terça-feira, setembro 13, 2011

Richard Hamilton (1922-2011)

Lágrima "pop" por Hamilton.

Ouvi bem?

Leio na imprensa, nesta madrugada, que o comissário europeu de nacionalidade alemã teria sugerido que as bandeiras dos países membros endividados fossem colocadas a meia-haste. 

Independentemente de outras razões bem ponderosas que justificariam que certos países mantivessem a sua bandeira a meia haste, pode presumir-se que a sugestão possa ter efeitos retroativos - isto é, que assim se recorde todos os países que, em 2003, violaram os limites do défice público previstos no "pacto de estabilidade e crescimento" e que, desta forma, iniciaram o processo de fragilização de todo o sistema.

segunda-feira, setembro 12, 2011

Memória

Era uma senhora de 67 anos. Fui-lhe apresentado no sábado à noite, na baixa Normandia.

Disse-lhe: "Lembro-me de si a passear de motocicleta, em Clermont-Ferrand".

"Mas eu nunca vivi em Clermont-Ferrand!", respondeu-me, amável.

"Pois não! Mas passeou por lá, de motocicleta. Ou não?"

Reação, alguns segundos depois: "Ah! no filme?!" e fez um largo sorriso: "Que simpático! Ainda se lembra?"

Era Marie-Christine Barrault, que tinha acabado de declamar uma bela seleção de textos, a ilustrar a peça musical "Carnaval des Animaux", de Saint-Saenz, num magnífico festival cultural, numa zona rural, perto de Alençon.

Em 1969, no seu primeiro filme, aos 25 anos, protagonizou uma cena inesquecível do cinema da "Nouvelle Vague" francesa, o "Ma nuit chez Maud". Depois disso, teve uma carreira muito diversa. Repetiu Rohmer, por exemplo, no delicioso "L'amour l'après-midi" (que inspirou a frase de um amigo meu: "mais vale à tarde do que nunca!"), fez o já histórico "Cousin, cousine", esteve no "Stardust Memories", de Woody Allen, e até em "Le soulier de satin", de Manoel de Oliveira.

Foi um prazer cruzar a memória com a vida, ainda que cinematograficamente virtual. E lá bebi, com Marie-Christine Barrault, uma cidra normanda, saudando esses tempos. 

Presenças

Colóquio, esta manhã, na prestigiosa e prestigiada École Nationale d'Administration (ENA), sobre o "triângulo de Weimar". Oradores anunciados, entre outros: Alexandre Kwasniewski, antigo presidente polaco; Hans-Dietrich Genscher, antigo MNE alemão; Tadeusz Mazowiecki, antigo PM polaco, Hubert Védrine, antigo MNE francês, Hanna Suchoka, antiga PM polaca. Nenhum destes oradores apareceu.

Onde é que eu já vi isto?

sábado, setembro 10, 2011

11 de setembro

Nestes que foram os dez anos passados sobre o 11 de setembro, e porque vivi então a data em Nova Iorque, quando aí era embaixador português junto da ONU, fui chamado a dar testemunhos em diversos jornais, rádios e televisões. 

Não procurei ser original, até porque há muito que sedimentei aquilo que penso sobre o que se passou nessa data e no que se lhe sucedeu.  

Correndo o risco de ser repetitivo, e para quem possa estar interessado, deixo "links" para três textos: aqui, ali e acolá. Hoje, escrevi no "Correio da Manhã" isto.

Mas é isto é o que eu gosto de recordar de Nova Iorque, com um abraço aos amigos que por lá deixei.

sexta-feira, setembro 09, 2011

Encontro

- Já não se lembra de mim?! Pudera! Com a vida que tem...

Era um homem pequeno, magro, de olhar penetrante, tenso, um sorriso que não era mais que um esgar. Tinha-se aproximado pela rua, aos zigzags, e agora, no passeio, travava-me o passo.

Costumo ter boa memória visual, mas, por mais que me esforçasse, não me recordava dele. Podia ser que com o fluir da conversa...

- É natural que já se tenha esquecido de mim. Passou já tanto tempo. Mas eu não esqueço aquelas palavras simpáticas que, há anos, me dirigiu, sobre o meu trabalho. Ficaram-me para sempre.

Que teria eu dito? Continuava mudo, encurralado no passeio estreito, com os carros à disparada, a impedir um início de retirada. O meu esquecimento seria da idade? É que continuava sem me lembrar de nada. O que já me incomodava.

- Pois eu, depois de ter por lá andado - bons tempos! -, tive uma vida muito complicada. Traições, sabe? Não se pode confiar em ninguém.

Onde é que teria sido o "lá" onde ambos nos tínhamos, ao que parece, encontrado? Sem nomes, relatou invejas que o tinham prejudicado, perseguições de que fora vítima, uma carreira profissional arruinada. Até a família! Tudo tinha corrido mal.  Estava no desemprego.

Por essa altura, eu tinha passado aquele limiar temporal em que já me não era possível, com decência, perguntar quem ele era, onde nos conhecêramos, o que realmente fazia ou fez. O discurso do homem, culto e rico na expressão, revelava-me alguém bem preparado, mas, igualmente, uma personalidade abalada, perturbada. Continuava a acreditar que, por uma qualquer referência que acabasse por surgir, ainda ia "agarrar" a origem da figura e ligá-la a uma circunstância que me fosse comum.

Informou-me que lhe aparecera uma oportunidade para dar aulas. Começava na semana seguinte. E, algo críptico, acrescentou:

- O problema vai ser aguentar até lá.

Crendo ter vislumbrado uma escapatória, peguei na palavra, porque até então não tivera espaço para qualquer deixa, e disse-lhe que, se essa oportunidade se abria, seria apenas uma questão de tempo até pôr a sua vida em ordem. E adiantei umas platitudes de sala de espera de médico, como "o mundo dá tantas voltas" ou "sabe-se lá o dia de amanhã" ou "vai ver que tudo acabará por correr bem".

Vi, com alívio, que o meu interlocutor concordava, assentindo com a cabeça.

- Tem toda a razão, disse. Mas há-de concordar que é dificil, como no meu caso, estar sem comer quase há 24 horas. Mas vou aguentar! Não se preocupe...

Aí, fraquejei. Levei a mão à carteira e preparava-me para tirar uma nota, quando ele reagiu:

- Não, não! Nem pense nisso! Não junte uma humilhação mais àquelas por que tenho passado. Nunca perdoaria que o meu amigo ficasse com uma má impressão de mim. Posso ter fome, mas tenho a minha dignidade e, em especial, quero conservar a minha imagem. Como lhe disse, nunca esqueci as suas palavras. Basta-me isso! Eu cá aguentarei...

A cena invertera-se. Ele estóico, eu a pedir-lhe que aceitasse, dada a situação em que estava, uma simples nota para aconchegar o estómago. Não tinha nada a ver com humilhação ou dignidade, disse-lhe. Eu tinha muito gosto...

A relutância do homem começou a esbater-se. Condescendente, lá cedeu:

- Bom, se o meu amigo quer mesmo fazer-me esse favor, eu posso aceitar. Mas com uma condição! Isso é imperativo! Sem ela, não aceito! O meu amigo vai dar-me o seu endereço, para eu lhe enviar, logo que receber o primeiro salário da escola, aquilo que agora faz o favor de adiantar-me. Tenha paciência! Isso não dispenso! Nem eu aceito esmolas nem o meu amigo, pessoa que muito admiro, alguma vez seria tentado a dar-mas. Eu conheço-o!

Concordei, claro, "flattered" e aliviado com afastamento da suspeita de que eu pudesse ousar dar-lhe uma esmola. E lá lhe avancei alguns euros, acompanhados de um cartão pessoal. Sei lá porquê, senti-me aliviado. Parecia que o homem me acabara de fazer um favor. Na verdade, eu estava grato por ter recuperado a minha "liberdade", saído daquela conversa tão intensa. E lá se foi ele, rua abaixo.

Já passaram alguns meses, nunca mais tive notícias, claro. Quem seria o homem? Teria ele a menor ideia de quem eu era, antes de ter visto o meu nome no cartão?

quinta-feira, setembro 08, 2011

Apaches

É muito simpático ler, num novo blogue onde preponderam profissionais da palavra escrita, coisas simpáticas sobre este nosso espaço.

