Tenho por aí ouvido, com crescente frequência, que o atual governo português não tem uma política para a Europa. Não faço ideia se assim é, dado que, por razões seguramente ponderosas, o discurso europeu do executivo tem sido parcimonioso e, na prática, quase que se tem limitado às questões financeiras e, também nesse contexto, tem-se subsumido na gestão nominativa dos efeitos do processo de ajustamento. A entrada para o governo de Miguel Poiares Maduro, uma figura com uma sólida formação em matéria de assuntos europeus, abre assim uma expectativa de que possamos vir futuramente a beneficiar de uma iluminação nessa decisiva dimensão programática da nossa política externa.
Provavelmente por deformação de quem passou mais de cinco anos a coordenar a política europeia do país, devo dizer que sinto falta de ouvir uma explicação cabal sobre a filosofia subjacente àquela que terá sido a posição nacional na recente negociação do quadro financeiro pluri-anual da UE (2014-2020), porque, pelo menos para mim, ela esteve longe de ser explícita. Por exemplo, gostaria de ter percebido um pouco melhor o grau de envolvimento de Portugal na luta pela preservação da política de coesão, de cujo resultado vai depender a grande fatia do investimento público disponível para os próximos sete anos. Também me não foi totalmente percetível a lógica da gestão feita, nessa negociação, quanto ao equilíbrio entre os dois "pilares" da Política Agrícola Comum, nomeadamente tendo em atenção o muito diferenciado interesse que o nosso país tem nessas duas áreas, embora com lóbis internos inversamente proporcionais à dimensão desses interesses. O debate que sobre todos estes assuntos foi feito na sede parlamentar especializada pareceu-me marcado, aliás, por um espantosa superficialidade, com o executivo a não necessitar de desenvolver uma linha argumentativa para além do nível de exigência que a oposição foi capaz de sustentar.
Uma outra grande temática que é urgente abordar publicamente diz respeito às propostas de aprofundamento das políticas económicas e de governação europeias - para uns de natureza para-federal, para outros de mero reforço centralista -, que têm vindo a ser aventadas pelo principal protagonista do teatro continental, até agora perante o considerável silêncio de muitos dos restantes atores, em especial os secundários e os figurantes. Onde está Portugal neste debate? O que pensam os responsáveis políticos, da maioria ou das oposições, sobre o que tais propostas implicam para a capacidade de autodeterminação do país? Tenho uma imensa curiosidade em saber.
A política europeia de um país como Portugal, que nesta fase está refém do ambiente de ajuda externa, deve ser objeto de uma discussão alargada. É que, como nunca no passado, a política europeia é hoje altamente condicionante, não apenas de grande parte da nossa política externa, mas também de muitas das opções de natureza interna, dado que ela sobredetermina um conjunto alargado de políticas públicas. Além disso, se se confirmar que novas partilhas ou cedências de soberania virão a ter lugar, o país necessita de saber, a tempo e horas, o que os responsáveis políticos, de ambos os lados do espetro, nomeadamente os nossos deputados, bem como a chefia do Estado, sobre isso pensam. E é importante que esse debate incorpore uma explicitação muito concreta sobre a margem de manobra que o país passará a ter, nomeadamente em matéria da sua influência no processo decisório, se essas alterações entrarem em vigor. Essa será uma interessante oportunidade, aliás, para revistar as "vantagens" do chamado tratado de Lisboa.
Imagino que este post possa ser algo "árido" para alguns leitores. Lamento se assim foi. Mas tenho alguma dificuldade em ser menos hermético em questões desta natureza. Do que escrevi, resulta a conclusão de que não são hoje para mim muito evidentes aspetos fundamentais da política deste governo para a Europa. Ao invés, conheço bem melhor a política da Europa face a este governo.
14 comentários:
Muito bem
a) Luís da Cunha
Alexandre de Gusmão
Duque de Palmela
atravé de:
Henrique de Menezes Vasconcellos
(Vinhais)
claro que as coisas não se passam nada assim, não há uma afirmação especificamente portuguesa no contexto da politica europeia dos 27, não somos uma voz, os objectivos da nossa politica europeia são apenas cumprir ou ir um pouco "mais alem" do que nos mandaram fazer, assumimos o papel de país que não tem voz ou opinião, ou direitos, do membro que tem de obedecer, que entra mudo e sai calado, é cumprir e calar.
não há politica agrícola nem de pescas, o resto limita-se a cortar nos orçamentos, os ministros são figuras retoricas (à excepção de gaspar que é o guardador dos livros de contabilidade e executor dos numeros, o manga da alpaca).
aquilo que nos parecia um sonho, ganhar estatuto internacional, pertencer ao clube, coisa que nos entusiasmou e alegrou, hoje é mais um pesadelo, não sei que dizer mais, concordo que não há ideias no governo ou na oposição, que não há debate publico, nem informações nem explicações, e até já não percebo bem o que é hoje a ue...
não sei dizer mais pois não tenho dados e cada vez estamos menos informados dado o secretismo de tudo e o leigo não percebe nada alem do que perde...
esplendido post com reflexões pertinentes...
