quarta-feira, outubro 31, 2018

Presidente Bolsonaro


Em 1973, um político português cujo nome não vem para o caso, num registo discursivo tido por adequado para quem estava então no exílio, causticou um dia, por escrito, a ditadura militar brasileira.

Veio o 25 de Abril e o político viu-se com responsabilidades no Portugal democrático. Quando se decidiu juntar, numa publicação, alguns dos seus textos do passado, olhou essa referência e, com sentido de prudência, elidiu-a. É que os mesmos generais que, desde 1964, perseguiam, prendiam e mandavam assassinar cidadãos brasileiros eram, afinal, os interlocutores da nova democracia portuguesa, isto é, do governo a que ele pertencia.

Lembrei-me deste episódio ao ver por aí alguns "heróis" a reclamar das nossas autoridades uma "atitude", em face da eleição de Jair Bolsonaro. Li mesmo remoques pelo facto do presidente da República e do primeiro-ministro terem enviado mensagens congratulatórias àquele que será o seu novo contraparte, simultaneamente como chefe de Estado e chefe de governo. Posso perceber que não se goste do novo líder brasileiro (eu também não gosto), mas há que aprender que a boa gestão das questões de Estado não se compadece com humores políticos de conjuntura. E que, comparada com a sinistra ditadura com que a nossa democracia conviveu serenamente por mais de uma década, a legitimidade de Bolsonaro foi assegurada por dezenas de milhões de brasileiros.

Jair Bolsonaro é a figura que, nos próximos quatro anos, presidirá a um governo com o qual teremos de lidar, independentemente da nossa opinião sobre ele. Dirigirá um Brasil onde vivem e trabalham larguíssimos milhares de cidadãos portugueses ou lusodescendentes, cujos direitos e interesses queremos ver respeitados, o que só poderá ser feito num quadro de serena interlocução com as autoridades desse país. O Brasil é, além disso, destino de importantes fluxos de exportações nacionais, por lá há imensas empresas de capital português e ambos os Estados, para além de uma História comum que é um património não despiciendo, partilham hoje importantes ações no quadro da CPLP, bem como na promoção da língua que, tirado o sotaque, passa por ser a mesma.

Este é um momento feliz para Portugal? Sê-lo-á para alguns "bolsonarozinhos" da paróquia, a afiar o dente para uma esperada repressão contra aquilo que, pelo mundo, se habituaram a odiar. Para gente com princípios, a vitória de Bolsonaro só pode ser um tempo triste. Para o Estado português, que a todos representa, tem de ser "business as usual".

5 comentários:

Luís Lavoura disse...

Um princípio básico do Estado português, tal como dos restantes, deve ser: não se imiscuir na vida interna dos outros países. Quer esses outros países sejam nossos amigos quer não sejam - não temos nada que nos meter nos seus problemas internos. Temos que respeitar o poder existente em cada país e com ele negociar e defender os nossos interesses; mais nada.

Anónimo disse...

Era precisamente por uma questao de sentido de estado que se pedia ao presidente e ao primeiro-ministro para estarem calados quando deveriam ter estado! Pelos vistos ainda nao aprenderam que pela boca morre o peixe!

alvaro silva disse...

E se cá vier deve ter o mesmo tratamento diferenciado que teve o Lula ou o general Medic e outros que os antecederam. Paradas, charangas, almoços e jantares bem cimo discursos de ocasião, deois vai a Belmonte e a Guimarães, rematando com um doutoramento honoris causa, onde o candidato deverá ser albardado com o respectivo capelo. O lula para não destoar levou o vermelho de Direito, este pode levar o amarelo de Medicina que lhe vai cair de maravilha. Depois leva para a dispensa uns garrafões de vinho fino, mais uns paios e presuntos, pois e ainda bem o homem não professa a religião de Mafamede. E daqui a meia dúzia de anos que venha outro! Que os que os brasileiros escolherem Portugal aceita e trata bem, esperando uma reciprocidade, mais nada.

Anónimo disse...

Olha! Tive direito ao meu disco pedido!

Anónimo disse...

Ouvi agora uma entrevista do Bolsonaro onde ele refere os telefonemas que recebeu a dar-lhe os parabéns ("foram telefonemas protocolares" - diz). Colômbia, Argentina, Uruguai, Chile, Israel, "o Trump" e Espanha. Já estamos a ficar para trás?

Maduro e a democracia

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