quarta-feira, abril 03, 2013

O arbóreo

Cruzei-me com ele há dias, numa rua de Vila Real. Já o não via há bastante tempo. Tive logo uma reação de imediata precaução. É que estava perante um conhecido praticante da chamada conversa "arbórea".

Tenho este assunto, de há muito, bem estudado. A conversa "arbórea" é um estilo de expressão oral que se carateriza por uma deriva temática obsessiva, tendo como pretexto o emergir de uma qualquer referência significativa. A conversa do "arbóreo" segue como os ramos de uma árvore, de onde surgem novas ramificações, as quais, por sua vez, se subdividem.

Diga-se, com franqueza, que nenhum de nós está imune a esta prática. Num diálogo solto e informal, todos caímos, frequentemente, neste vício. Eu faço-o, com regularidade e de modo consciente. Só que há quem o exercite por regra e seja completamente incapaz de o evitar. É o caso do pessoal que é tipicamente "arbóreo".

Uma vez mais, o meu interlocutor não desiludiu as expetativas - e só transcrevo aqui o que me disse pela certeza segura de que ele não utiliza computadores:

- Então já saiu de Paris? Deixou-se de embaixadas, não é? Era tempo! Bela cidade, Paris! Sabe que tenho lá uma irmã, que trabalha na banca? Nunca a encontrou? Está casada com o Meireles, você é capaz de conhecer, está muito ligado ao Florindo, aquele advogado que esteve nos governos do Soares. Você é amigo do Soares, não é? Sabe se está melhor? Deve estar. Li num jornal que ele já fez um elogio à entrevista do Sócrates. E a si, o que lhe pareceu a "aparição" do homem? O que é que ele pretende? Belém ou só atazanar o Seguro? Acha que ele vai voltar? Não gosto dele, mas pareceu-me em boa forma. O tipo tem cá uma raça! Ele ainda anda por Paris, não é? Você via-o muito por lá? Ao tempo que eu não vou a Paris! Sabe que cheguei a pensar fazer-lhe uma vista lá na embaixada? Mas, com a crise, não deu...

Nem sempre um "arbóreo" fecha o discurso, como este meu conhecido fez, regressando com a conversa "a Paris". As mais das vezes, prossegue na sua imparável viagem pelas palavras, sem limites nem contenção. Só raros "arbóreos", no delírio quase intravável do seu curso verbal, chegam à frase consciente:

- Já me perdi. De que é que estávamos a falar?

Neste passo da conversa, tida na esquina entre o ourives o o Zézé (só um vilarealense sabe o que é isto), em frente ao Santoalha e ao antigo Rafael (já houve por ali um sinaleiro!), apenas o surgimento oportuno de outro conhecido me salvou. E o "arbóreo" lá desandou, em direção ao que, noutros tempos, foram o Zeca Martins e o Teixeira Pelado...

8 comentários:

Isabel Seixas disse...

Bem interessante e salutar de ecológica a análise.

Do ponto de vista da saúde mental essa "ramificação" do pensamento deriva de facto para a fuga de ideias...

Anónimo disse...

Arbóreo? Desculpe, mas o uso do termo neste contexto irritou-me. Pus-me a pensar: Na conversa “arbórea” há sempre um regresso ao “tronco”, arrancando para uma nova ramificação. A ideia de novo “arranque” a partir da base, “tronco”, é na conversa “arbórea” importante. A metáfora aqui seria antes a de um condutor na estrada que vai virando sempre à esquerda ou à direita na primeira oportunidade que lhe surge, isto é, estimulado pelos soundbites que ele próprio vai produzindo. O que temos é um solilóquio autofecundante, prenhe de ramificações descontroladas e incontroláveis. Desculpe a brincadeira, mas são coisas que às vezes nos fazem bem.

Anónimo disse...

Há por aí muitos "arbóreos". Esta técnica é por muitos utilizada, como uma forma "baixa", para saber o que o interlocutor pensa de determinada pessoa ou assunto, mas que nem sempre resulta... como se constata.

Defreitas disse...

