segunda-feira, junho 06, 2011

Poesia diplomática

Não vou poder estar presente na sessão de lançamento das "Lendas da Índia", o novo livro de poesia do meu amigo Luis Filipe Castro Mendes, que será apresentado hoje à tarde na livraria Buchholz, em Lisboa, por Nuno Júdice. Algum embaixador português tem de ficar por Paris...

O embaixador Luís Castro Mendes tem uma ampla obra poética publicada e premiada. Chefia a missão portuguesa junto da UNESCO, em Paris, depois de ter sido embaixador em Budapeste e Nova Delhi. É autor do blogue Tim Tim no Tibete.

Curiosa (e carinhosa) é a nota que um alegado poeta popular português, Reinaldo Azenha de Noisiel, que parece residir em Pont de Sèvres, nos arredores de Paris, deixou na abertura do seu recente blogue "Malta da Rima", a propósito da publicação deste livro.

António Manuel (1959-2011)

Chamava-se António Manuel dos Santos, mas (como muita gente) sempre o conheci apenas por António Manuel. Jornalista de profissão, já só o vim a encontrar como "operacional" político, como colaborador de Vitor Constâncio, Jorge Sampaio e António Costa. Figura imponente, era o exemplo de um "falso lento", com raro instinto político e eficaz sentido de organização, em especial na área da relação com os media. E de uma lealdade à prova de bala.

Não tínhamos uma grande intimidade, apenas uma muito boa relação pessoal. Não o via há muito, desde que partira para Bruxelas, para trabalhar no Parlamento Europeu.

Morreu ontem. A prova da sua discrição é também dada pelo facto de não ter conseguido encontrar uma foto sua para ilustrar este post.

Fica um abraço triste para o António Manuel.

domingo, junho 05, 2011

Acordar

Há dias, um comentário trouxe ontem aqui ao blogue o nome da Ciesa-NCK, uma empresa de publicidade em que trabalhei, por algum tempo, a partir de 1974. Eram algumas horas diárias, que retirava ao meu tempo militar (uma "tropa" de tarde...), empregadas num "serviço de leitura seletiva" da imprensa (diária e semanal), criado pelo Carlos Eurico da Costa, para combater a crise por que passava a publicidade.

(Esse serviço iria depois evoluir, já em 1975, para a criação da "Análise da Informação", um boletim semanal que avaliava, com procurada isenção, o modo como a realidade portuguesa era tratada pela diferente imprensa. A "Análise" foi um êxito e era vendida, a alto preço, a empresas e embaixadas, que pretendiam dispor de uma informação independente, que lhes permitisse "descriptar" a turbulenta situação político-social de então. Tinha como coordenador o jornalista José Silva Pinto (que viria a criar "O Jornal"), que comigo e com o Francisco Vale (hoje dono da editora "Relógio d'Água"), assegurava a sua redação. Se bem me lembro, teve colaborações esporádicas de Manuel Beça Múrias e de Cáceres Monteiro, um dos quais julgo que me substituiu, quando deixei de colaborar, em meados de 1979. Acabavam então quatro longos anos, em que ocupava parte do meu fim de semana a redigir a minha contribuição para a "Análise", para além de ser diplomata a tempo inteiro.)

Mas é do "serviço de leitura seletiva" que queria falar. Tratava-se de uma recolha de notícias, retiradas dos muitos e variados jornais que o 25 de abril fez emergir, que executávamos a partir de horas bem matutinas. A responsabilidade por este trabalho de leitura rápida e escolha que se pretendia muito criteriosa e representativa, assente num conjunto muito alargado de temas, competia a duas pessoas: a mim e a Pedro Moutinho.

Pedro Moutinho foi uma figura muito conhecida da rádio e da televisão, até ao 25 de abril. Era um dos melhores locutores portugueses, estando a sua imagem como repórter consagrada no famoso relato do Porto-Sporting que integra o filme "O Leão da Estrela" (onde o Sporting ganha, diga-se de passagem...). Fora casado com outra famosa voz da rádio portuguesa, Maria Leonor.

Com a Revolução de abril, alguém terá descoberto que o Pedro teria estado inscrito, por algum tempo, na Legião Portuguesa. Isso levou ao seu afastamento da Emissora Nacional e ao desemprego. Foi o Carlos Eurico da Costa (que era oriundo de uma área política bem oposta) quem o acolheu na Ciesa-NCK e, tal como a mim, lhe arranjou trabalho.

