segunda-feira, fevereiro 23, 2009

República

É já para o ano que se comemorará, em Portugal, o centenário da implantação da República. Parte do programa das comemorações acaba de ser anunciado pelo respectivo presidente, Artur Santos Silva.

Historicamente, Portugal foi a segunda República a ser criada na Europa, depois da República Francesa, se descontarmos o modelo mais atípico da Confederação Suíça.

A ideia da República - que em França se assume de há muito como uma espécie de ética colectiva de cidadania - acabou por ter em Portugal um percurso ligeiramente diverso. Explorando o ambiente de alguma decadência nacional, que marcou o período da monarquia constitucional durante o século XIX, as ideias republicanas impuseram-se então como um sopro de patriotismo, naturalmente também marcado pelo cultivo dos princípios da clássica trilogia liberdade - igualdade - fraternidade, bem como pela afirmação da educação como o centro do processo emancipador do povo.

Em 1910, uma Revolução eminentemente urbana derrubou o regime monárquico, que estava muito enfraquecido por sucessivas crises, por uma deriva autoritária e, em particular, pelo assassinato violento, dois anos antes, do rei e do seu sucessor directo. O novo regime que daí resultou - uma democracia parlamentarista que mais tarde veio a ser conhecida como 1ª República - teve um percurso atribulado, numa sociedade política muito dividida, com a emergência de lutas operárias e fortes tensões sociais, instabilizado também pela acção dos seus inimigos, muitos deles ligados aos derrotados de 1910.

No ano de 1926, seguindo a tendência autoritária que se afirmava pela Europa, a 1ª República portuguesa foi derrubada por uma ditadura militar, a qual, a partir de 1933, deu origem ao regime do chamado Estado Novo, servido por uma Constituição antidemocrática e um ambiente de forte limitação das liberdades públicas.

Se bem que inscrito nas novas instituições, o conceito de "República" foi então diabolizado, em permanência, e a imagem dos tempos convulsos da 1ª República foi usada à saciedade como exemplo político negativo. À época, alguém se afirmar "republicano" era equivalente a dizer-se "democrata", o que praticamente significava assumir o risco de ser colocado no grupo dos opositores ao Estado Novo.

Com a Revolução democrática de 25 de Abril de 1974, a República ganhou pleno reconhecimento e dignidade. A Constituição de 1976 consagrou mesmo um novo nome para o parlamento, que deixou de ser a "Assembleia Nacional" do Estado Novo para passar a designar-se "Assembleia da República".

Talvez pelo facto da ideia republicana continuar a não ter hoje em Portugal uma imagem substantiva similiar à que tem em países como a França - e apareça ainda muito ligada ao simplismo da dualidade contrastante com a Monarquia -, as comemorações previstas para 2010 têm a intenção de sublinhar os fortes valores de cidadania que sustentaram a luta de quantos, ao longo de muito mais do que um século, sustentaram em Portugal a luta pelos ideais republicanos.

Mas os opositores do culto da República - uns monárquicos, outros apenas conservadores opostos ao que consideram ser o aproveitamento do ideário histórico republicano pelas forças mais à esquerda no espectro político - prometem contestar estas comemorações, pelo que se anuncia um período de alguma polémica.

6 comentários:

Anónimo disse...

..."culto" da República?...
Entendo mais que seja 'hábito'.
Falta de aprofundamento da História.
Sentido crítico, desinteresse cívico, apatia.
Sim, sobretudo apatia.

Anónimo disse...

De forma discreta e quase solitária, inaugurou-se hoje o programa das actividades comemorativas do Centenário da República. Como nota introdutória, convém desde já destacar o desperdício de fundos, no exacto momento em que a república se encontra já numa fase de cuidados paliativos sem remédio, parecendo estes 10 milhões de Euros um orçamento para solenes exéquias fúnebres. Quando comparamos esta soma com aquela outra, bastante inferior, destinada à cooperação portuguesa em Timor-Leste, podemos facilmente avaliar a seriedade das políticas que têm sido prosseguidas, onde o interesse nacional é relegado para a condição de coisa invisível e pouco útil à promoção deste ou daquele mesquinho fulanismo.

O primeiro contacto que os portugueses tiveram com a dita comemoração, consistiu num anúncio televisivo, onde sobre a bandeira da Carbonária, abusivamente alçada à categoria de pendão do regime, surgiam as palavras Liberdade, Igualdade, Cidadania e Democracia. Não se vislumbra facilmente o que têm estas palavras de ordem em comum com a dita alegada república de 1910, pois o país inteiro conhece bem as causas do seu alegremente celebrado enterro ao fim de dezasseis anos de misérias, felonias, nepotismos, violências, incompetência e vida vegetativa. Morreu sem sequer exalar um derradeiro flato, tal o estado de avançada decomposição orgânica em que o seu corpo se encontrava.