Muito obrigado ao "Forte Apache", nestes seus primeiros dias, com sinceros votos de bom trabalho na blogosfera. Nestes tempos que o bom senso aconselha a que sejam "de bonne guerre", é de esperar que possam contar com Cochise... 

Táticas

Já estou a imaginar o preço que vou pagar por este post! Mas vou arriscar.

Hoje, numa conversa, e a propósito de um filme, veio à baila a relação entre o futebol e as mulheres. E surgiu a ideia que pode haver uma clara homologia entre táticas que lhes respeitem. 

(Advirto que só deve continuar a ler este post quem saiba alguma coisa de futebol e de mulheres. Ou, para ser menos ambicioso, quem saiba alguma coisa de futebol).

No futebol, há algumas equipas que têm como típica caraterística deixarem a posse de bola ao adversário. Para os observadores menos avisados, em especial para quantos olham para as estatísticas que a televisão revela em termos quantitativos, uma equipa que demonstre elevada percentagem de posse de bola - isto é, do tempo em que a bola se mantém nos pés dos seus jogadores - revela um domínio efetivo sobre a outra equipa e, em princípio, tem mais oportunidades para ganhar o jogo. Ora a experiência mostra que, muitas vezes, o tempo de posse de bola acaba por ser um indicador bastante enganoso: não raramente, que anda muito tempo com a bola nos pés, dando ideia de dominar completamente o jogo, acaba por ser derrotado. Porquê? Porque há uma tática futebolistica que consiste em dar oportunidade à outra equipa de ter a ilusória ideia de que controla o jogo, "entragando-lhe" a gestão da partida, quando, na realidade, continua a deter os "cordelinhos" essenciais da mesma.

Mas que diabo tem isto a ver com as mulheres? Tudo. Conheço casais em que o marido parece conceder todo o espaço à sua cara-metade, em que esta gere a coreografia social de afirmação exterior do casal, num aparente desequilíbrio, que, às vezes, chega a ter laivos de algum masoquismo. Porém, uma análise mais fina e em "séries" de observação mais longas dá conta de que quem verdadeiramente controla o casal acaba por ser o homem, o qual, apagado numa aparente modéstia, e sujeito até a um "downgrading" público ostensivo, acaba, na realidade, por ser o decisivo "mastermind" da equação matrimonial. Tenho exemplos de alguns casais que funcionam neste registo e, diga-se, tenho a sensação que os homens que o assumem acabam até por se sentirem muito felizes.

Tinha eu contado isto a uma pessoa, pensando ter "descoberto a pólvora", quando ela me adianta: e o contrário? E quando são os homens quem julga controlar o jogo? Fiquei perplexo. Vou rever esta tese "tática"...

quarta-feira, setembro 07, 2011

Jornalismo televisivo

Hoje, durante a hora de almoço, "zappei" entre os telejornais da RTP e da SIC. Em cerca de 45 minutos deste exercício, apenas as palavras de Lula da Silva deixaram um leve registo de otimismo. Os telejornais portugueses, antes de chegar a sua hora gloriosa do desporto, são construídos em torno de uma agenda quase exclusivamente negativa, seja no plano nacional, seja no quadro internacional. Às vezes, a medo e a contra-ciclo, lá surge uma nota sobre uma iniciativa pontual positiva, quase sempre como contraponto a uma circunstância negativa.

É verdade que há cortes orçamentais, que os preços sobem, que há mais desemprego, que há empresas a encerrar, escolas e hospitais com problemas, ameaças de greve, incêndios, desastres nas estradas. E que, no estrangeiro, há bolsas a cair, bombas a explodir, guerras, inundações, cataclismos e outras maleitas, feitas pelo destino ou pelos homens. Mas não haverá, de facto, mais nada? 

Por que será que, quando observo telejornais da França, da Espanha, do Reino Unido ou dos Estados Unidos, onde também há crise, nunca encontro nada que se pareça com este obsessivo tropismo para a tragédia, para apenas sublinhar o que corre mal, para a criteriosa escolha, como comentadores, de aves agoirentas que apenas prenunciam dias piores? Num tempo em que as coisas são difíceis para os portugueses, não seria importante - eu sei que não se usa, mas arrisco: e patriótico - que a comunicação social ajudasse a "puxar" pela nossa auto-estima, por aquilo que corre bem, pelos efeitos positivos que se esperam dos esforços coletivos que estão a ser feitos, pelas empresas que estão a tentar firmar-se no mercado internacional, pelos saltos na investigação científica, pelo muito que tantos estão a fazer para que o país ande para a frente? Ou será que existe uma censura, nas redações televisivas, para evitar publicitar as coisas positivas?

Como embaixador de Portugal, confesso a minha revolta pela imagem que as televisões portuguesas, na tabloidização medíocre em que caiu grande parte da sua informação, transmite do nosso país às nossas comunidades pelo mundo. 

Agora volto a perceber melhor aquilo que um dia, ouvi a uma criança, filha de portugueses residentes na Suíça, a quem perguntavam o que gostava mais de ver na TV:  "os desastres". Com um jornalismo televisivo deste quilate, estamos a criar uma cultura geracional de depressão.

terça-feira, setembro 06, 2011

O Arnaldinho

Tínhamos convidado aquele jovem casal brasileiro para jantar, em nossa casa, em Oslo, nesse início dos anos 80. Ele era um diplomata que, numa situação transitória, viera fazer uma "encarregatura de negócios" - isto é, substituir o embaixador - à Noruega, por alguns meses. A mulher e filho haviam-se-lhe juntado, por algumas semanas. Perguntaram se podiam trazer a criança, porque não tinham com quem a deixar. Dissémos que sim, naturalmente.

Eram pessoas muito simpáticas mas, desde o primeiro segundo, percebeu-se que a criança, o Arnaldinho, aí com uns três anos, era uma figura incontrolada na família. Logo após a chegada, desapareceu sozinho pela casa, sob o olhar benevolente dos pais, entrando e saindo, numa infernal correria, de todas as dependências. Na sala, preocupado com os efeitos dessa peregrinação turbulenta por um apartamento não preparado para agitação infantil, ousei perguntar se não seria melhor mantermos o Arnaldinho por ali. Temi - e, mais tarde vim a verificar, com razão - por um puzzle de milhares de peças com que entretinha parte das noites longas, no meu escritório. A custo, percebendo a minha preocupação, o pai lá se decidiu a ir procurar o Arnaldinho. Que chegou, puxado pelo braço, para se sentar junto de nós.

Alguns bibelots que estavam sobre a mesa da sala concitaram, segundos depois, a atenção do Arnaldinho, que se pôs a brincar com umas delicadas peças de cristal. Os pais, esses, sorridentes, mantinham uma serenidade total. A certa altura, não me contive:

- Arnaldinho, não mexa nessas peças, por favor.

A mãe do Arnaldinho lançou-me um olhar onde se lia alguma leve reprovação pelo meu comentário repressivo, aparentemente por estar a limitar a liberdade da criança, que, por acaso, nada tinha partido. Ainda. O pai foi um pouco mais sensível e repercutiu, docemente, o meu alerta:

- Você não toca nessas coisas, querido.

Encolhido num canto do sofá, os olhos do Arnaldinho estudavam opções ofensivas. E logo brilharam ao ver uma taça com cerca de uma dúzia de ovos pintados à mão, uma compra feita, meses antes, em Praga. Eu, nervoso e distraído da conversa, seguia o Arnaldinho pelo canto do olho. A sua mão sapuda avançou então para um desses ovos, agarrou-o, olhou-o e esmagou-o sobre o tampo da mesa, espalhando a casca pintada.

Fiquei furibundo por dentro. Não eram peças muito valiosas, mas eram objetos de artesanato que, meses antes, havíamos trazido bem acondicionados, de carro, durante milhares de quilómetros. Vê-las desaparecer por uma destruição gratuita excedia a minha paciência. O pai do Arnaldinho teve então a reação máxima que, aparentemente, o estatuto da sua autoridade sobre a criança permitia:

- Arnaldinho, não faz isso! Então partiu o ovo!? Não vai partir outro, não?

O Arnaldinho tomou o remoque como um incentivo e a pergunta como um desafio. E, claro, avançou, não para um mas para dois outros ovos, que tiveram idêntico destino.

