quarta-feira, março 06, 2013

Roissy

Hoje no meu regresso de Estrasburgo, passei de novo no aeroporto parisiense dito Charles de Gaulle, a que muitos franceses (e eu próprio) teimam em chamar Roissy.

(Estas designações póstumas podem ser algo constrangentes. Muitas vezes a memória popular não acompanha o voluntarismo afetivo dos proponentes. Veja-se o que acontece, em Paris, com a place de l'Etoile, onde está o Arco do triunfo: ninguém a designa por "Charles de Gaulle", sendo esse, no entanto, o nome oficial. Em Portugal, a maior "maldade" foi darem ao Areeiro o nome de praça Francisco de Sá Carneiro (e colocarem por lá uma espécie de estátua artisticamente ofensiva). É óbvio que ninguém chama o lugar por esse nome. E, no Porto, ouço ainda muita gente a falar da praça Velasquez ou do aeroporto de Pedras Rubras, em lugar de nomearem a malograda personalidade que, por onze meses, chefiou o executivo português, durante 1980).

Quem não viveu essa época não pode imaginar a fortíssima impressão que o novo aeroporto de Paris podia fazer a quem, como eu, por lá passava, pela primeira vez, em fevereiro de 1976, menos de dois anos após a inauguração. A arquitetura muito avançada, quase espacial, daqueles "tubos" transparentes que levavam aos "satélites", conferia ao local uma imagem dos cenários de "Barbarella" e tudo rimava com o "Concorde", que por aí começou e por aí acabaria, de forma trágica.

Enviado pelo Ministério da Cooperação (já ninguém se lembra, mas existia então um ministério com esse nome, para onde eu fora destacado), tive de ir a S. Tomé e Príncipe, via Paris e Libreville, para tentar pôr termo a uma greve de algumas dezenas de professores cooperantes que Portugal tinha enviado meses antes, e por cuja pré-seleção eu fora responsável. Embarquei em Roissy e, confesso, fiquei extasiado. O "choque" com a modernidade do aeroporto foi imenso.

Hoje, quase quatro décadas depois, sempre que por lá passo noto que a imagem do aeroporto está longe de ser tão "glamourosa". O edifício envelheceu mal, os "tubos" e os "satélites" tornaram-se anacrónicos, todo o espaço é muito pouco funcional. Para obviar aos problemas de crescimento, o aeroporto multiplicou estruturas cumulativas. Anteontem, estive uma par de horas no hall G, uma instalação que pede meças, em fealdade e frieza, àquele edifício sinistro que foi construído como complemento do aeroporto de Lisboa (ou da Portela), a que, eufemisticamente, se chama "terminal 2".

Tenho tendência a olhar para os velhos aeroportos (e para os hotéis, também) como se eles fossem pessoas: os que envelhecem mal, os que mantêm beleza e dignidade na inevitável decadência, os que, enquanto podem, se rejuvenescem, nomeadamente através de "liftings" com sucesso. Mas, porventura, estou a ser demasiado cruel. Para os aeroportos, claro. 

terça-feira, março 05, 2013

No labirinto

Nunca tinha tido um contacto com aquele assunto. Mas, perante a instrução que me era dada, em face da ausência do colega que normalmente tratava da questão, não tive qualquer reticência em receber aquele empresário português que nos pretendia transmitir o resultado de uma sua deslocação a um determinado país de expressão portuguesa, onde a situação político-militar era muito confusa. Ao que me haviam dito, tratava-se de uma pessoa com muito bons contactos e que nos poderia ajudar a contribuir, de forma positiva, para a estabilização e para o diálogo interno, por forma a superar os dissídios fratricidas em curso.

O nome do empresário era-me familiar. Tratava-se de um homem já de uma certa idade, muito simpático, profundamente religioso, claramente sem "agendas escondidas", que apenas pretendia ser útil a um país de que gostava muito. A sua ligação à rede da igreja e a muitos responsáveis políticos e económicos tornavam-no precioso, tanto mais que, na recente viagem que agora nos ia reportar, uma das muitas que profissionalmente fazia ao território, tivera novos e muito interessantes contactos.