Entrávamos às 8 da manhã. O Pedro Moutinho não tinha um feitio fácil, principalmente nas primeiras horas. Ia depois adocicando com a passagem do tempo, tornando-se um companheirão para o final da manhã, quando "despegávamos". Contava histórias magníficas, que tenho pena de não ter registado.

(Lembro-me apenas de uma. Um dia, foi chamado à PIDE porque, numa reportagem sobre a chegada à estação de Santa Apolónia do presidente da República, Américo Tomaz, vindo de Madrid, identificara o seu chefe da casa civil, general Humberto Pais, por... Humberto Delgado! Verdade seja que esta seria a sua única medalha de "anti-fascismo", ele que, com coerência, nunca renegou as suas convicções fortemente conservadoras.)

Numa daquelas matinais horas, em que estava com um feitio impossível, o Pedro perguntou-me:

- Diga-me lá! Você acorda bem disposto, de manhã?

Disse-lhe que não, que normalmente me custava a "arrancar" o dia e que acordava "irritadiço".

O Pedro não quis ouvir outra coisa e, com o seu vozeirão, felicitou-me:

- É isso mesmo! Você é uma pessoa normal! Acordar, para si como para mim, é um ato de violência, uma coisa anti-natural. O que eu nunca compreendi são aqueles maduros que acordam bem dispostos, que cantam no banho e que começam o dia felizes. Imagine! Não passam de uns anormais!

E a nossa amizade e compreensão mútua aumentou, a partir de então.

O Pedro Moutinho morreu já há muitos anos. Há tantos que o "Google" não tem nenhuma foto sua que possa ser mostrada.

"Os donos de Portugal"

Ontem, numa cálida noite vila-realense, alguém me fazia notar que a história eleitoral portuguesa mostra que, na realidade, as grandes decisões políticas, aquelas que afetam os equilíbrios conjunturais da vida de todos nós, são tomadas por apenas entre 15 e 20% da população votante.

Segundo esse amigo, os dois grandes partidos da cena política portuguesa mostram ter um núcleo de eleitorado fiel, o qual, aconteça o que acontecer, confere sempre, a cada um, um "score" seguro, que deve andar em pouco mais de 25%. A decisão sobre qual dos dois partidos chega à frente do outro em cada ato eleitoral é, assim, determinada por esses 15 a 20% flutuantes, os quais, no fundo, são aqueles a quem se destinam as campanhas eleitorais. Esses são, na frase simples desse amigo, "os donos de Portugal".

Propinas

O Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a que presido, decidiu ontem aumentar em 12 euros por ano (um euro por mês), as propinas de base para o ano letivo 2011/12. Ponderámos muito esta decisão, não tanto pelo acréscimo em si mas, principalmente, porque este esforço acrescido se soma às dificuldades por que passam muitas famílias, atingidas pela crise económico-social. 

Poderíamos ter evitado tomar esta decisão? Claro que sim: se não houvesse estudantes a furtarem-se à liquidação das propinas, o que é altamente injusto para os colegas que cumprem as suas obrigações, este aumento não teria sido necessário. 

As universidades públicas portuguesas (não apenas essas, mas são essas que para aqui interessam) atravessam, embora de forma desigual, um momento algo complexo, produto de diversos fatores, que vão desde as alterações recentes do seu mercado ao facto de terem de adaptar-se às limitações orçamentais com que o setor Estado vive. E isso exige mudanças, com algumas a poderem não ser as mais populares.

Pela génese da sua oferta pedagógica, pelo seu enquadramento geográfico e por outros fatores específicos de vária natureza, a UTAD tem necessidade de fazer, com caráter de urgência, algumas opções estratégicas muito sérias. Por essa razão, porque a universidade deve repensar a sua estrutura, o seu modelo e os seus objetivos, vi aprovada uma proposta que apresentei para que se organizem, em Outubro e Dezembro, duas jornadas de reflexão estratégica. Vamos ouvir o que a Academia pensa para a sua universidade e, de seguida, com base em estudos devidamente fundamentados, vamos tomar, em 2012, as medidas que tivermos por mais adequadas para o futuro da UTAD.