A mãe, "cool", sorriu. O pai "reagiu":

- Arnaldinho! Arnaldinho! Não parte mais nenhum ovo, está bem? Senão papai zanga-se!

Se ia partir, não partiu. Voei para o Arnaldinho, icei-o pelos braços para o canto oposto do sofá e, num silêncio pesado que por segundos se fez na sala, coloquei a taça de ovos e todos os bibelots que pressenti pudessem ser alvo da sua ação destruidora na prateleira mais alta de um móvel que estava em frente. As mesas ficaram tristemente desertas de decoração. O Arnaldinho ficou especado, sem "targets". E os nossos convidados, surpreendidos pelo meu afirmativo "preemptive strike", ficaram, em absoluto, sem graça.

- Então?! E o que bebem?, perguntei, já com pena dos copos. 

E, nem sei como, lá se passou mais um jantar... diplomático. Por onde andará o Arnaldinho? Hoje, dia nacional do Brasil, lembrei-me dele.

Livros efémeros

É muito significativa a lista de livros, subscritos por figuras da cena política francesa, que surgem nesta "rentrée". A aproximação das eleições presidenciais, bem como o cumprimento de um ritual que aqui, historicamente, como que "obriga" algumas personalidades, em especial na oposição, a revelarem as suas ideias de forma encadernada, conduz a esta abundância de publicações. Quase sempre, trata-se de obras de natureza conjuntural, que raramente ultrapassam as 200 páginas a letra larga. Cumprida a sua função de intervenção política imediata, estes trabalhos desatualizam-se semanas depois e, com certa rapidez, logo desaparecem dos escaparates.

Os analistas da coisa política dão, quase sempre, escassa importância a este tipo de obras, tidas como meros instrumentos de propaganda. Outros, porém, cuidam em tentar perceber se os textos são ou não redigidos pelos titulares do livros, sabendo que muitos não têm propensão para a escrita ou sequer tempo para tal. Mas o iniludível estilo e conhecida capacidade de escrita de alguns dos autores também faz destacar quem assina o que verdadeiramente escreve e não usa "nègres" (como aqui se diz) para essa tarefa. Por mim, devo dizer que, desde há muito, já aprendi a distinguir o trigo do... outro trigo.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Europa financeira

Tive hoje o ensejo de ouvir falar o atual e o futuro presidentes do Banco central europeu, respetivamente Jean-Claude Trichet e Mario Draghi. Confirmei uma vez mais a perceção, que desde há vários anos tenho vindo a criar, de que existe hoje uma espécie de "template" ideológico em matéria financeira, que marca a quase generalidade das personalidades com responsabilidades europeias no setor. 

O que me parece haver de flagrantemente novo nessa cultura comum, dentro da qual subsistem algumas sensibilidades pontuais derivadas da origem nacional das figuras, é o facto de, nestes tempos mais recentes, se ter fixado uma muito alargada comunhão na ideia de que se torna imperativo um salto político federal europeu para a sustentação do espaço monetário do euro.

Quem havia de dizer que seria a Europa financeira a "puxar" pela Europa política!

domingo, setembro 04, 2011

Festas

A "Festa do Avante", que teve lugar este fim de semana em Lisboa, segue o modelo da francesa "Fête de l'Humanité" (criada em 1930), que também inspirou a italiana "Festa dell'Unità" (criada em 1945 e que durou até 1991). Originalmente destinadas a coletar dinheiro para os jornais oficiais dos respetivos partidos comunistas, acabam hoje por ser importantes fontes de financiamento partidário.

As festas portuguesa e francesa são considerados dos maiores eventos do género em toda a Europa. A sua assistência foi sempre muito para além das pessoas ligadas às forças políticas que pretendem apoiar, tendo hoje uma forte população jovem. Em ambos os países, os espetáculos musicais que apresentam, bem como algumas outras iniciativas culturais, atraem uma público heterogéneo. Para além, convém não esquecer, das tasquinhas e lojas regionais, onde se come muito bem e se encontram excelentes produtos. Quem para aí estiver virado, até pode ouvir falar de política...

Estive numa "Fête de l'Huma" (como aqui se designa), em 1980, numa passagem por Paris. Recordo ter por lá comprado um excelente presunto de Auvergne, que levei para a Noruega, onde então vivia, bem como a primeira edição brasileira, hoje rara, de "A Questão Agrária em Portugal", um livro de Álvaro Cunhal, de 1968.

Em Portugal, fui à primeira Festa do Avante, realizada na FIL, em 1976. Creio que em 1978, voltei à festa, então no Jamor. E, em 1986, recordo-me de ter estado numa edição na Ajuda. Nunca fui ao local onde a festa hoje tem lugar, na Atalaia.

Achei sempre muito interessante passear por essas festas comunistas, que são retratos sociológicos impressivos de um mundo muito especial, feito de histórias, de lutas, de mitos, de ilusões e de realidades muito duras. Não me recordo de, em alguma das visitas, ter assistido a nenhum comício político. No caso português, sempre aproveitei as ocasiões para equipar a minha (agora) imbatível coleção de discos de música portuguesa de inspiração política, dos "anos da brasa" de 1974/75, bem como para obter alguns livros em falta. E, também sempre, para me encher de poeira e cansaço, o que me não entusiasma a repetir a experiência no futuro.

Da festa no Jamor, quando a Revolução portuguesa estava ainda "fresca", tenho na memória uma cena passada no stand transmontano onde, naturalmente, fiz questão de ir jantar. Estava eu por lá entretido a degustar uma alheira com um razoável tinto da região quando vi aproximar-se um velho colega de escola primária, de Vila Real, que eu sabia "responsável" do PCP local. Mostrando-se um pouco surpreendido com a minha presença, e suspeitando-me - e bem! - como simples "turista político", fez-me a seguinte, mas algo sofisticada, pergunta: "Vieste cá por vir ou vieste porque devias vir?". Saiu-me esta resposta: "Olha! Eu vim porque me apeteceu. E tu?". Não me recordo se me respondeu. Com as voltas que o mundo comunista entretanto deu, tenho a impressão que ele já por lá não andou este ano.

sábado, setembro 03, 2011

Notas de fim de semana

1. É muito bem escrita, como sempre, a crónica de ontem de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias". Esta é sobre o estilo de discurso do professor Vitor Gaspar, o novo ministro das Finanças. Já conhecia o tempo e modo desse estilo quando, há já bastantes anos, fiz com ele parte de um júri, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que a mim mais me impressiona, na forma da sua expressão, que agora é algo de verdadeiramente inédito na política portuguesa, é o ritmo desarmante que sustenta, impávido, perante os estímulos provocatórios dos interlocutores. 

2. Sei que vai chocar algumas pessoas que se diga isto. Mas a revolução líbia só ficará consagrada, na plenitude das suas credenciais de tolerância, no dia em que puder haver rádios, jornais e partidos políticos que critiquem abertamente, sem sentirem o medo de quaisquer represálias, as novas autoridades, ainda que transitórias, que vierem a assumir o poder em Tripoli. E isto, claro, antes de quaisquer eleições.

3. Recomendo vivamente o texto (não tem link livre) de Pedro Mexia, no "Expresso" de ontem, intitulado "Os Alfonsos Guerras". E, mais ainda, recomendo o já antigo livro de Jorge Semprún, que serve de pretexto à crónica - "Frederico Sanchez vous salue bien" -, no qual ele conta a sua experiência de homem do mundo da cultura inserido na política. Só não o recomendo a Francisco José Viegas porque sei que ele já leu tudo.

4. É excelente a notícia de que os trabalhos fotográficos de Gérard Castello-Lopes, de cerca de meio século de atividade, vão ser apresentados no novo Centro Cultural Gulbenkian, em Paris, em abril de 2012. A partir de última semana de outubro, a Gulbenkian de Paris abandonará as instalações da avenue d'Iéna e passará a estar aberta num prédio no boulevard de La Tour-Maubourg.

sexta-feira, setembro 02, 2011

O regresso de Monsieur Morisi




Num café de Montreuil, nos arredores de Paris, a surpresa foi imensa, nesses últimos dias de abril de 1974. As imagens que a televisão trazia da "révolution des oeillets", que, à época, marcava a atualidade portuguesa em França, mostravam a chegada triunfal ao aeroporto de Lisboa de um homem de cabelos brancos, gabardine parda, olhar firme e determinado:

- "Mais c'est Monsieur Morisi!", exclamaram, surpreendidos, alguns clientes.