Se este blogue fôsse en francês, eu escreveria :
-Je fouine, tu fouines, il fouine ... de maneira indiscreta! Ou ainda: - Je fouille, tu fouilles, il fouille, plus élégant, mas sempre de maneira indiscreta! Em português, nao sei !
Um pouco mais grave é quando se trata de "commérage", porque pode matar !
E então muito mais grave, é quando é "inquisitif" ! Aqui é preciso cuidado, porque poder ser transmitido, espalhado, disseminado aos quatro ventos e logo em seguida deformado, como na ária da calunia, de D. Basile, no Barbeiro de Sevilha, de Rossini!
De qualquer maneira, esta arte da indiscrição é perigosa, porque ao tirar a sua verdade do poço, os indiscretos espalham a água por todo o lado! Tanto mais que os indiscretos sabem bem que as perguntas nunca são indiscretas, mas as respostas sim.
Existe uma expressão em francês que é " Tirer les vers du nez"! Literalmente : "Fazer falar alguém"!
No XVII século, os "parasitas do nariz", era uma doença bastante comum. Mas, muitos tinham vergonha de dizer ao médico que tinham essa doença. Então este era obrigado a submetê-los a um interrogatório para os obrigar a falar. Dizia-se então, que lhe tirava " os parasitas do nariz"!

O Sr. Embaixador só poderia responder, neste caso, ter a maior confiança na indiscrição do seu interlocutor.

J. de Freitas

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro J. de Freitas: podia ser um puco mais claro?

Defreitas disse...

Oh, Sr. Embaixador , nada de grave: Perdi-me no "arbóreo", a partir do comentário, que precede o meu, do anônimo das 12.29, que escrevia: "forma "baixa", para saber o que o interlocutor pensa de determinada pessoa ou assunto mas que nem sempre resulta... como se constata. ", ao qual acrescentei mais um ramo. O "arbóreo" em ação !
Esta forma "baixa" é o que eu chamo indiscrição! Esta pode ser bem ou mal intencionada!
Desenvolvi o tema porque tenho horror dos indiscretos. Posso aceitar de discutir sobre a minha opinião, mas prefiro a discussão aberta, "sans détours". E é por conhecer, como o anônimo em questão, muitos "indiscretos" do gênero que ele descreve, que utilizam esta técnica, que comentei amplamente este tema.
E também porque, como escrevi, as perguntas podem não ser indiscretas mas as respostas sim.
E neste caso, se respondemos, só podemos contar com a discrição do interlocutor que, ironicamente, escrevi "indiscrição! Porque conhecemos o resultado final...

Quanto ao tema do "post" , do qual gostei, também aprecio as conversas "à batons rompus", nas quais passamos facilmente "du coq à l'âne"!

J. de Freitas

Defreitas disse...

Aproveitando a oportunidade, que pensa o Sr. Embaixador do fim inglório de Jérôme de Cahuzac, que se transformu num "affaire d'Etat"?

J. de Freitas

Anónimo disse...

Caríssimos/as (autor e leitores do blogue),

O Mar Português ou mar ptg acabou de tomar conhecimento de mais um facto interessante. Não, infelizmente não se trata de um nova espécie de ave ou de uma descoberta científica revolucionária. No entanto, entendi compartilhar com todos vós o «achado».

Não se trata de novidade nenhuma, a prova de cultura geral continua a dar nas vistas. Desta vez, penso que a razão invocada é inclusivamente pertinente e evidencia alguma razoabilidade.

Relembrando o contexto da prova, por informações que obtive, a prova de cultura geral foi uma prova onde saiu "de tudo um pouco" desde a Lei das Sesmarias, até ao cefalópode. Sobre estas obscuridades, para os assim o entenderem, poderão ver neste blogue as reflexões que eu e outros postaram em "Cultura geral"

O contexto explicado, convido-vos a ler este comunicado que, na minha opinião, porque procurando responder a algumas quezílias suscitadas, merece aprovação.

Vejam

"Comunicado

O Ministério dos Negócios Estrangeiros decidiu mandar repetir a prova escrita de cultura geral do concurso de acesso à carreira diplomática.

Segundo informação do presidente do júri, a realização da prova, no passado dia 16 de março, não terá assegurado as condições de igualdade entre todos os candidatos uma vez que, em algumas salas, foi autorizada a substituição do enunciado da prova e, em consequência, a correção de respostas rasuradas.

Este facto contraria as instruções previstas no enunciado da prova.

Para garantir a total e igualdade de circunstâncias dos candidatos, deste concurso de acesso, o MNE decidiu anular o exame, convocando os candidatos para uma nova prova, a realizar no próximo dia 20 de abril."

São notícias inesperadas, mas que não deixam de ser positivas.

Saudações a todos/as,
Mar Português

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...