Ser embaixador em França não é incompatível com esta contribuição, a titulo totalmente gracioso, que faço à universidade da minha terra. É com muito prazer que retiro dias de férias para vir, de Paris, algumas vezes por ano, trabalhar umas horas em Vila Real, tentando ser útil à UTAD. 

sábado, junho 04, 2011

Ver eleições

Os meus amigos franceses surpreendem-se sempre quando lhe conto que, uma vez, antes de 25 de abril de 1974, "meti" duas semanas de férias, no meu emprego, para ir a Paris... ver eleições! É que, naquela altura, os atos eleitorais em Portugal eram uma verdadeira farsa e, para muitas pessoas da minha geração, a França funcionava como uma espécie de democracia "adotiva". Para alguns, acabaria por ser mesmo um destino de vida.

"Ver" eleições em Paris significava poder assistir aos comícios na Mutualité, estar presente em debates organizados pelas forças partidárias, contemplar o panorama da polémica que se refletia nas televisões e nos jornais, recolher imensa papelada que nos alertava para a liberdade que se vivia naquele mundo, com os placards exteriores a mostrarem caras e símbolos em disputa democrática. Era uma sensação estranha mas entusiasmante, para um jovem português de então.

Agora, vim a Portugal, não para "ver" eleições, mas para participar nelas, para votar. Há quem ache isso inútil, quem entenda que "são todos iguais", que "assim não vamos lá". Alguns opinam que a classe política portuguesa não merece confiança, que os eleitos acabam por nunca fazer aquilo a que se comprometem, que votar ou não votar não muda nada na nossa vida. Agora, há também quem considere que o compromisso assumido pelo país com as instituições financiadoras internacionais limita de tal modo a margem de manobra de quem quer que seja eleito que, no fundo, "vai dar tudo ao mesmo".

Não é verdade. Os partidos não são todos iguais, têm histórias e princípios diferentes. Os políticos que os titulam têm perfis diversos e há muitos espaços de afirmação legislativa e de atuação político-administrativa que apenas dependem do exercício da vontade política, que não estão vinculados ou dependentes do acordo com a "troika".

A questão é muito simples: se nos afastarmos do processo político, se deixaremos aos outros a decisão de escolherem por nós, perdemos parte da legitimidade para poder avaliar e responsabilizar aquele que vierem a ser eleitos... pelos outros!

Hoje, com toda a serenidade e em consciência, vá votar!

"Diplomatas"

A nossa imprensa é sempre muito lesta quando lhe cheira a qualquer esturro que possa ligar-se negativamente à imagem da diplomacia lusa.

Há meses, um "cônsul honorário" na Alemanha apareceu envolvido em maroscas financeiras. De imediato, os títulos e os textos apontavam para "diplomata recebe luvas em negócio" ou "diplomata acusado de corrupção".

Há dias, um "vice-cônsul" no Brasil, uma categoria administrativa em má hora recém-renascida, que alguns, premonitoriamente, advertiram que poderia vir a redundar em "vício-consulados", foi acusado de desvio de fundos. Como era expectável, a comunicação social logo trouxe títulos como "diplomata roubou" e coisas do mesmo jaez.

Vamos a ver se nos entendemos: ambos os cavalheiros envolvidos no que parece serem atividades criminosas não são diplomatas - eu diria mesmo, estão mesmo muito longe de o serem. A qualidade de "cônsul honorário" ou de "vice-cônsul", que, por todo o mundo, é exercida por pessoas geralmente muito estimáveis e de impecável honestidade, não confere a ninguém a qualidade de "diplomata", categoria profissional que tem requisitos de formação, recrutamento e responsabilidade muito específicos. Repito: um "cônsul honorário" ou um "vice-cônsul" são categorias funcionais que nada têm a ver com a carreira diplomática, salvo na circunstância de exercerem uma atividade na dependência desta.

Por essa razão, é completamente abusivo utilizar o termo "diplomata" para qualificar quem o não é, fazendo recair sobre uma profissão os "salpicos" de eventual falta de ética de quantos, noutra qualidade, agem em nome do Estado português no exterior.

