quarta-feira, abril 17, 2013

Zaventem

Passei por lá há poucas horas, coisa que não fazia há uma dúzia de anos. Está muito diferente o aeroporto de Bruxelas. Confesso que não reconheci o espaço.

Ao contrário do que comigo quase sempre sucede, senti alguma nostalgia da antiga aerogare de Zaventem, construída para a exposição universal de 1958 e que, com o tempo, chegou a atingir momentos de lamentável decrepitude, com os pássaros a voar pelos corredores, com redes para travá-los, e os grandes vidros de outro tempo cinzentos de sujidade. Assisti ao nascer do "satélite", no fundo do antigo grande corredor. Vi depois construir, do outro lado, a nova ala, que tornou o aeroporto igual a todos os outros, como hoje acontece com a Portela. E descobri espaços novos, naquilo que já se aparenta mais com um grande centro comercial. Já não me reconheço neste Zaventem. Mas o aeroporto é bem mais agradável.

Por ali passei  os meus primeiros banhos de "cosmopolitismo", na segunda metade dos anos 70, como portador da "mala diplomática", na descoberta do "glamour" das viagens aéreas, quando esse "glamour" ainda existia. À porta, esperáva-nos então, rezingão, o senhor Rézo, um motorista francês, "exilado" na nossa delegação junto da NATO, que nos arranjava uns hotéis manhosos onde tinha comissão.

Mais tarde, depois de 1986, o aeroporto de Bruxelas passou a ser um meu destino habitual, pela TAP ou pela desaparecida Sabena, nas deslocações regulares a "grupos de trabalho" da então CEE - o nome por que era conhecida a atual União Europeia. Um comboio triste levava-nos, pela noite, para o centro da cidade, com os diplomatas e técnicos portugueses a saírem nas estações do Midi ou do Nord, para daí rumarem aos hotéis, como o Métropole e outros bem piores destinos da "moda" que cabia nas nossas ajudas de custo. Hoje recordei esses tempos com uma amiga, que viajou a meu lado desde Lisboa, a qual, por muitos anos, partilhou idênticos tempos e experiências.

Finalmente, o aeroporto ficou-me, na memória eterna, ligado a tempos que acabaram por ser de um imenso cansaço - os anos de governo, a partir de 1995 e até 2001. Chegava a Bruxelas esgotado de dias incessantes em Lisboa ou noutras capitais, ajoujado de papelada, ensonado e esfalfado. No cenário no fim da manga, tentava descortinar a figura amiga do senhor Barreiros, o simpático funcionário da Representação Permanente (Reper, para os iniciados), que me aliviava o peso e me conduzia, por corredores que sempre presumi VIP, até ao parque de estacionamento, onde me aguardava o fiel Wilhelm, um motorista flamengo, tão calado como discreto.

Por aquele aeroporto passei dezenas de horas de atrasos, de conversas, de esperas, de compras. Por lá me deixei adormecer de fadiga, num banco, num final de tarde, perdendo um voo para o Luxemburgo, o que me obrigou a dormir num hotel próximo. Por lá adquiri coisas que ainda hoje estão na memória familiar, num tempo em que, em Portugal, a oferta das lojas era muito diferente das da "estranja". Por lá festejei "vitórias" arrancadas nas lides europeias e me atulhei de livros que comprava para entreter os minutos que antecediam os aviões - minutos que, no meu caso, são sempre mais, porque faço parte dos que, por regra e para desespero dos atrasados crónicos, chegam a tempo e horas.

Lembrei-me disso, ao final da tarde de hoje, na minha breve passagem por Zaventem. Com alguma nostalgia, assumo. Serão saudades doutros tempos ou saudades de mim nesses tempos?  

9 comentários:

Isabel Seixas disse...

Penso que Freud se inclinaria mais pelas
saudades de Si nesses tempos...

Embora é mais que evidente que são agora os Seus Tempos Áureos, sem sombra de dúvida.

patricio branco disse...

sim, já não é o que era, não se reconhece o antigo aeroporto, deixou de haver a taberna ali à mão onde se tomava a ultima cerveja, uma stella artois que afinal ainda é a mais fresca e desalterante...

Paulo Pedroso disse...

Tive muito, mas muito, menos convivência com o antigo aeroporto que o Francisco, mas a mesma sensação numa passagem recente por Zaventem.

Anónimo disse...

Exacto, são saudades de si, nesses outros tempos, saudades do tempo perdido (ou ganho!).

duarte

Anónimo disse...

"Serão saudades doutros tempos ou saudades de mim nesses tempos?"

Na minha opinião, dada a velocidade de desagregação europeia, deve ser "a saudade de mim nesses tempos".

Espero que esta pequena nota tenha um conteudo, moderado.

Alexandre

Helena Oneto disse...

Ah! saudades... Afinal também tem saudades de si nesses tempos, noutros tempos, e se calhar também vai ainda ter saudades destes tempos...

Vou a Lisboa p'ra semana para matar as minhas, dos meus, dos amigos e, espero, de si também, mon cher Ambassadeur:)!

Helena Sacadura Cabral disse...

Meu caro Francisco, chama-se a isso nostalgia daquele que foi naquele tempo. Mas, sei lá porquê, acredito-o hoje mais harmonioso do que então.
Estarei errada? Julgo que não.
Também eu me lembro desses tempos, desse Zaventem. Só que sem saudade nenhuma de mim...
:-))

Julia Macias-Valet disse...

Saudades !? ...essa agora !

Anónimo disse...

Permito-me acrescentar o cheiro a gauffre na gare, os ballotins Leonidas religiosamente seleccionados e embalados para trazer, deambulações gastronómicas nas ruas à volta da Grand' Place, a sensação naive de estar a entrar no novo mundo, voltinhas rue Neuve acima, rue Neuve abaixo, les trappistes, os acenos e comentários do pessoal da TAP à entrada do avião da sexta à tarde...
JPS

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...