Era Álvaro Cunhal, o líder histórico dos comunistas portugueses, que tinha vivido clandestinamente em Montreuil nos últimos anos antes do 25 de abril, quando muitos achavam que essa figura mítica se encontrava em Moscovo ou em Praga. Para a vizinhança, ele era apenas o discreto "M. Morisi", como ontem me contou o deputado Jean-Pierre Brard, que foi "maire" da localidade e que, como militante comunista, conheceu pessoalmente Cunhal. 

Está ainda por fazer, de forma organizada e não sectária, a história do papel desempenhado pela França como terra de acolhimento dos exilados portugueses durante a ditadura. Neste tempo de "Festa do Avante", que tanto diz aos militantes comunistas portugueses, aqui fica esta pequena nota, dos tempos de um certo "M. Morisi". 

quinta-feira, setembro 01, 2011

Na hora da Líbia

Em 1 de Setembro de 1969, um grupo de militares chefiados por Mouammar Kadafhi tomava o poder na Líbia. 

Em 1 de Setembro de 2011, a comunidade internacional acolheu, em Paris, os novos dirigentes líbios, numa Conferência onde ecoaram todas as boas vontades para ajudar o novo regime a consagrar um futuro de paz e democracia para o seu povo.  

Portugal, que chefia nas Nações Unidas o "comité de sanções" que ajudou a isolar o regime de Kadafhi e que, no respetivo Conselho de Segurança, deu o seu apoio à resolução 1973, esteve presente nesta Conferência através do chefe do seu governo e do chefe da sua diplomacia. Somos um país com uma ativa política mediterrânica, com uma forte presença económica na Líbia desde há várias décadas e pensamos que a continuidade empenhada nesses laços bilaterais é a melhor forma de, à nossa maneira, contribuirmos para o regresso à normalidade do país.

A nova revolução líbia está praticamente concluída. Agora, é preciso reconstruir o Estado, num país onde o peso tribal e as tensões históricas entre a Tripolitânia e a Cirenaica colocam algumas interrogações. A Líbia não tem grande população, tem uma relativa homogeneidade étnica e religiosa, dispõe de quadros técnicos preparados e, o que é fundamental para ancorar qualquer processo de desenvolvimento, possui importantes recursos naturais. É decisivo que, sobre as feridas de uma guerra que foi muito violenta, se afirme rapidamente uma vontade de reconciliação e de pacificação interna, sob a égide dos novos dirigentes. Recorde-se que a mobilização da comunidade internacional foi feita com o único objetivo de criar condições para uma Líbia democrática e tolerante.

O rápido termo da violência no país, assente num processo intenso de desarmamento e desmobilização dos combatentes, é a chave para o sucesso da nova Líbia. A Europa, que esteve no centro da ação militar que muito contribuiu para a vitória dos rebeldes líbios, não pode dar-se ao luxo de assistir a que um novo ciclo de violência e morte se suceda a esta aplaudida revolução. A Líbia não deve converter-se no Iraque da Europa.

Blogue da Embaixada

Desde Dezembro de 2010, o Blogue da Embaixada tem estado sem atualização, devido a diversas circunstâncias ligadas a limitações funcionais internas.

Algumas pessoas chamaram-nos, entretanto, a atenção para o interesse que esse blogue tinha para o seu trabalho ou para a sua informação pessoal, ao permitir acompanhar a agenda da Embaixada e dos seus serviços, em especial na área cultural e económica.

Assim, e não obstante a Embaixada viver com algumas limitações acrescidas em matéria de recursos humanos, o blogue retomará, a partir de hoje, a sua atividade, sob a forma de muito curtas notas de atualidade.

quarta-feira, agosto 31, 2011

Artistas

A enquadrar aquele museu num certo país europeu, situado fora da área urbana, havia um magnífico espaço verde. Sobre ele, espalhavam-se vários objetos artísticos, da mais diversa natureza. O museu, por essa altura, albergava, para além da sua coleção permanente, uma muito rara exposição de um conhecido pintor clássico.

Eu e um outro colega havíamos convencido uma personalidade com quem viajávamos da importância de não perdermos a oportunidade de ver reunido o essencial da obra desse grande artista da segunda metade do século XIX. Louvando embora a ideia do "détour" que fazíamos, de carro, para visitar a exposição, a figura em causa tinha-nos explicado, ao longo do trejeto, que era muito mais dada à apreciação da arte contemporânea, aos novos modelos criativos, das instalações aos trabalhos em vídeo. Às nossas dúvidas e à confissão da dificuldade de, por vezes, sermos sensíveis a algumas dessas ousadas expressões artísticas, essa pessoa contrapunha o seu pensamento cheio de contemporaneidade, com um intenso e esmagante "name-dropping" de criadores. Ao ouvi-la, verificámos que estávamos perante assinalável especialista.

E caminhavamos já para o museu, idos do parque de estacionamento, comentando à distância uma óbvia escultura de Moore, quando eu fiz notar:

- Conhecem os trabalhos de Rooney Kindley? É uma canadiano que está a ter imenso sucesso. É pouco conhecido na Europa, embora já tenha coisas no MoMa. Aquela peça, ali adiante, parece-me dele, disse eu apontando para um modelo de contentor pintado num forte azul, pousado sobre uma plataforma.

- Nunca tinha ouvido falar nele, disse a nossa personalidade. Nas vanguardas alemãs, que conheço melhor, há muito quem se dedique à criação deste género de objetos, como reproduções criativas de elementos extraídos do quotidiano, trabalhando-os na cor e nas vertentes de espaço. Este, aliás, parece-me bastante interessante, pela ligação do equilíbrio volumétrico e dos tons impositivos, que, no seu conjunto, provocam um contraste curioso com a paisagem. Por isso, necessitam, como aqui se consegue, de ter um cenário bastante aberto para a obra poder "respirar", permitindo distâncias para múltiplos ângulos de visualização. Como é que você disse que se chama o artista?

Fiz um sorriso irónico e esclareci:

- Esqueça! É apenas um contentor. Inventei o resto...

terça-feira, agosto 30, 2011

Geografias

Na passada semana, o "Libération" trazia um longo artigo sob o título "Angola, quartier d'esclaves", com fotografias antigas, a preto e branco. Preparava-me para ler mais uma catilinária sobre a política colonial portuguesa quando, pelo texto do que veio a revelar-se um interessante artigo, fiquei informado de que, no fim do século XIX, terá sido criada, no Estado americano da Louisiana, aquela que foi considerada, por muitas décadas, "a pior prisão da América". Teve o nome de "Angola" por ser esse o nome que o anterior proprietário do terreno teria dado ao local, pelo facto dos escravos que aí tinha serem provenientes daquela antiga colónia portuguesa (o que, historicamente, parece um pouco estranho, convenhamos). "Angola" foi uma pentenciária bárbara, onde morreram violentamente muitos condenados, sujeitos a incontáveis violências. E por lá havia um cadeira elétrica. Dois jornalistas, nos anos 30, revelaram que, à época, aquele era "o lugar do mundo que mais se aproximava da escravatura". A prisão "Angola" ainda existe, nos dias de hoje, embora com outras condições.

Num registo bem mais pacato, mas que também se liga a nós, não quero deixar de assinalar que, num interessante livro, acabado de sair, que compila documentos essenciais para a compreensão da relação franco-alemã na altura da reunificação ("La diplomatie française face à l'unification allemande"), vim ontem a deparar com o curioso nome do principal especialista em assuntos alemães do Comité Central do então quase moribundo PCUS. Chamava-se Portugalov. Fui tentar perceber de onde poderia o homem ter tirado o nome. Uma fonte aponta para os Portugalov serem descendentes de judeus expulsos de Portugal no final do século  XV. Esta explicação pode ser lida aqui.

A imagem que ilustra este post, para muito leitores, provavelmente nada terá a ver com ele. O que, se calhar, é verdade. É apenas uma fotografia feita, há dias, em Lisboa (onde?), por uma amiga. E como gosto delas (da amiga e da fotografia) decidi publicá-la. Liberalidades a que se pode dar quem gere um blogue sem agenda...