Só lamento que a entidade representativa dos diplomatas portugueses (que, por alguma razão, se não chama "sindicato dos diplomatas e ofícios correlativos"...) não tenha saído a terreiro em todos os casos, pondo "os pontos nos is", denunciando a difamação e ensinando, por uma vez, aos plumitivos de serviço aquilo que a sua profissão, pelos vistos, não lhes soube ensinar.

sexta-feira, junho 03, 2011

Mãos

- Você conhece o rapaz que Lisboa mandou para a reunião?

À pergunta do embaixador, o conselheiro da missão portuguesa junto daquela organização internacional relatou o pouco que sabia sobre o jovem colega que o MNE tinha enviado para assegurar um determinado grupo de trabalho, por algumas semanas. Na descrição que fez do diplomata visitante, o conselheiro não deixou de acrescentar o estranho pormenor de que ele tinha sempre "a mão úmida".

- Que horror!, reagiu o embaixador.

Passaram-se os dias e, uma tarde, o diplomata lisboeta entrou no gabinete do conselheiro e, de chofre, perguntou-lhe:

- Você acha que o seu embaixador tem alguma coisas contra mim?

O conselheiro reagiu negativamente, dizendo que tinha mesmo a certeza de que o embaixador nunca antes ouvira falar dele, tanto mais que, na altura da sua chegada, lhe perguntara quem ele era. Não, não tinha nada contra ele, onde é que ele fora desencantar essa ideia?

- Eu pergunto isto porque, sempre que estendo a mão ao embaixador, para o cumprimentar, ele põe as mãos atrás das costas... Nunca consegui dar-lhe um aperto de mão!

Aí, o conselheiro entendeu...

Astérix em mirandês

Um amigo bem nortenho, fez o favor de me enviar o "Le grand fossé", um belo álbum das aventuras de Astérix (e Obelix, não esqueçamos!), numa edição limitada, em língua mirandesa ("L galaton").

Igualmente me ofereceu, editada igualmente em mirandês, a banda desenhada "Os Lusíadas" ("Ls Lusíadas), com o clássico traço de José Ruy.

Os mirandês está bem e recomenda-se!

quinta-feira, junho 02, 2011

O relógio

O Melo era aquilo a que agora se chama um cromo. Projetava uma imagem caricatural do diplomata: sempre de fato com colete, de onde sobressaía a corrente de ouro do relógio de bolso. Como tique, tinha por hábito dar lustre nas calças ao brasão que trazia no anel. Falava de forma pausada, mimando o estilo que ele admirava em vetustas figuras da carreira, vindas de um tempo a cujos sinais exteriores ficara fiel. Velho conselheiro já sem hipóteses de promoção ou de chefia de missão, arrastava agora a sua consabida calaceirice por um posto onde fora colocado contra a vontade expressa do embaixador. Este pagava-lhe com uma atitude de permanente ironia e desprezo. Porque era um pouco tonto, o Melo parecia não perceber que era regularmente gozado pelo seu chefe.

Uma tarde, na embaixada, foi chamado ao gabinete do embaixador. Encontrou-o com um colega mais velho, que tinha vindo de Lisboa, em férias. Tratado o breve expediente, o embaixador perguntou-lhe:

- Ó Melo, você tem horas certas?

O conselheiro sacou, com orgulho, do seu velho e valioso relógio de bolso, preso pela ostensiva corrente de ouro. E esclareceu o embaixador. Este voltou à carga, dirigindo-se para o colega de Lisboa:

- Tu queres saber que o nosso Melo nunca muda a hora no relógio?!

Perante o espanto afivelado pelo embaixador visitante, o Melo, sorridente, voltou a tirar o relógio, explicando que, de há muito, decidira não proceder aos acertos horários, ao longo do ano, para evitar forçar o delicado mecanismo do velho relógio. E lá mostrou que, precisamente, tinha então a hora errada.

- É verdade que estes relógios ingleses são frágeis, comentou o chefe do posto.

O Melo reagiu. Não, o relógio era americano! Retirou-o, uma vez mais, do bolso do colete e mostrou a marca, a ambos os embaixadores. E preparava-se para sair quando o seu superior hierárquico, com alguma ironia, lhe lançou:

- Ó Melo, eu perceberia o seu cuidado, se o relógio fosse de ouro, mas assim...