Mas o que irá na realidade esta Comissão comemorar?

- O radical cercear dos cadernos eleitorais, possibilitando a eternização do partido único do sr. Costa no poder? É esta a Igualdade?
- As levas de milhares de condenados e prisioneiros políticos que escandalizaram a Europa de então? É esta a Liberdade?
- A liquidação da imprensa livre, normalizando-a aos desejos da oligarquia no poder?
- A imposição de medidas vexatórias aos opositores políticos, obrigando-os a insígnias infamantes e de cariz neo-medieval? É esta a Cidadania?
- A massiva fuga de gente em direcção ao estrangeiro, fugindo à perseguição política, arbitrariedade dos novos senhores, fome e descalabro económico?
- A violência urbana, a chantagem física e moral sobre o país inteiro, com a organização de uma rede de caciques que impunham a ordem jacobina através do espancamento, assalto e sumário despedimento do posto de trabalho? É esta a Fraternidade?
- A inaudita violência sobre o movimento sindical? Eis a igualdade republicana.
- A coerciva liquidação do Partido Socialista de Azedo Gneco, acusado de ser ant-republicano e de ter pactuado com a Coroa? É esta a democracia?
- Os sucessivos golpes de Estado, pronunciamentos militares e civis que levaram o país ao abismo de quase meia centena de governos em menos de 16 anos?
- A falência de todo o mirífico programa republicano de escolarização que aliás, seria sofrivelmente seguido de forma restrita e intermitente pela 2ª república?
- A estrondosa derrota do exército do senhor Costa e do senhor Bernardino em Moçambique, às mãos dos askaris do kaiser Guilherme II?
- A derrota do exército da república por escassas forças alemãs no sul de Angola?
- A vergonhosa participação na frente da Flandres, onde a coragem e abnegação de alguns não ocultou o laxismo, incompetência, miséria material, fraqueza anímica do chamado CEP?Derrotado pelos Sturmtruppen do kaiser, o exército da república viu-se reduzido à condição de faxineiro e besta de carga ao dispor dos Aliados britânicos. Sem honra nem glória. É este desastre militar sem precedentes na nossa História que a república quer comemorar?
- A rotineira série de assassinatos políticos que atingiram o mais elevado escalão dos homens do poder que tornaram vítimas um presidente, um primeiro-ministro, ministros, personalidades partidárias e militares? Vão comemorar a Formiga Branca? Comemorarão a Leva da Morte? Exultarão publicamente com os feitos da Camioneta Fantasma? É esta a Fraternidade?
- A imposição de severas limitações à igreja, num Estado que se dizia laico e respeitador dos direitos individuais? Vão comemorar os espancamentos de religiosos, a destruição e roubo de inúmeras obras de arte pertencentes a igrejas e conventos? Irão mostrar aos portugueses as vergonhosas fotos de violência exercida sobre prelados em pleno Rossio, com medições frenológicas e apresentação de características faciais que pretensamente denotavam o carácter facínora das vítimas? É esta a Liberdade?
- A liquidação do progresso económico conseguido ao longo da Monarquia Constitucional, atirando o país para o vórtice da inflação, extremo endividamento externo e ameaça de colocação das colónias sob mandato da Sociedade das Nações?
- A inauguração do campo de prisioneiros do Tarrafal que se celebrizaria muito mais tarde durante a 2ª república?
- A instituição da PVDE, logo PIDE/DGS que orgulhosamente ostentou na sua sede e no mastro principal, as cores escolhidas pelo senhor Costa e respectivos turiferários?
- O fim da liberdade de expressão, de imprensa e de pensamento, totalmente assumido pela 2ª república e devidamente homologado pelos seus sucessivos presidentes? Era esta a Liberdade?
- A longa e desnecessária guerra em África, quando o mais antigo aliado, a monarquia britânica, dera o exemplo com a organização da Commonwealth?
- A escandalosa, irresponsável e para sempre vergonhosa "descolonização" que humilhará gerações consecutivas de portugueses e atirou para as vascas da agonia, milhões de antigos cidadãos portugueses ultramarinos, então entregues à bestialidade ditatorial, cruel megalomania, criminosa incompetência e cruentas guerras civis que ceifaram milhões?
- A desastrosa negociação de adesão à CEE, mal planeada e sem acautelar os vitais interesses da população trabalhadora portuguesa? Como deixa a república a nossa agricultura? O que fez a república da nossa indústria, comércio, transportes marítimos, pescas, ordenamento territorial?
- A actual e aviltante situação de desigualdade jamais vista, onde os milionários que condicionam as rédeas do poder instituído, beneficiam de um estatuto de plena excepção? O que tem a república a comemorar no que respeita aos direitos de cidadania, quando qualquer um é alvo de escutas, perseguição por entidades que procuram sonegar rendimentos, uma taxação esmagadora e desproporcionada? É esta a Cidadania?
- A abrupta, nítida, aviltante queda do estatuto de Portugal na sua autonomia de nação soberana que a república reduziu à simples e inédita condição de mera república-autónoma da Monarquia bourbónica espanhola? Como explica a república o facto de hoje Portugal se encontrar mais dependente do poderoso vizinho, se compararmos os nossos dias com a situação vigente durante a desaparecida realidade da União Ibérica de 1580-1640? Não é esta república, o verdadeiro Cavalo de Tróia tão ansiado por quem sempre nos quis subjugar?
- Vai a Comissão do Centenário da República de 1910 comemorar o actual ruir do ensino em Portugal, cuja imagem hoje se encontra perigosamente desprestigiada e aviltada pela total ausência de um programa coerente e perene?