Começou por agradecer a minha disponibilidade para o receber e relatou:

- Como sabe, tenho muito bons amigos locais. No Norte, falei com o bispo, que me deu conta da tensão que se adensa. O vosso Ministério já sabe, bem melhor do que eu, o que aconteceu por lá no passado. Algumas coisas não vieram a público, e ainda bem!, mas vocês conhecem-nas bem. O governador, como já disse há semanas a um seu colega, é um homem inábil e conflitual. Aquelas confusões, em setembro, eram perfeitamente escusadas, mas o homem, que, como sabe, tem aquele irmão mais velho nos negócios (eu não sei se o tipo de Vila do Conde ainda é sócio dele) e aquela prima que anda aí por Lisboa (casada com o "grandalhão" dos portos), teima em criar dificuldades. Eu, na reunião passada com o seu colega, já deixei claro que as coisas têm tudo a ver com o tráfico daquilo que sabemos. E o homem da Marinha, como vocês suspeitavam, está "enterrado" até à cabeça na tramóia. Nesta viagem, um amigo ligado a empresa do homem disse-me que o presidente da República de lá estava furioso com o assunto. E até o nosso amigo brigadeiro, que você aqui receberam há meses, foi da mesma opinião.

A conversa prosseguiu, sempre neste tom. As informações jorravam... mas eu não sabia de quem é que ele estava a falar. Não surgia no relato um único nome, seguramente por uma delicada "precaução" de segurança. No que me tocava, havia cometido um erro de palmo. Deixara passar largos minutos sem inquirir de quem é que ele estava a falar. E, a certo ponto, já era tarde para inquirir "o bispo é de onde?", "quem é o general?", o "irmão nos negócios é quem?". Eu cometera o lapso de pensar que, com o decurso da conversa, acabaria por apanhar o fio à meada e "agarrar" a história. Mas era tarde! O meu embaraço era total. Não perante o homem, que prosseguia, sem cessar, as referência "àquela empresa portuguesa que o governo português bem tem apoiado", ou "aos nossos interlocutores habituais mais lá em baixo" ou mesmo "aos bons amigos que o senhor ministro, como sabe, tem por lá". E foi assim, até ao fim.

No termo do encontro, que tentei apressar, agradeci todas as "utilíssimas" informações que nos tinha passado e quase tive vontade de me rir, às gargalhadas, de mim mesmo. Que iria eu dizer a quem me encarregara da tarefa? Já não me recordo muito bem do que aconteceu. Apenas registei que falei com o meu colega que habitualmente tratava da questão, a quem relatei o sucedido. Muito nos rimos. Estou certo que, nos dias que correm, estando ele como embaixador português junto da OCDE, já não se confronta com situações tão crípticas.

segunda-feira, março 04, 2013

... e Paris aqui tão perto

Sensação curiosa esta: passar por Paris - aterrar aqui em Roissy, para apanhar um avião para Estrasburgo - como se se tratasse de um qualquer aeroporto, como se, ali bem perto, não estivesse a cidade onde, até há pouco mais de um mês, vivi desde 2009. Com a maior das franquezas, devo dizer que não tive a menor tentação, nem vontade, de dar uma saltada a Paris. Como se ainda fosse cedo para rever amigos e lugares.

Sempre tive por curiosa esta minha propensão para "fechar" as cidades onde vivi. Aconteceu-me sempre, sem nenhuma exceção - em Oslo, em Luanda, em Londres, em Nova Iorque, em Viena e em Brasília. Àparte esta última, a todas já regressei, a algumas por mais de uma vez, mas apenas tempos mais tarde, para rever as pessoas, notar os locais e as suas mudanças. Tudo, porém, num registo de que esteve em absoluto ausente qualquer espécie de nostalgia.