Notícia

A agência de notação "Fitch" acaba de divulgar uma análise da zona euro na qual conclui que Portugal deve ter condições para evitar uma reestruturação da sua dívida.

Seria longo estar a elaborar sobre isto, mas alguns anos de vida internacional ensinaram-me que, se há algo de verdadeiramente decisivo no saldo final do imenso esforço financeiro que Portugal está a fazer, essa é a possibilidade de escapar a uma reestruturação da sua dívida. Assim outros não criem condições negativas externas que nos obriguem a enveredar por esse caminho.

Por isso, esta notícia da "Fitch", a confirmar-se, como se espera, já é uma das melhores do ano de 2011.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Clubes

Há dias, um comentador cuja identidade deteto pelo estilo, recordava, por aqui, a famosa, e deliciosa, frase de Grouxo Marx: "Eu nunca aceitaria entrar para um clube que me aceitasse como sócio".

Não sou muito dado a fazer parte de clubes. Em Londres, fui sazonalmente membro do "Travellers" (não tinha a exclusividade do "White's" ou do "Brooks's", mas era menos "fácil" o que o "RAC"), um "gentlemen's club" em que se almoçava a bom preço e onde, regressado de "diligências" no Foreign Office, se ia por um chá com scones, na sala da foto, ao final da tarde, servido pela loura Miss Melanie, que já sabia de cor os meus gostos. Aqui em Paris, tenho resistido, com denodo, a insistentes convites para fazer parte de algumas dessas estimáveis agremiações, quase sempre com espaços bem agradáveis, mas onde sei, de certeza plena, que raramente por lá poria os pés, por óbvia falta de tempo.

Por muitos anos, em Lisboa, recusei a ideia de entrar para qualquer clube. Sempre achei bem simpático o "Grémio Literário" mas, de há muito, tinha concluído que não tinha vida para o frequentar com assiduidade e que, para almoçar, me agradava itinerar por restaurantes.

Porém, há já bastantes anos, deu-me para aceitar a sugestão, feita por colegas da "carreira", que se ofereciam para me proporem para membro de um certo clube. Era um cenáculo de cariz conservador, num lugar central, sem grandes luxos, onde se podia ler a imprensa, almoçar e conversar serenamente com amigos. Achei graça à ideia, embora eu sempre duvidasse da possibilidade de vir aproveitar muito essas amenidades. Mas, atentas outras razões que não interessa aqui registar, decidi fazer uma derrogação à minha obstinação. Disse que sim e fiquei à espera.

Os anos foram passando e nunca mais tinha notícias da admissão no tal clube. Como vivia no estrangeiro, isso era-me indiferente. Mas, confesso, já andava curioso em conhecer as razões por detrás desse facto. Ter-se-iam esquecido? Foi então que alguém, discretamente, me revelou que era sabido que o meu nome era regularmente vetado, em reuniões de direção, por uma determinada figura. Ao que se dizia, por motivações políticas. Achei imensa graça.

Até que um dia, bem mais de uma década depois, aleluia!, recebi uma carta a anunciar a minha admissão. Foi então que tive a tentação de usar, em resposta ao convite, a supracitada frase. Mas contive-me nessa minha reação "marxista". E lá entrei, com imenso gosto, para sócio dessa interessante e estimável instituição, por muitos anos alimentada pela nomenclatura do Estado Novo. Pelos vistos, mesmo muito depois dele ter acabado... E por lá passo, às vezes, embora não tantas como gostaria.

Em tempo: Originalmente, esta era a exigência para fazer parte do "Travellers": "no person be considered eligible to the Travellers' Club who shall not have travelled out of the British islands to a distance of at least 500 miles from London in a direct line". Quanto ao RAC, não resisto a transcrever o que alguém escreveu:"it has a reputation for being less class-conscious than many of the other clubs". 

Este blogue

Esperava não ter de escrever o que se segue.

Tenho vindo a verificar, nos últimos tempos, que alguns comentários que são enviados para posts deste blogue (alguns dos quais não foram publicados, outros que publiquei) tendem a resvalar para o terreno de uma polémica menos salutar, com o aparecimento de picardias pessoais entre os comentadores, algumas vezes sob a capa de confrontação de estilos ou personalidades, outras em polarizações ideológicas, às vezes em poses doutorais, noutras com "criatividades" inadequadas.

Sei que essa é a cultura de certa blogosfera portuguesa mas, como dizia Régio, eu "não vou por aí". Este blogue quer-se uma ilha de serenidade, onde se pretende que a atualidade, as ideias ou a memória sejam tratadas sempre de uma forma bem disposta, positiva e otimista, tentando fazê-lo com bom senso e procurando sempre o bom gosto, com humor e ironia qb, sem ofender nem magoar ninguém, igualmente sem objetivos proselitistas ou agendas escondidas. Quem por aqui quiser continuar a passar, respeitando esse registo, será sempre muito bem vindo. 

Por isso, e em particular a partir de agora, os que entenderem ir por esses outros caminhos não se devem admirar de não verem publicados os seus comentários.

Regresso

Este é um tempo de regresso, em que muitos portugueses, nomeadamente os residentes em França, voltam das suas férias. Para aqueles que escolhem a estrada, esperamos que, ao contrário de outros anos, a prudência e uma condução sábia evitem a ocorrência de acidentes, tanto mais que o clima não tem ajudado muito.

É justo, nesta ocasião, sublinhar a realização, uma vez mais, pela associação de jovens luso-descendentes "Cap Magellan", de um programa de prevenção rodoviária, que teve como objetivo alertar os portugueses que se deslocaram ao país para as medidas de precaução que devem ser tomadas nas viagens. 

A organização, liderada pelo eleito de Paris Hermano Sanches Ruivo, edita também, com regularidade, a excelente revista "Cap Mag". Aqui fica a capa do seu último número.

domingo, agosto 28, 2011

LinkedIn

Convenceram-me a fazer parte da rede profissional LinkedIn. Logo a mim, que não uso o Twitter nem ando (pelo menos por vontade própria) pelo Facebook...

Tudo bem! Mas acho que só devo aceitar fazer parte da "rede" de quem, efetivamente, eu conheça bem pessoalmente, por muito respeito que me mereçam as restantes pessoas que pedem a minha adesão. É esse o critério que vou seguir, a partir de agora. OK? Não levam a mal?

Ricos

Um pouco por todo o lado, a crise fez renascer a questão da tributação dos "ricos". Em França, o governo, desde há uns meses, decidiu acabar com o chamado "bouclier fiscal", uma medida introduzida no início do mandato do presidente Sarkozy, que previa que ninguém podia pagar em impostos mais de 50% do seu rendimento, com vista a tentar fixar as fortunas no país. Agora, no quadro de um pacote de austeridade, foi criado um novo imposto, com prazo de aplicação limitado, para os grandes rendimentos. Ou é impressão minha ou a medida acaba por ter mais de simbólico - num momento em que às classes médias é pedido um esforço acrescido - do que de rentável para os cofres públicos.

No nosso país, vejo que o debate também está aberto. Modestamente, como cidadão comum que sabe tanto disto "como de um lagar de azeite", e com a maior sinceridade, interrogo-me sobre o que, a prazo, traria mais vantagens para o erário: procurar tributar de forma acentuada os rendimentos desses mais afortunados ou, em alternativa, garantir-lhes exonerações fiscais por cada posto de trabalho permanente que, através de investimentos feitos (sem a menor comparticipação do Estado, nem qualquer ajuda comunitária), eles conseguissem criar? Os ricos que paguem a crise? Claro, criando empregos. Como alguém dizia: "é fazer as contas..."

Chegadas e partidas

Fala-se já por aí da data de chegada a Portugal dos novos iPhone e iPad.

Em matéria de curiosidade quanto a datas, eu sou bem mais modesto: só gostava de saber quando é que o FMI sai de Portugal.

Essa é a única data que, nos dias que correm, é importante para todos nós. E que depende, essencialmente, de nós mesmos.

sábado, agosto 27, 2011

Padre David

Há dias, num telejornal noturno, foi entrevistada uma certa figura. E logo me veio à memória uma história passada com ela.