São estas, enfim, algumas questões a colocar à comissão que durante os próximos meses esmifrará 10.000.000 de Euros em banquetes, edições de livros de amigos ou viagens a pagar pelo contribuinte. Tudo em nome de uma enorme mentira que pela propaganda esmagou a ideia de serviço à Pátria, aviltou a cidadania, criou a desigualdade, cerceou a liberdade e tripudia da nossa História, ameaçando a própria sobrevivência da democracia e do Estado. Em suma, muito existe para lamentar e nada para comemorar. Esta dita comissão oficial, é um insulto ao povo português. Talvez o derradeiro.

Francisco Seixas da Costa disse...

A escrita deste blogue é assegurada por um orgulhoso servidor da República. Isso não impede que nele se acolham, desde que apresentadas com urbanidade, todos os comentários críticos que este regime possa suscitar a alguns. Mesmo que, como o anterior, acabem de uma forma tremendista, numa tradição que se pensava enterrada desde os tempos de Monsanto.

Anónimo disse...

As Monarquias são um resquício do barbarismo, daquilo que veio a seguir-se ao desmoronamento do Império Romano do Ocidente. As Grandes Civilizações da Antiguidade Clássica, como a Grécia e Roma, cujos "genes" político-culturais viemos a herdar (a nossa ocidental civilização dos nossos dias tem, designadamente, uma origem greco-romana)foram Repúblicas.
E depois, o estado de "decomposição" político-económica em que se encontrava a Monarquia que antecedeu a República deixava muito a desejar.
Caro Nuno Castelo-Branco, está-me cá a parecer que a Monarquia já foi, não voltará. Talvez o melhor será adaptar-se a esta República. Olhe que há coisas piores.
Não sejamos "tremendistas".
PR

Nuno Castelo-Branco disse...

Adaptar-me à república? Peço que tenha em atenção o facto de não estar interessado em ter qualquer processo por corrupção activa/passiva, pois hoje em dia é disto mesmo que se trata. E como sou ultramarino, não sou de me aconchegar ou dar-me a resignações. Acolheria com extrema alegria o fim da pseudo-república que não passa de um barrete/mascarilha de bandidos. O que interessa é a sobrevivência de Portugal, coisa que se torna bastante problemática.
Quanto à decomposição política da fase finall da Monarquia, estamos de acordo, embora tal se devesse em grande medida à impunidade permitida à subversão do porque usou e abusou da Lei e da liberdade. Quanto á decomposição económica, reveja os dados hoje disponíveis e que apontam para o facto de toda aquela ânsia em destruir Franco, confirmava apenas uma coisa: havia dinheiro e uma clara perspectiva de prosperidade, dependente também da acalmia e renovação política que estava em curso. Tudo o mais, não passa de mera propaganda do Costa e do salazarismo.

editor69 disse...

Percebo o senhor embaixador,mas daí até ser um orgulhoso servidor desta coisa a que chamam republica portuguesa,não vejo de todo onde possa estar o orgulho...
um bom servidor sim...orgulhoso não percebo...mas também...
parece que apoia um clube eminentemente católico...

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