Algumas pessoas acham estranha esta minha atitude. Devo dizer que até eu! De certa forma, ela pode ser lida como uma espécie de defesa, uma fuga implícita à constatação da impossibilidade de um regresso. Ou talvez não: pode ser apenas a necessidade de me concentrar a 100% no futuro, que me obriga a colocar parêntesis no passado. Seja lá como for, a verdade é que é muito agradável nunca sentir qualquer dependência dos dias de ontem.

domingo, março 03, 2013

Questão de substância

Era e é um homem simpático, sempre sorridente, com graça e uma boa cabeça. Aquele embaixador, porém, tinha - e imagino que ainda tenha - como vício irritante responder às questões com outra pergunta. Se se inquiria, a propósito de uma determinada atitude do governo do país onde estava acreditado, "o que é que você acha que eles querem?", era muito possível que a resposta fosse "mas a posição deles foi vista como ofensiva?" ou uma coisa do género.

Trata-se, nem mais nem menos, do que mais um cultor da velha "escola" de abstenção opinativa que sempre existiu nas Necessidades. Há colegas que fizeram toda a sua carreira furtando-se habilmente a dizer o que pensavam. Alguns procuram ouvir os interlocutores para, de forma mais ou menos subtil, se colarem ao que acham ser a posição deles, num mimetismo seguidista, para logo caírem nas respetivas boas graças. Outros limitam-se a questionar e vão conseguindo, por elaboradas artes de dissimulação, nem concordar abertamente com o parceiro mas também nunca o afrontar. Não é fácil! É uma elaborada escola do "nunca me comprometo". Outras vezes, por detrás dessa atitude, não há sequer quaisquer razões de fundo: a fuga para a reação interrogativa está-lhe no sangue, é superior à suas forças. Era o caso do embaixador de quem vou contar uma historieta passada comigo.

Um dia, estava eu então no governo, recebeu-me, de passagem, na sua residência, numa determinada embaixada europeia. Eu tinha andado de um lado para o outro, durante todo o dia, envolvido em reuniões. Com a pressa, e porque o programa era muito intenso, fui adiando a necessidade, que se ia tornando cada vez mais premente, de ir a uma casa de banho. Assim, chegado à embaixada, logo que encontrei o embaixador, ainda no hall de entrada, perguntei-lhe, algo ansioso:

- Posso ir a uma casa de banho?

- Para quê?, perguntou-me o embaixador.

Devo ter feito um ar de grande surpresa. Então o homem pretendia saber a razão pela qual eu queria ir a uma casa de banho? Isso era coisa que se perguntasse? Fiquei sem palavras. O mesmo não aconteceu com o embaixador, que logo esclareceu:

- Se é para uma coisa "simples", pode ir aqui a esta pequena casa de banho, junto ao hall. Mas se é para uma coisa mais "substancial", é melhor ir a uma das casas de banho do primeiro andar.

Nunca mais esqueci o requintado qualificativo, que não deixa de ter algo de quantificativo, que, na peculiar organização espacial do homem, fazia toda a diferença.

sábado, março 02, 2013

Protesto

Olhei para a cara das pessoas que hoje estavam na manifestação que, em Vila Real, se associou ao protesto nacional - contra a "troika", o governo e algumas entidades mais. Pareceu-me haver algum desânimo pelo facto do cansaço, e talvez do sentimento da eventual inutilidade do gesto - porque ninguém de bom-senso pensará que há hoje mais conquistados para as políticas praticadas -, ter afastado muita gente e transformado este evento numa sombra do protesto de setembro de 2012. Parece-me, porém, que laboram num equívoco. Esse protesto de então foi único, porque foi o primeiro momento em que aquele Portugal que não era parte do setor público (jornalistas e comentadores incluídos) sentiu que lhe estavam a "ir ao bolso". Fez toda a diferença!

O humor faz também parte destes exercícios e, pelo menos em Vila Real, ele ainda persistiu em alguns cartazes. Um deles rezava, de forma muito transmontana e numa bela transcrição fonética, dirigido ao poder: "num baleides um tchabelho". Sorrir, mesmo de forma amarela, ainda não paga imposto.

sexta-feira, março 01, 2013

Aos papéis

Volta e meia, responsáveis políticos são chamados ao parlamento para serem confrontados com decisões que tomaram durante os tempos em que exerceram funções governativas. Nada de mais natural, numa República democrática em que a responsabilidade pessoal se não esgota no momento em que se abandonam os cargos.