Algures nos anos 80, eu havia sido encarregado, em funções que então desempenhava, de receber essa pessoa. Vinha, muito bem recomendada, colocar-me um problema "sério". Ele e outros empresários tinham iniciado a construção de um lar para estudantes oriundos de certos países estangeiros, os quais, por perderem frequentemente as bolsas de estudo oficiais, por falta de aproveitamento, necessitavam de garantir alojamento para prolongarem a sua estada no nosso país. Os motivos desses empreendedores estavam longe de ser apenas altruístas: todos os estudantes que pretendiam beneficiar eram familiares de responsáveis, políticos e administrativos, desses países, os quais tinham direta influência na concretização de negócios com as empresas dos amáveis empresários lusitanos. Estava-se a ver o "filme"...

À partida, a questão parecia-me cristalina. Cada um procede como quer e pode, financia quem lhe interessa. Só não percebia o que é que o MNE tinha a ver com isso. Mas o meu interlocutor não tardou a ir direto ao que vinha: os empresários achavam que já tinham feito a sua parte, lançando as bases para o tal empreendimento, pelo que "cabia agora ao Estado" entrar com a restante verba necessária, que deveria representar cerca de 75% do custo total, o que, recordo, era um valor bastante elevado.

Expliquei ao senhor - que me pareceu ser um devotado cultor do lema "menos Estado, melhor Estado e o que dele sobrar fica para nós" - que as verbas para finalidades similares já estavam afetadas e que, em especial, o caso que apresentava não se enquadrava minimamente nas prioridades de financiamento que tínhamos definido. O nosso objetivo era concentrar a ajudas nos estudantes com aproveitamento, não nos "calões" de boas famílias. Pelo que a nossa resposta tinha de ser, muito simplesmente, negativa.

O cavalheiro abespinhou-se. Os seus contactos anteriores tê-lo-iam feito presumir um resultado diferente para a diligência. E logo adiantou que, a confirmar-se uma resposta negativa da nossa parte, se veriam "obrigados" a ir para a imprensa, denunciando o "desinteresse" das entidades oficiais do setor. 

Aí, "passei-me", e disse-lhe mais: que não tinha gostado nada da forma pressionante como a questão me fora colocada, e que, desde logo lhe podia assegurar, o Estado não cederia àquilo que era claramente uma espécie de chantagem. Atenta a gravidade da "ameaça" mediática que fizera, ia transmitir superiormente, "para os devidos efeitos", o respetivo teor, pormenorizando no texto que ia elaborar, as reais finalidades do projeto e detalhando os interesses que estavam por detrás dele. E adiantei: "Sabe?, no mau sentido, o senhor fez-me recordar a história do padre David". O homem, que já estava furioso, ficou também perplexo.

E contei-lhe que, nos meus tempos de infância, recebiam-se, em minha casa, umas cartas angustiadas, tipo circular, assinadas pelo padre David, de Ruílhe e Aveleda, localidades perto de Braga. Invariavelmente, o sacerdote explicava que tinha iniciado a construção de casas para famílias pobres, que já tinha as fundações, mas que precisava de dinheiro para todo o resto da construção. Até aí tudo bem, porque era obra altamente meritória. Só que, no arrazoado argumentativo, o padre David adiantava que, se não contribuíssemos, o projeto não avançaria, pelo que a responsabilidade de um eventual insucesso ficava exclusivamente nas nossas mãos. Eu era criança e esta pressão pouco subliminar, que vinha embrulhada numa linguagem religiosa que prenunciava retaliações divinas para quem se mostrasse relutante a cooperar, impressionou-me muito. E sempre me interroguei por que diabo havíamos nós de ficar com o odioso da obra incompleta, só porque o padre David haviam colocado o carro à frente dos bois. Com as melhores intenções do mundo, o qual, como é sabido, está cheio delas.

O nosso homem - em lugar de se sentir elogiado com a equiparação ao generoso padre... - ficou furioso, disse que se ia queixar de mim, saindo pela porta fora. Se o fez ou não, não sei. Nunca ninguém me disse nada, tendo eu cumprido a promessa de relatar, por escrito e com gozo, o episódio. Desde então, nunca mais o encontrei. Terão feito a obra?

A Líbia vista de outro lado

Há textos que ficam para a história (pequena ou grande, cada um que escolha) do nosso jornalismo. Hoje chegou-me um deles. É uma interpretação do que se passa na Líbia, sob uma perspetiva e um estilo lexical que eu pensava já arquivados nos escaparates da memória. Mas não, pelos vistos. 

Duas notas neste relato: uma curiosa, outra irónica. A referência aos "supostos criminosos de guerra da ex-Jugoslávia" e o facto de uma das fontes ser, assumidamente, o "The Economist". Não percam, a sério. Aqui.

Verão em Paris


Hoje, o "Le Parisien" titula "On veut le soleil!". Lá fora, à parte umas nuvens, o gestor climático supremo parece fazer-lhe a vontade. Com a casa deserta e Paris em férias, nada melhor que uma esplanada de uma "brasserie", com os jornais da manhã à mistura. E com estacionamento quase em frente (felicidade terrena que vai acabar, com o regresso dos parisienses). A meio do repasto, uma leve chuvada. Corrida geral para o interior. Amansadas as iras celestiais, passeio pelas montras até uma livraria. No final da compra, a vendedora oferece um elegante saco de pano, "cadeau" do dia. Chegado à rua, cai uma bátega imensa. Afinal, é melhor recolher a penates, para acabar um Céline, agora que os tempos recomendam a revisita a alguns "malditos". No carro (afinal estava longe, caramba!), molhado como um pinto, olho para o saco-prenda. Escrito por fora: "L'été est là". Pois, pois - como os brasileiros acham que os portugueses dizem...

PS - A imagem é um quadro de Gustave Caillebotte. A sua pintura impressionista lado a lado com fotos, também novecentistas, do seu irmão Martial estiveram, até 11 de julho, no museu Jacquemart-André, em Paris.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Porto

Só pude ver a primeira parte do Barcelona-Porto, para a supertaça europeia. E, no termo dela, pareceu-me injusto que o Porto estivesse a perder por um golo (um erro infantil, que não se pode ter a este nível). Afinal, a derrota acabou por ser por 2-0. Não tenho paciência para ver e ouvir os "experts" do costume, a "escalpelizar" o jogo, para deleite dos fanáticos. Como modesto observador destas coisas do futebol, achei, no período a que assisti, que Falcão fez muita falta no ataque, mas a sua venda ao Atlético de Madrid faz parte dessa estratégia regular de gestação de mais-valias que o Porto gere como nenhum outro clube português. Taticamente, foi claro que, muitas vezes, surgiu um "buraco" no lado direito da defesa portista, a qual, contudo, sabe jogar muito bem "em linha", o que fez o adversário cair em frequentes fora-de-jogo. Mas, para além de tudo isso, o Barcelona é uma equipa "messi...ânica", que acaba sempre por levar a água ao seu moínho. Pelo menos, até ver.

Diplomacia económica

Porque o tema da diplomacia económica está na ordem do dia, reproduzo aqui o texto do artigo "Diplomacia em tempo de crise" que publiquei, na edição de junho de 2011, da revista "Portugal Global", da AICEP:
 
"Não há muito tempo, um colega de um país do norte da Europa, cujo tecido económico foi bastante menos tocado pela crise internacional, perguntava-me de que modo a nossa diplomacia se estava a adaptar ao tempo de exigência acrescida que o país atravessava. A sua curiosidade tinha a ver, não apenas com a possibilidade de estarmos a encarar uma melhor adequação do nosso dispositivo diplomático aos objetivos mais imediatos da ação externa mas, igualmente, quanto ao modo como o nosso próprio trabalho teria, ou não, sofrido uma mutação qualitativa, em função de alguma reversão de hierarquia de prioridades.

A questão era interessante, embora a resposta não fosse óbvia. A diplomacia, como instrumento executivo da política externa, configura-se com a evolução dos tempos, por uma reformulação de prioridades, decorrente de novos objetivos. Embora deva ter-se sempre presente – e sei que isto pode parecer chocante para alguns cultores do imediatismo – que o papel dos diplomatas, na fixação da imagem do país, deve ir sempre um pouco para além das conjunturas. Essa é a razão pela qual a resposta às solicitações prementes do presente deve ser, no seio da nossa ação externa, modulada em permanência com a necessidade de garantir a preservação dos interesses permanentes do país, numa perspetiva de coerência de longo prazo. A nossa história não se improvisa.