O que faz a Noruega dentro da União Europeia nesse seu mapa?
a)Odin, Thor e Selma
Acabo de ler numa revista
brasileira, algo para pensar:
http://www.infomoney.com.br/mercados/noticia/2719426/teremos-sick-piigs-passos-para-fim-euro-segundo-the-atlantic
O meu problema é outro: existe em Portugal algo a que se possa qualificar de política europeia?!
A política europeia para Portugal, infelizmente, para mim também não é muito clara...
Problema meu com certeza que começo por compreender mal o Presidente da Comissão.
Uma política portuguesa para a Europa ? Ou uma política européia para Portugal ?
Quando um pais não tem política ( eu ia escrever políticos) nem economia que valham, não é um interlocutor valido. Os problemas políticos não são feitos para ser resolvidos; e quando se fizeram erros na economia, pagam-se. Tudo se passa como se quaisquer que sejam as medidas tomadas ou os anúncios dos dirigentes, uma dinâmica destruidora continua a desenvolver-se.
E como na Europa quem comanda são os investidores, e que estes não crêem no que lhes dizem os dirigentes, os povos vergam sob o peso da política que lhes é imposta.
Mas a Europa, de qualquer maneira, não tem política de longo prazo ; é tudo a muito curto prazo. Ver a Grécia, ver Chipre, e ver Portugal! Os bombeiros chegam a toda a pressa para apagar um incêndio previsível! Até à próxima vez, noutro pais ! A Europa "marche à tatons" !
J. de Freitas
Excelente texto: edificante e idiciante. Não é propriamente um "no-brainer" mas percebe-se muito bem o que nele é dito e sugerido.
Comme j'aime vous lire, mon cher ambassadeur!
Francamente , não me parece que o actual Governo tenha uma política seja para o que for: nem para o país nem para a Europa e isto com a benção(por escrito) de Cavaco.
Nem creio que Poiares consiga fazer algo, dada a cada vez maior força de Gaspar.
E não me estou esquecendo das limitações de soberania nem do triunvirato nem de nada.
Até se poderia não obter resultados, mas dever-se-ia lutar por afirmar uma posição do país.
Só vejo encenações , como as que decorreram durante o dia de hoje!
Os meus respeitos.
Volto para corrigir o plural de "lobos" em inglês: é um "V" , não um "f" .
Boa tarde .
De há uns anos a esta parte penso que Portugal tem de continuar a demonstrar que tem capacidades de pertencer à UE. Quanto ao resto, nesta altura, não podemos invocar nada depois do que nos aconteceu financeiramente.
Senhor Embaixador : subscrevo todos os comentarios onde se afirma que o problema consiste no facto de o governo não ter politica digna desse nome.
A não evidentemente as do empobrecimento e abdicação que nos nos levarão a um glorioso futuro.
O governo no mandato social que se autopropôs deixa-se flanar pela Europa através da oferta dos nossos jovens,
"detentores do ensino secundário licenciados e mestres, formados nas nossas escolas e faculdades, ainda à custa de direitos conquistados por abril, nomeadamente a atribuição de bolsas que permitiam aos estudantes carenciados continuar os seus estudos ingressando frequentando e terminando o ensino secundário e superior no seu país.
O governo quer ganhar as batalhas verbais como um mero exercicio de jogos de entretenimento culminando os ganhos em perdas de qualidade de vida para a maioria da população aumentando fatores de risco para o adoecer mental.
De facto frequentar o governo está a mostrar-se profícuo em aprendizagens nocivas para merecer o ingresso póstumo no céu, sendo que estas escolas da desfaçatez já são faculdades da universidade da europa... Agora programas, planos estratégicos, projetos, para quê?! Para serem adulterados como doença progressiva crónica e degenerativa e constatar que cada vez mais a proatividade é sinónimo de improviso na prática... Oh, o Senhor é de bom tempo, ainda bem, o post bem oportuno, mas lembra-nos de factos tão tristes, será mesmo a vida?!!!
Só há uma política na Europa, é a definida por Angela Merkel e Wolfgang Schauble, em negociação com o FMI. Não deram por isso?
a) Wolfgang Schadefreude
Embora todos esses percalços que Portugal passa, o Euro foi muito bom.
Portugal se modernizou, passou a pertencer ao 1º mundo, afastou-se dos perigos da ditadura, tem uma moeda forte.
Nem tudo são flores, sempre aparecem alguns espinhos, mas nada que não se possa contornar com um pouco de sacrifício.
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