O que mais me surpreende é o facto desses antigos responsáveis políticos aparecerem a responder nessas instâncias parlamentares escudados em documentação do tempo em que exerciam tais funções executivas. A menos que essa papelada lhes haja sido fornecida pelos seus imediatos sucessores - hipótese improvável, no ambiente de "guerrilha" em que se transformou a vida política nacional -, só posso presumir que, ao abandonarem os cargos, essas figuras políticas levaram consigo cópia de tal documentação, que hoje lhes serve de escudo contra eventuais acusações, muitas das vezes injustas, como se comprova pelo facto de raramente alguém ser "condenado" nesse contexto.

A posse de duplicados de tais documentos oficiais é, assim, um ato de mera prudência e até de bom-senso. Só que há um pequeno, embora talvez não despiciendo, problema: é que isso é ilegal. Ninguém pode guardar documentos oficiais quando deixa de exercer funções políticas. Ponto final.

Tive consciência disso ontem à noite, neste tempo em que me divirto a arrumar em casa a minha papelada, na curiosa revisão retrospetiva de vida que a aposentação propicia. No que pessoalmente me toca, não fiquei com um único dos despachos e, em especial, de qualquer das decisões de concordância relativas a verbas, cuja movimentação autorizei ao longo do mais de cinco anos de funções governamentais que exerci. Se acaso fosse hoje chamado a uma comissão parlamentar, entraria na sala apenas com a minha memória. A qual, não sendo má de todo para aquilo que me interessa, tem hoje saudáveis brancas para as burocratices da vida. Com os riscos inerentes, claro.  

Comentava isto hoje a um amigo, ao almoço. A reação foi: "Dá-lhes ideias, dá!..."

Grillo

Eu tinha à volta de vinte anos. Numa madrugada, o Sud-Express em que seguia a caminho de França parou, por alguns minutos, numa estação espanhola. 

Dado que a "couchette" que me cabia era grandemente incómoda, há horas que eu vagueava pelo corredor do comboio, espantando o sono. Era Verão e abri uma janela, na noite quase deserta de gente, no meio da meseta. Perguntei a alguém que passava onde estávamos: Medina del Campo, foi a resposta.

Foi então que, de alguém que viajava duas carruagens adiante, ouvi, num tom arrastado, num registo de óbvio gozo, uma voz gritar: "Grilo! Ó Grilo!". Ao meu lado, um viajante, também sem sono, comentou: "Quem será este Grilo?". Eu sorri.

Não expliquei, talvez porque era uma longa história, que o passageiro aos berros era, com toda a certeza, um queiroziano de mérito. Numa noite ferroviária em Medina del Campo, repetir o chamamento do "Grilo" era, garantidamente, alguém a reproduzir a cena famosa de "A cidade e as serras", quando um desesperado Jacinto temia que o criado negro, que tinha a seu cargo as milhentas bagagens destinadas a confortabilizar Tormes, se viesse a perder na mudança de comboio. O que acabou por acontecer, com as 27 malas a irem parar a Alba de Tormes...

Lembrei-me deste episódio ao ouvir ontem, em toda a comunicação social, imensas notícias sobre um Grilo. Este Grillo tem dois "ll", é italiano e parece que vamos ouvir falar muito dele no futuro, para mal dos nossos pecados - para quem os tenha, claro.

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Sporting!!!

... de Braga.

Ainda a língua portuguesa

A nossa língua continua a ser tema recorrente de debate. E ainda bem. Ontem, intervim no I Congresso Internacional de Língua Portuguesa, uma oportuna iniciativa do Observatório da Língua Portuguesa, com participação de representantes de vários Estados em que o português se fala. 

Foi um interessante momento de discussão sobre o modo de promover o estatuto internacional da terceira língua europeia mais falada no mundo, a língua mais falada no hemisfério sul - para usar duas imagens utilizadas por Guilherme Oliveira Martins, que moderou o painel em que participei. Deixei várias "dicas" para o trabalho junto das organizações multilaterais, à luz da minha experiência.