Indo por partes, eu diria que, em face da presente crise, a diplomacia portuguesa tem, diante de si, três linhas de adaptação.

Em primeiro lugar, dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros não deixou de se considerar, desde o primeiro momento, a importância de repensar a rede diplomática existente, dando atenção particular a áreas geográficas que, não tendo sido privilegiadas nas opções de distribuição de recursos funcionais no passado, convinha que passassem a dispor de uma maior atenção no futuro. Quero com isto dizer que zonas como o norte de África, os países do Golfo e certos mercados asiáticos passaram a entrar na nossa ordem de prioridades, com vista a tentar conseguir novos pontos de apoio à atividade empresarial. Isso tornou-se particularmente importante face a mercados cuja evolução previsível de crescimento pudesse, simultaneamente, vir absorver produção nacional que tivesse menos atratividade para os nossos parceiros tradicionais (em especial, europeus) e garantir espaços sustentados de progressão futura de novas linhas de exportação. Assim foi feito e, estou certo, a prazo, os efeitos ir-se-ão sentir.

A segunda linha é de natureza formativa. Não vale a pena esconder que ainda não está ainda criada, no conjunto da nossa administração pública que opera na ordem externa, uma cultura de trabalho em comum. As razões são diversas, do corporativismo a alguma incompetência. Com felicidade, faço parte daquele grupo de diplomatas que sempre teve uma muito positiva experiência de trabalho conjunto com as estruturas de promoção económica externa (do FFE à AICEP, passando pelo ICEP/API). Por razões diversas, sei que essa experiência não é idêntica à de muitos colegas da diplomacia portuguesa. Não vale a pena estar a distribuir culpas, até pela certeza de que elas não estarão sempre do mesmo lado. Algo tem de mudar neste âmbito e, para isso, de há muito que só vislumbro uma solução, que sei difícil de pôr em prática, por escassez de recursos humanos: promover estágios profissionais cruzados, tanto nas instituições como nas empresas e nas associações empresariais, com suficiente duração para que tal possa ter reais efeitos, num esforço geral de aculturação.

Uma terceira vertente tem a ver com a mudança no paradigma da intervenção das nossas embaixadas, com impacto na informação que produzem. Imagino que a abordagem pública da questão, numa publicação desta natureza, possa escandalizar alguns. Mas julgo ter um mínimo de autoridade experiência para exprimir o que adiante vou dizer.

A diplomacia portuguesa não se deve esgotar no apoio à projeção económica externa do país – no comércio, na promoção do turismo ou na captação de IDE. A atenção à imagem do país na ordem internacional, o cultivo das redes de interesses políticos e culturais que o bilateralismo histórico justifica, a promoção da língua portuguesa e a proteção da diáspora são outros tantos pontos importantes a salvaguardar, como decisivo é sabermos potenciar o nosso valor acrescentado nacional de natureza política, como país construtor de pontes e entendimentos, à escala global. Como a eleição recente para o Conselho de Segurança da ONU o provou. Porque tudo isso, ao funcionar positivamente em favor da imagem do país, acaba por ajudar à criação de um ambiente favorável à promoção dos nossos interesses económicos – e dispensem-me de dar exemplos, por razões que julgo óbvias.

Porém, e como um dia já disse, com choque em alguns ouvidos mais sensíveis,  entendo que o MNE precisa de “menos Kosovo e mais batatas”, querendo com isto dizer que a diplomacia portuguesa tem de continuar o esforço já iniciado no sentido de infletir a sua focagem de prioridades, passando a perceber que a “política pura”, embora podendo dar-nos uma base interessante para um bilateralismo com vantagens, deve sempre apontar para uma visão objetiva dos interesses económicos que importa privilegiar, muito em especial numa situação de crise como a que vivemos.

Mas que fique clara uma coisa: não defendo que a política externa portuguesa seja refém da promoção económica externa, que se opte por uma “reapolitik” de interesses, como se o MNE devesse passar a ser, unicamente, uma espécie de agência de promoção externa de negócios. Não deve sê-lo exclusivamente, mas deve sê-lo também. E, para isto, não são precisos novos despachos ou decretos. Basta haver vontade.

Uma das razões pela qual não defendo uma dependência excessiva da nossa política externa face aos nossos interesses económicos tem a ver com o facto, que pude constatar ao longo das mais de três décadas que levo de ação diplomática, de que essa mesma atividade económica está longe de ter uma coerência mínima: os mercados flutuam, as prioridades variam, a oferta “tem dias”, os nossos empresários – desculpem lá! – têm estados de alma flutuantes. Se a ação externa do país ficasse vinculada, rigidamente, às opções do nosso comércio externo, Portugal teria a imagem de um catavento!

Por isso, recomendo apenas prudência, bom-senso e troca intensa de informação. À nossa diplomacia pode e deve ser pedido um grande empenhamento na promoção da atividade dos nossos agentes económicos. Os diplomatas portugueses devem ser mobilizados para servirem de eixo às campanhas de estímulo à atividade económica externa, as nossas embaixadas devem ser a “casa” dos empresários. Mas tudo isto tem de ter uma coerência global, uma hierarquia de prioridades bem estabelecida, uma dotação mínima de meios e uma proporção adequada de empenhamento. Uma missão diplomática ou consular não pode ser mobilizada apenas porque um empresário o solicita: essa solicitação tem de corresponder a uma razoável contrapartida previsível das vantagens potenciais decorrentes para o país.

É para essa avaliação que a diplomacia espera poder contar sempre com o insubstituível papel técnico da AICEP, como estrutura com capacidade de aferição daquilo que é, a cada momento, o interesse económico prioritário do país na ordem externa. É nesse diálogo, que não é complicado se dele forem excluídos os egos e os reflexos de casta, que deve assentar a parceria constante entre a atividade económica externa e diplomacia portuguesas."

quinta-feira, agosto 25, 2011

Regresso

É muito interessante voltar a mergulhar, de um dia para o outro, na realidade política de um país do qual estive afastado algumas semanas. É verdade que, entretanto, fui lendo as notícias que surgiam sobre a França, que já me atualizei com a produção informativa para Lisboa feita, nesse período, pelas minhas excelentes colaboradoras diplomáticas (curiosamente, todas senhoras). Mas nada é igual à presença no quotidiano. E que quotidiano, em escassos dias!

Desde logo, os desenvolvimentos na Líbia, onde a França teve (como já tive oportunidade de assinalar) um papel relevante, que será coroado com uma reunião em Paris, ao mais alto nível, logo no início de Setembro. Depois, os desenvolvimentos do caso Dominique Strauss-Kahn, que encheu debates e entreteve analistas prospetivos. Num terreno que lhe está (e continuará a estar) ligado, prossegue a "liça" no seio dos socialistas franceses, para escolha do "challenger" que disputará a corrida presidencial de 2012 com o atual presidente. E, para culminar estes dias franceses bem cheios, com vista a tentar acalmar os mercados e prevenir os humores de quem os antecipa, surgiu o anúncio pelo governo de um importante plano de austeridade, abrangendo o domínio fiscal e os cortes na máquina do Estado.

Paris-cidade ainda vive em ritmo de férias, com o próximo fim de semana a representar o grande regresso ao trabalho. Mas a "rentrée", essa, já aí está, em pleno!   

