sexta-feira, abril 05, 2013

"Free shop"

Foi no aeroporto de Orly, no final dos anos 80. Aquela delegação portuguesa, chefiada por um secretário de Estado, chegara a Paris vinda de Tunis, após uma visita de trabalho de três dias. Estava em trânsito no "salão 500", a sala VIP daquele aeroporto parisiense. Faltava ainda bastante tempo para o voo de ligação a Lisboa, pelo que dois dos diplomatas que acompanhavam o político decidiram dar um salto à zona do "free shop".

Um deles entrou numa livraria e comprou dois ou três livros. O outro, numa loja ao lado, estava concentrado nos filmes à venda. O primeiro dos diplomatas, já com o saco do livros que comprara na mão, chamou então a atenção do segundo para as "promoções" que embarateciam fortemente, naquela loja, algumas "cassettes" de filmes. E indo ao encontro de uma conhecida propensão do colega, tido nos corredores das Necessidades por um dos mais persistentes "engatatões" da casa (o que, aliás, faz com que toda a "carreira" ainda hoje o trate por um nome muito "específico"), alertou-o, num conselho cordial:

- Não sei se já deste conta que estão aí à venda alguns dos grandes "clássicos" do cinema erótico, a preços fantásticos. Tens a oportunidade, por tuta e meia, de comprar obras hoje quase "históricas".

Com uma visível e detalhada erudição na matéria, foi-lhe dando referências, assinalando autores e vedetas consagradas, nos variados níveis de "exigência" em que o género se organiza e qualifica. O colega mostrava-se crescentemente tentado, mas hesitou por alguns instantes, talvez receoso em chegar a casa, em Lisboa, carregado com toda aquela "produção". A curiosidade e os preços tiveram o condão de convencê-lo. E lá acabou por comprar três ou quatro dessas tão apelativas"cassettes".

Regressaram ambos à sala VIP. O secretário de Estado mantinha-se à conversa com a restante delegação. Ao vê-los entrar, inquiriu:

- Então, fizeram muitas compras?

O diplomata "livresco" abriu de imediato o seu saco e mostrou os volumes que adquirira. Os olhos da sala voltaram-se então para o outro colega, que, com estranho afã, tentava, num canto da sala, meter numa saca de couro o produto das suas aquisições.

- Ó homem! Mostre lá o que comprou!, disse o secretário de Estado.

Já corado, com um sorriso amarelo, o diplomata resistia, sob pressão da curiosidade coletiva, cada vez mais atiçada pela sua visível atrapalhação. Diga-se que a delegação era constituída só por homens, a que se somava o embaixador em Paris. O governante era dos mais insistentes, desconfiado que havia ali algo escondido. Ao fim de alguns minutos, algo "encavacado", o diplomata lá se dispôs, com alguma relutância, a exibir as "peças" adquiridas. Talvez a ideia de que isso acabaria por lhe ilustrar o seu conhecido e nunca negado "curriculum" tivesse atenuado a sua retração. 

É claro que a saída dos filmes da saca provocou, como seria de esperar, uma galhofa geral, com ele a cuidar explicar, metendo os pés pelas mãos, que, na verdade, fora o outro colega quem o induzira à aquisição. Este último sorria, deliciado com o espetáculo e com um gozo agora legitimado pela fraqueza psicológica do outro.

Ontem, ao final da tarde, num aeroporto francês, numa escala entre dois voos, precisamente entre Tunis e Lisboa, lembrei-me do episódio. Não consigo é recordar o nome dos seus protagonistas. 

13 comentários:

Isabel Seixas disse...

Chama-se amnésia oportuna e seletiva.Há de facto estudos que comprovam que muitas vezes o essencial é o argumento, os protagonistas são irrelevantes de acessórios...

Hoje nada se compadece de amadorismo e aliás notou-se perfeitamente que os filmes de si didáticos se destinavam a fins pedagógicos.

Nada mais "sensato" que nutrir o imaginário.

Anónimo disse...

Impossivel não lembrar o nome do das "cassetes"!!!!!

Anónimo disse...

O pior é que, apesar da sua fraca qualidade humana, chegou longe na Carreira.

Anónimo disse...

Um deles está à vista, é o próprio autor das linhas. O outro, toda a " carreira" sabe, é o famoso "engatatão"
João Vieira

Anónimo disse...

Sabe que o Relvas se demitiu?

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Isto sem nomes perde metade da graça Senhor Embaixador

Anónimo disse...

Realmente a estória é curiosa e, nestes casos, pouco interesa os nomes, quer dos protagonistas e das cassetes... para não embaraçar.

Anónimo disse...

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer!

Anónimo disse...

Até que enfim este blog fala do "Pirilau". Já tardava Senhor Embaixador

Anónimo disse...

O que eu nunca percebi muito bem foi como aquela criatura, longe de possuir um físico de engatatão, teve, ou terá tido (ao que consta, mas parece confirmar-se) o dito suvesso que se lhe atribui. Até a alcunha de “pirilau” não deveria ajudar, mas assim não terá sido (ao que consta).
E subiu alto na carreira, lá isso subiu!


Anónimo disse...

Freeshop.....Freeport....Freeshop....Freeport..

Filmes mais vistos:

Freeshop - Garganta Funda (Deep Throat) anos 70, classif. hardcore/EUA-adultos

Freeport - Golpe de Mestre (br) A Golpada(pr) (The Sting) anos 2000, classif. para todos/PORTUGAL, anos 2000.

Alexandre

Anónimo disse...

... e algo vai podre no Reino da Dinamarca.

Anónimo disse...

Eu não me lembro de quando eu me esqueci!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...