A realidade é que, já hoje, "o crescimento económico fala português", como sugestivamente lembrou a minha companheira de debate, a professora Maria Isabel Tavares. Quando, durante a sua intervenção, mencionou 1973 como o ano em que o árabe ganhou o estatuto de língua oficial das Nações Unidas, não pude deixar de recordar que esse foi precisamente o tempo do "choque petrolífero", em que o mundo percebeu melhor a sua dependência face ao petróleo dos países do Golfo. É que a força institucional das línguas depende muito do poder económico dos países que as falam e as impõem.

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

UTAD

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) faz 25 anos da sua existência.

A UTAD é a universidade de Vila Real, a terra onde eu nasci. Fruto da feliz conjugação da iniciativa de entidades locais - e gostava de distinguir aqui, por elementar justiça, a figura do Engº Manuel Cardoso Simões - com um conjunto de personalidades que haviam tido já um percurso académico nas antigas colónias, a ideia de criar uma estrutura de ensino superior na capital transmontana conseguiu vingar no seu caminho e garantir um espaço de afirmação que, anos mais tarde, veio a consagrar-se na criação da atual universidade.

Muita água passou, entretanto, sob as pontes do rio Corgo. A UTAD evoluiu, transformou-se, cresceu e prestigiou-se, em especial em algumas áreas em que a sua massa crítica soube firmar-se com qualidade. A UTAD criou e agregou a si novos docentes, num conjunto muito alargado de valências especializadas. Dela saíram quadros técnicos de grande valia, hoje espalhados pelo país. Com universidades estrangeiras, a UTAD soube criar importante parcerias de cooperação. 

A UTAD não ficou imune às crises que a vida universitária portuguesa atravessa, elas próprias reflexo do que se passou na generalidade do país. A meu ver, a UTAD tem perdido algum tempo face à inevitável necessidade de vir a redimensionar-se à luz desse novo cenário. Essa perspetiva foi por mim claramente transmitida, tal como por muitas outras pessoas que aí desinteressadamente colaboraram, durante os anos em que chefiei o Conselho Geral da UTAD.

A cidade de Vila Real deve imenso à UTAD. Sou de opinião de que a cidade não soube até hoje criar - e interessa-me pouco saber quem terá a maior quota-parte de culpas - um laço adequado com a sua universidade. Uma coisa me parece evidente: a cidade de Vila Real não seria a mesma sem a UTAD.

Parabéns à UTAD e a quem hoje a compõe, uma casa onde deixei amigos e cujo futuro continuo a seguir com atenção.   

terça-feira, fevereiro 26, 2013

A Europa e o Mediterrâneo

Convidado pela Fundação Luso-Americana participei na manhã de hoje num interessante debate no âmbito do "Mediterranean Strategy Group", organizado pelo "The German Marshall Fund of United States". Coube-me falar no painel "The European crisis and Mediterranean Europe: Economic, social and political challenges", com um ministro grego e um editorialista do "El Pais".

O facto do debate ter sido feito sob a "Chatham House rule" impede-me de focar as posições em confronto com alguns outros integrantes do debate, em alguns casos mesmo no âmbito luso-português... Mas posso dizer que falei dos riscos da situação política, económica e social que se vive em Portugal, do precário estado atual da Europa bem como dos problemas da difícil compatibilidade entre a legitimidade democrática dentro dos países e as preocupações de eficácia dos responsáveis pela conjuntural ajuda externa.

É extremamente estimulante tomar nota de visões bem diversas, algumas do outro lado do Atlântico, sobre realidades relativamente às quais temos opiniões fundadas. É que, concordemos ou não com ele, esse outro olhar integra o cenário exterior com que inevitavelmente temos de nos confrontar.  

Buracos

Aqui há uns anos, recordo-me de ter sido divulgado um número de telefone que podia ser utilizado para chamar a atenção do município lisboeta para buracos que eventualmente aparecessem nas ruas da capital. Uma brigada especial tinha por missão, aparentemente, acorrer ao local e sanar as coisas, em poucas horas ou dias.

Perdi esse número. Alguém mo pode dar? É que, desde que regressei a Lisboa, já descobri alguns milhares de buracos e graves irregularidades nos pisos, com impactos negativos muito fortes nos pneus e suspensões dos carros, para reportar. Será que é apenas porque ninguém telefona?