Imprensa

O tempo da comunicação social mudou muito. É meu hábito antigo guardar os jornais da manhã até ao final do dia, pela "angustiante" sensação de que neles ficou muito por ler e pela ilusória ideia de que acabarei por fazê-lo mais tarde. Só que, a essas horas, dou-me conta da quase total irrelevância daquilo que eram as "notícias" que esses jornais traziam, praticamente todas já ultrapassadas pela avalanche de noticiários televisivos e dos "sites", que entretanto ocorreu. Salvo para aquele universo de leitores que se contentam (e estão no seu direito) com as "pílulas" informativas a cuja fabricação alguma imprensa "apressada" hoje se dedica (pequenas notícias, com escassas centenas de carateres, que caricaturam os factos, como hoje são certos diários portugueses), tudo parece encaminhar-se para que os jornais, para terem algum sentido, se tornem, cada vez mais, veículos de análise e opinião e, cada vez menos,  portadores de notícias "requentadas". Lembro-me que, quando o "Público" foi criado, se dizia que a sua ambição era ser uma espécie de "Expresso" diário, o que corresponderia um pouco a esse conceito de uma imprensa que queria "ir um pouco mais longe", como à época já fazia o "Le Monde" ou o "El País". Na realidade, o "Público", que começou assim, acaba hoje por já não ser isso, embora, em Portugal, seja o jornal que mais próximo fica do modelo. Mas, num futuro próximo, será que as pessoas terão tempo para ler jornais diários meramente analíticos, com artigos cuja extensão e profundidade obrigam a uma disponibilidade pouco consentânea com o ritmo de vida de hoje? Por isso, com a proliferação dos Ipads, com os "alertas" nos telemóveis, os écrans dos computadores à nossa frente todo o dia, os "flashs" da rádio no carro e a omnipresença das televisões (com noticiários ou rodapés informativos) será que vai haver espaço para uma imprensa diária em papel? Começo a duvidar.

Em tempo: excluo a imprensa desportiva, cuja sobrevivência está garantida, "porque sim". Quando digo aos meus amigos estrangeiros que existem, em Portugal, três diários desportivos de dimensão nacional, eles começam a perceber melhor a questão do nosso défice...

quarta-feira, agosto 24, 2011

O jantar

O convite para aquele jantar fora aceite com gosto. O casal brasileiro que recebia, que tinham conhecido num cocktail, revelara-se muito simpático, pelo que os embaixadores da Sildávia, que estavam em Brasília há escassos meses, acharam ser essa uma boa oportunidade para alargar o seu ainda escasso mundo de conhecimentos na sociedade brasiliense. E, assim, ataviado o embaixador com aquele "esporte fino" que, nos homens, dá saída regular aos blazers azul-escuro com botões dourados, lá avançaram para a festa.

Em Brasília, as ruas não têm nomes. A geografia da cidade é feita quase exclusivamente de letras e números. Na zona do Lago Sul, onde se situam as melhores residências, há uma espécie de pequenos bairros numerados, as "quadras", contados a partir da zona do aeroporto. Tais "quadras" são, por sua vez, subdivididas em ruas também numeradas, os "conjuntos", onde se situam as casas, igualmente identificadas por um número. Se se disser que as "quadras" podem ser "internas" ou "do lago" - QI ou QL -, dá ideia de uma grande confusão. Porém, depois de se perceber a lógica, tudo se torna bem mais simples do que em qualquer outra cidade...

O cartão do convite não permitia enganos. Estava escrito o endereço: "QI 5, conjunto 9, casa 23" (endereço fictício, claro). E lá partiram os embaixadores da Sildávia, com o próprio embaixador ao volante, porque o estacionamento costuma ser fácil e estariam mais à vontade sem motorista, para gozar até mais tarde a festa, nesse sábado de clima ameno. Chegados à "quadra", verificaram que o "conjunto" 9 era o último. Restava apenas procurar a casa.

- Olha, é aquela moradia com as lamparinas a marcar a entrada, disse o embaixador. Já lá está o carro do embaixador italiano, junto à porta.

Com o embrulhinho da caixa de chocolates para a anfitriã nas mãos da embaixatriz, entraram na casa. Era uma magnífica residência, com empregados vestidos a rigor, que logo lhes ofereceram uma taça de champanhe à entrada. Os embaixadores italianos acenaram e aproximaram-se, ficando, por instantes, à conversa.

- Onde estão os donos da casa?, indagou a embaixatriz sildava, desejosa de se ver livre da prenda e de saudar os anfitriões.

- Estão ali, junto da piscina, respondeu o diplomata italiano.

Os embaixadores sildavos encaminharam-se então para um pequeno grupo reunido mais adiante, em que detetaram algumas caras que recordavam (ou seria das páginas sociais da Jane Godoy ou do Gilberto Amaral?). Um casal, com ar de quem estava bem à-vontade na casa, aproximou-se, sorridente.

- Sejam bem vindos, retorquiu a senhora.

- Somos os embaixadores da Sildávia, murmurou o diplomata visitante, com um fácies por onde perpassou uma súbita perturbação.

- Ah! Não estávamos à espera, mas são muito bem-vindos, disse aquela que era, de facto, a anfitriã.

Como costumam dizer os brasileiros, nesse instante "caiu a ficha" aos embaixadores da Sildávia. Estavam na casa errada, na festa errada, com os anfitriões errados. O jantar para onde pretendiam ir era, afinal, numa casa exatamente no lado oposto do "conjunto". Com sorrisos e desculpas, no ambiente de amabilidade brasileira que torna tudo mais caloroso e fácil, lá se despediram dos colegas italianos (que, esses sim!, estavam na festa certa) e rumaram ao jantar onde já tardavam.

Um jantar onde, minutos depois, contaram esta sua saga, para imensa diversão de todos nós, que já lá estávamos, e, em especial, da Regina e do Edson, os verdadeiros anfitriões, que já estranhavam o atraso. (Para eles, aproveito para deixar um abraço saudoso).

Quanto aos embaixadores, não eram da Sildávia nem sequer da Bordúria, esses países tão ao gosto de Tim Tim, mas, neste tempo tenso de relações internacionais, sei lá se gostariam de ser identificados... E também não sei se, um dia, não terão acabado por ser convidados pelos anfitriões em casa de quem entraram por engano. Conhecendo a simpatia dos brasileiros e, em especial, dos brasilienses, é bem possível que sim!

Bartolomeu Cid dos Santos

Oitenta, Bartolomeu? Já? Como o tempo passa...Podes arrumar a t-shirt. O Obama já se encarregou disso.

Kadhafi

Nestes tempos de diabolização mediática do regime de Mouammar Kadhafi, vale a pena ter alguma memória.

A chegada ao poder de Kadhafi, em 1969, foi, à época, lida por muitos observadores como o percurso lógico de uma certa linha de evolução política no norte de África, que já tinha criado figuras como Nasser, Ben Bella e Boumédiène. Se bem que a bizarria do seu "Livro Verde" rapidamente tivesse dado um tom algo caricato à personagem e à sua doutrina, mais tarde agravado pela criação da fantasmática "Jamahyiria", a verdade é que, na altura, poucos verteram lágrimas pelo velho rei Idris, que Kadhafi tinha derrubado. E, em diversos e respeitáveis círculos, é sabido ter havido mesmo uma discreta alegria pela saída dos EUA da base que detinham na Líbia.

Mouammar Kadhafi, no seu longo reinado, teve vários tempos, aos olhos da comunidade internacional, desde um período inicial esperançoso, de pendor desenvolvimentista - em que enviou para o Reino Unido e EUA milhares de jovens, para formação técnica - até a uma época em que protegeu e fomentou abertamente o terrorismo internacional. Sob intensa pressão, viria a mudar um pouco de rumo e a ganhar alguma complacência de ocasião, ao tomar atitudes que ajudaram o mundo ocidental na luta contra o fundamentalismo islâmico e, muito em particular, contra a imigração descontrolada para a Europa. 

Mas Kadhafi era, de há muito, um sinistro ditador, pelo não foi surpresa para ninguém "descobri-lo" como tal. Como acontecia com Ben Ali ou Moubarak, diga-se. Tirou a vida a muitas pessoas e arruinou-a a muitas mais. As práticas do seu regime eram conhecidas, as organizações de direitos humanos denunciavam regularmente as suas ondas de repressão. Mas era, como outros, um ditador recebido por todos os grandes dignitários mundiais, por casa de quem passeava folcloricamente as suas tendas, que queriam o seu petróleo e procuravam vender-lhe os seus produtos. E que, entre si, disputavam as suas aquisições de armamento, que ele pagava, com o dinheiro de um país rico que a Líbia era. As mesmas armas que agora utilizou para reprimir selvaticamente o desejo do seu povo à liberdade. E que o fez cruzar uma "red line", a qual, no entanto, já não é tão imperativa para outros, protegidos que estão por diferentes teias estratégicas.

Em tempo: aproveito notar que, carregando no marcador lateral "Líbia", pode ser consultado o que por aqui já foi publicado sobre aquele país.

"It"s the economy..."

"It"s the economy, stupid!", foi a expressão cunhada por James Carville, na campanha de Clinton em 1992, para identificar o e...