O conselheiro, que herdara o precioso relógio de ouro da família, reagiu e, retirando-o de novo do bolso, mostrou o contraste, sobre o qual deu algumas explicações, que pouco pareceram interessar aos seus interlocutores. E foi saindo. Estava já prestes a fechar a porta, por fora, quando ouviu o seu chefe dizer para o embaixador visitante:

- Aquele relógio do Melo não é nada mau. O que é pena é que não tenha ainda ponteiro dos segundos. Mas percebe-se, é de outro tempo.

O Melo, contudo, ainda tinha ouvido o comentário. Reabriu a porta, pediu desculpa e mostrou, à evidência, que o seu embaixador estava errado: o seu relógio marcava os segundos. E saiu.

O conselheiro já não testemunhou a "barrigada de riso" que invadiu ambos os embaixadores. E, em especial, a frase do seu chefe:

- Eu não te dizia que o tipo sacava do relógio, pelo menos cinco vezes?!  Com jeito, ainda tinham sido algumas mais...

Esta história foi-me contada, há cerca de um quarto de século, por um embaixador. Já não conheci o "Melo", nem qualquer os outros protagonistas. Longos anos houve em que era possível a subsistência de algum autoritarismo nas relações hierárquicas, dentro das nossas missões diplomáticas. Eram outros tempos, embora eu ainda tenha encontrado alguns "Melos", pelos corredores das Necessidades.

Cohen

A minha experiência de concertos musicais ao vivo (fora os de música clássica, claro) não é muito positiva. Com raras exceções, e independentemente da qualidade cénica dos espetáculos, acabo, quase sempre, por sair um tanto desiludido dessas aventuras. Para o auditório, o som raramente é bom e há que aturar os patetas que, para mostrar que conhecem as músicas, as abafam com aplausos, aos primeiros acordes. Depois, há a chusma histérica que, logo que pode, arranca dos seus lugares e se "ajunta" no sopé do palco, repetindo alto os refrões e tapando a vista a quem fez o esforço de pagar o que achava que iam ser ótimos lugares. E, desculpem lá!, abomino o "pessoal dos isqueiros", na sua patética nostalgia.

Digo isto para notar que, deliberadamente, já me escusei a ir ver dois espetáculos de Leonard Cohen, apenas para ter a certeza de me não iria sentir desiludido com o trabalho desse magnífico artista canadiano, que ontem ganhou o prémio "príncipe das Astúrias" - derrotando, ao que dizem, António Lobo Antunes e Ian McEwan. Cohen é um magnífico compositor, escreve excelentes poemas e canta com um estilo único. Merecido prémio.

quarta-feira, junho 01, 2011

O casaco

Percebemos o truque quando, bem cedo numa segunda-feira, um de nós passou pelo gabinete dele. O casaco continuava no cabide, em frente à secretária. Tinha lá sido posto ao final da manhã de sexta-feira, para dar impressão, a quem o procurasse durante toda a tarde desse dia, que "estava já ali perto, já vinha...".

Era um especialista diplomático em fins-de-semana. Terá deixado escola? Pensei nisto ontem, ao abrir as portas de alguns gabinetes, nas Necessidades. Mas estavam lá todos...

As relações económicas entre a França e Portugal

A revista "Portugal Global", editada pela AICEP, publica no seu número de Junho de 2011, que hoje surge a público, um completo dossiê sobre as relações económicas bilaterais entre a França e Portugal. Pode consultar o pdf da revista aqui.

Neste número, publico um artigo intitulado "Diplomacia em tempo de crise", que pode ler na revista ou aqui

terça-feira, maio 31, 2011

Pero que las hay, las hay!

Há dois dias, para uma conversa, combinei com um amigo um encontro no bar de um hotel, em Lisboa. Esse amigo vai viver proximamente para o Brasil. Trocámos impressões sobre a cidade onde irá fixar-se e, nela, sobre as pessoas que seria importante que viesse a conhecer. Disse-lhe o nome de uma personalidade (como agora é moda qualificar) "incontornável" da vida daquela cidade, cujo perfil lhe descrevi. Ele tomou nota.

Acabada a conversa, olhei em frente e quem vejo eu, nesse mesmo bar de hotel? A tal pessoa do Brasil, que eu não encontrava há mais de dois anos! Apresentei-a ao meu amigo o qual, não fora o facto de me conhecer de há muito, poderia ter pensado que tudo não passara de um arranjo já combinado...