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Procópio

A cerimónia de entrega podia não ter o "glamour" de Hollywood, mas o espaço à volta do fontenário em frente ao bar enchia-se de gente divertida, naquele único dia de mãos largas em que a "Sedonalice" nos dispensava (limitados) álcoois que fluiam de borla.

Eram os prémios Procópio, consagrados numa estatueta de metal desenhada pelo cartoonista António, a qual, anualmente, era atribuída a figuras da política, da música, das artes, do desporto, etc.

Num livro que foi publicado sobre o bar Procópio, escrevi uma "crónica dos anos 90", onde contei: "por essa época, eram distribuídos com regularidade, na festa estival, os famosos prémios Procópio, sob critérios de justiça que, pelo menos num caso, o autor destas linhas não tem razões para pôr em causa. Sabe-se hoje que malévolas reticências à democraticidade do júri que atribuía tais galardões eram completamente infundadas, dado que a Alice cuidava em seguir à risca um modelo há muito consagrado nas instituições do Burundi, recomendado por uma embaixadora que com ela toma chá."

Quais Óscares qual quê?! Vivam os "Procópios"! Então, Alice, que tal fazer renascê-los este ano, em contraciclo arrogante com a crise?

domingo, fevereiro 24, 2013

Regras de protocolo


Aparições

- Olha lá! Não será que estás a aparecer demasiado? Desde que regressaste de Paris, no fim de janeiro, já te vi um par de vezes na televisão, ouvi-te na rádio, saíste numa revista e no DN, hoje vens longamente no "Público", além de conferências feitas e outras já anunciadas. Não será demais?

- Talvez. Não sei... Limitei-me a aceitar convites que me fizeram. Não pedi rigorosamente nada a ninguém! Recusei mesmo outras coisas. Claro que podia ter dito que não àquilo que aceitei. Mas por que é que havia de fazê-lo? Julgo que é apenas o efeito "novidade". Daqui a dias, vais ver, começo a "desaparecer"...

Este foi um diálogo telefónico com um amigo, esta manhã. Há dias, um outro amigo mandou-me um SMS: "Há muita inveja. Não te exponhas demasiado. Lembro-me de um conselho que me deram: compra carro em segunda mão; nunca digas que vais viajar; usa roupa vulgar e, se possível, já gasta; oferece os presentes que te derem; mesmo que não precises, pede dinheiro emprestado."

Caramba! Terá que ser mesmo assim? Estranho país este...

sábado, fevereiro 23, 2013

Armas da crítica

Descontentes com as políticas que hoje afetam as Forças armadas, que sentem já não serem forças amadas pelos atuais poderes, militares de antigas hierarquias reuniram-se em jantares por onde perpassaram as suas aspirações corporativas.

Vão muito longe os tempos em que o tilintar dos sabres prenunciava borrasca político-militar, intentonas ou pronunciamentos que colocavam a vida quotidiana dos portugueses à mercê da conjugação sediciosa dos humores castrenses. Hoje, com a democracia, nas mãos dos militares apenas tilintam os talheres. Decididamente, invertendo Marx, os nossos militares optaram pelas armas da crítica em saudável detrimento da crítica pelas armas.

Contudo, talvez seja oportuno lembrar que o ambiente de liberdade que hoje vivemos se deve precisamente ao movimento protagonizado pelas nossas Forças Armadas, "coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos", como reza o preâmbulo da Constituição da nossa República. 

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

TVI

A TVI fez 20 anos. Parabéns. É um caso de sucesso televisivo. Goste-se ou não do modelo, há por ali muito profissionalismo.

Esta comemoração, porém, não deve fazer esquecer como tudo começou: a atribuição de uma televisão à igreja católica. Recordo bem como, por todo o país, grupos de fiéis, mobilizados pelas estruturas religiosas, juntaram economias para dar um écran à sua fé, criando uma espécie de Rádio Renascença a cores. Recolhas de fundos levaram alguns crentes fervorosos a venderem os ouros familiares e, em alguns casos, a endividarem-se. Depois, as coisas deram uma grande volta e acabaram assim.

Ínvios são os caminhos dos senhores da mídia.

Atraso?

