dupla e que a não bebi na varanda traseira onde, por mais de uma vez, haviam chegado no passado tiros saídos da vizinha favela Dona Marta, como a parede atesta.

Ao ler, há pouco, notícias sobre a (in)segurança no Brasil, lembrei-me deste episódio ocorrido no Rio que passou pela minha vida, para citar alguém conhecido.

1 comentário:

Portugalredecouvertes disse...


Beleza de história da cidade maravilhosa:
algumas datas com acontecimentos marcantes:
http://cclbdobrasil.blogspot.com/2010/04/e-assim-nasceu-sao-sebastiao-do-rio-de.html

...No dia 1º de janeiro de 1502, navegadores portugueses, comandados por Gaspar de Lemos, avistaram a Baía de Guanabara e acreditando que se tratava da foz de um grande rio, deram-lhe o nome de Rio de Janeiro, dando origem ao nome da cidade. O município em si foi fundado em 1º de março 1565 por Estácio de Sá, com o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro, em homenagem ao então Rei de Portugal, D. Sebastião.

Os franceses estabeleceram-se na região em 1555 e foram expulsos pelos portugueses em 1567....
Persistindo a presença francesa na região, os portugueses, sob o comando de Estácio de Sá, desembarcaram num istmo entre o morro Cara de Cão e o Pão de Açúcar, fundando, a 1 de março de 1565, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Uma vez conquistado o território, em uma pequena praia protegida pelo Pão de Açúcar, edificaram uma fortificação de faxina e terra, o embrião da Fortaleza de São João.

...No dia 1º de março de 1565, após sangrenta batalha e mais uma vez a vitória das forças luso-brasileiras, Estácio de Sá dá nome à povoação de São Sebastião do Rio de Janeiro. O santo mártir, crivado de flexas, iria simbolizar bem as lutas dos fundadores da nova cidade.
A povoação que se erguia era uma mistura de arraial de guerra e vila portuguesa; brasão de armas, juízo ordinário, alçadaria-mor, muros de ripado e cal em toda a volta, torres de madeira cobertas com telhas de São Vicente.
Para tirar a esperança de outra salvação, que não a da vitória, Estácio de Sá, dispensa os navios que haviam transportado a expedição colonizadora e durante dois anos faz construir a cidade, quase sem auxílio de fora. Todos os dias, porém, havia emboscadas, mas raramente uma batalha!
Mas, em junho de 1566, chegam novamente ao Rio, navios franceses bem armados, ao mesmo tempo que a baía da Guanabra fica repleta de canoas tamoias, transportando um exército de guerreiros pintados de cores berrantes.
Trava-se então a mais violenta batalha, mas, Estácio de Sá mais uma vez leva a melhor. O inimigo se retira, mas, não é ainda a vitória! Os franceses aguardam reforços.
Em começo de janeiro de 1567, chegam à cidade três navios vindos da Bahia. Em um deles está Mem de Sá. Imediatamente reune-se um Conselho, que determina, que Mem de Sá vá combater o inimigo onde quer que ele esteja. Mem de Sá e seus homens dirijem-se então à foz do ribeiro da carioca, num lugar chamado Uruçumirim. Era o dia 20 de janeiro desse mesmo ano. A luta é violenta, mas, as tropas luso-brasileiras mais uma vez acabam vencendo, apesar de algumas perdas e um ligeiro ferimento de flexa no rosto de Estácio de Sá.
E assim acabou definitivamente a longa e penosa campanha pela expulsão dos franceses e pela fundação do Rio de Janeiro.
Mem de Sá, por sugestão de Araribóia e por medidas de segurança, transfere a cidade para o morro do Castelo, onde consegue que umas 150 pessoas de disponham a ficar morando no Rio. Nomeia vereadores, tesoureiros e magistrados, concede sesmarias e doa terras para o colégio jesuíta. Mas a cidade não faz festa: Estácio de Sá está cada vez pior com o rosto marcado pela infecção provocada pelo ferimento de uma flecha tamoia e acaba por falecer a 20 de fevereiro, um mês após o grande feito...
...Em 1763, o ministro português Marquês de Pombal transferiu a sede da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro…

...A vinda da corte portuguesa, em 1808, marcaria profundamente a cidade, então convertida no centro de decisão do Império Português, debilitado com as guerras napoleônicas…
...Foi a única cidade no mundo a sediar um império europeu fora da Europa…


FAFÁ DE BELÉM CANTA AVE MARIA EM FÁTIMA, PORTUGAL
https://www.youtube.com/watch?v=u8_K9sSekrU


Carlos Antunes

Há uns anos, escrevi por aqui mais ou menos isto: "Guardo (...) um almoço magnífico com o Carlos Antunes, organizado pelo António Dias,...