Há certas pessoas que têm um conflito insanável com os relógios e para quem os horários são sempre referências apenas tendenciais. Várias teorias existem sobre o que estará subjacente à atitude dos endemicamente atrasados. Alguns chegaram a ministros dos Negócios Estrangeiros. Foi esse o caso de Vasco Futscher Pereira, uma das brilhantes figuras da nossa diplomacia.

Era muito difícil fazer "arrancar" o embaixador Futscher Pereira para qualquer compromisso. Como acontece com todos os atrasados, tinha sempre pretextos para ficar mais algum tempo. 

Um dia, Futscher Pereira tinha um encontro ao meio-dia num local que distava cerca de 20 minutos do seu escritório. Os seus colaboradores começaram a ficar preocupados, ao verem o embaixador envolver-se em outras tarefas, à medida que o tempo corria. A certo passo, um deles ousou dizer:

- Já está atrasado para a reunião...

- Essa agora!? Mas que horas são?

- Já são cinco para o meio-dia!

- Mas não me tinhas dito que a reunião era só ao meio-dia? Ainda faltam cinco minutos! Não estou atrasado... 

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Post impopular

Acho triste o contentamento que anda aí em certas hostes com o achincalhamento público e o boicote da palavra de um membro do governo. Em democracia, o direito à manifestação e até à indignação tem sempre de ser compatível com o respeito devido às figuras institucionais e, em particular, o respetivo direito à palavra. Por muito que alguns não gostem de certas autoridades da República, a verdade é que se trata de personalidades que assumiram os cargos que hoje ocupam com plena legitimidade. As formas públicas de expressar o legítimo descontentamento têm assim de ser compatíveis com o quadro de deveres que a democracia impõe. 

Sei que há quem não goste de ouvir isto embora desconfie que, se tocasse "aos seus", a posição dessas pessoas seria diversa.

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Medeiros Ferreira

Com inteligência culta, José Medeiros Ferreira deu ontem uma bela lição de história diplomática contemporânea, na conferência sobre o papel de Mário Soares como ministro dos Negócios Estrangeiros, que ontem proferiu nas Necessidades, a convite do Instituto Diplomático.

Tenho uma limitada esperança de que a totalidade dos auditores possa ter sabido apreciar, à exaustão, esta magnífica prestação e, em especial, algumas sofisticadas subtilezas que lhe estiveram subjacentes. Na sua forma e no seu conteúdo - de há muito aprendi que, com Medeiros Ferreira, as duas coisas são sempre inseparáveis -, esta revisitação dos primeiros tempos do Portugal pós-abril constituiu uma riquíssima interpretação desses tempos conturbados, do ponto de vista de alguém que, tendo sido ator político relevante nesse mesmo domínio, não foi apenas um observador neutral desse período. 

Tendo lido quase tudo o que sobre essa época se escreveu, creio nunca ter visto uma desconstrução tão fina e cuidada sobre a figura diplomática de Mário Soares no contexto da política de descolonização, tendo como cenário de fundo os conflitos, abertos ou subliminares, havidos com Spínola (e, depois, não só com ele) nesse contexto. Pela primeira vez, esta conferência ajudou-me a refletir sobre a evolução do papel político de Soares face à negociação dos processos independentistas. Interessantes também foram as notas sobre o posicionamento de Mário Soares perante a Europa e os EUA, bem como a revelação da (pouca) importância que atribuía às relações com a Rússia e a Europa de Leste.

Medeiros Ferreira só ligeiramente aflorou, para logo se afastar do tema, o tempo em que foi, ele próprio, ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro-ministro Mário Soares. A questão de Israel, que terá estado na origem da sua decisão de sair do cargo, veio à baila nesta conferência, num registo muito curioso, embora apenas para iniciados. Lembrei-me, na ocasião, de uma frase que ouvi Mário Soares dizer a Itzhak Rabin, em 1995: "Foi por causa de Israel que perdi um ministro dos Negócios Estrangeiros". 

Devo dizer que fiquei muito satisfeito por ter tido a oportunidade de ter estado presente nesta conferência e nela observar o meu amigo José Medeiros Ferreira na sua melhor forma. A qual comporta sempre a dimensão polémica que é a sua inigualável imagem de marca.

Estão convidados