As coincidências fazem parte da vida. Em especial da minha, como poderão ver se clicarem no marcador "Coincidências", no fundo deste post.

Portugal na Finisterra

A cultura portuguesa é trabalhada em França em muitos, e às vezes remotos, locais. Em Pont-Aven, no extremo da Bretanha, Cristina Isabel de Melo, de quem já aqui falámos há tempos, desenvolve um louvável esforço de difusão, através das Edições Vagamundo

A Vagamundo editou agora, de Nuno Júdice, com tradução da própria Cristina Isabel de Melo, a "Geométrie variable".

segunda-feira, maio 30, 2011

O triângulo

Luanda, 1982.

Eu andava deliciado com o meu Golf Diesel, recém-chegado da Dinamarca, com um confortável ar condicionado. Fui pessoalmente buscá-lo ao porto, depois de esperar semanas que o barco acostasse.

Num dos primeiros dias de utilização do novo carro, ao passar pelo Largo Maria da Fonte (a estátua da libertadora minhota, cuja pertinência num lugar central de Luanda era realmente discutível, tinha sido substituída por um tanque de guerra, razão pela qual todos chamavam ao lugar o Largo Maria do Tanque...), sou mandado parar por uma operação policial, de controlo de tráfego.

- O camarada pode mostrar se os "piscas" funcionam?

Claro que funcionavam. O guarda era jovem, delicado, com uma atitude bem simpática.

Mas a cena era surreal. Ali estava eu, com um carro novinho em folha. a ser fiscalizado (depois dos "piscas" foram os "stops" e sei lá que mais), quando, mesmo ao lado, passavam viaturas sem portas, muitas sem pára-choques, algumas sem pára-brisas, outras de faróis "descaídos" por acidentes.

Diga-se que, na Luanda desse tempo, as dificuldades eram imensas, faltava tudo, era um milagre encontrar uma peça de substituição para qualquer veículo, qualquer coisa de natureza material (a começar na alimentação) só era possível de obter através de "esquemas" ou de conhecimentos, nesse caso com quase garantidos pedido de retribuição de favores, a surgirem mais tarde. As escassíssimas lojas abertas estavam quase vazias, às vezes com alguns objetos inúteis, apenas "para encher montra".

Eu levava com grande bonomia a inspeção, tanto mais que de nada valia ter outra atitude. E a "check-list" ia prosseguindo. A certo ponto, satisfeitos até aí todos os requisitos de segurança de tráfego, o "camarada polícia" (nesse tempo, todas as pessoas eram tratadas por "camarada", recordando-me mesmo de uma testemunha de um roubo que, na televisão, se referiu ao "camarada ladrão"...) teve uma última ideia:

- O camarada tem triângulo?

Sabia lá! Fui à traseira do carro e procurei, junto à roda sobressalente. Qual quê?! Os dinamarqueses tinham-se esquecido de pôr um triângulo no carro!

- O camarada sabe que é ilegal circular sem triângulo?

Eu sabia, mas também sabia que, com ou sem triângulo, o meu novo carro oferecia mil por cento mais condições de segurança do que tudo o que, de mecânico, se movia à nossa volta, desde os automóveis à temíveis "Ifas", uns camiões da RDA que, vistos de frente, estavam sempre inclinados para um dos lados ("sempre para a esquerda", assegurava, grave e irónico, o Chico Neto) e cujo sistema de travagem tinha regulares e trágicas deficiências.

- Tem razão, camarada. Não tenho triângulo. Tenho de comprar um. Onde é que se eles se vendem?

A ironia era pesada. Talvez só a alguns largos milhares de quilómetros de Luanda fosse possível encontrar uma loja onde um triângulo de pré-sinalização pudesse ser adquirido.

O jovem polícia negro fez um largo sorriso, compreensivo, e lançou, amigavelmente:

- Vá com Deus, camarada!

Corrupção

Ontem, durante a campanha eleitoral, alguém estranhou que, de entre as medidas constantes do protocolo assinado com a "troika", não houvesse uma palavra sobre medidas de combate à corrupção, tal como existem relativamente à máquina da justiça e diversas outras áreas de atuação do Estado.

É sabido que as economias marcadas pelo tráfico de influências reduzem a confiança dos investidores e minam as condições para o crescimento, pela desregulação que introduzem no funcionamento dos mercados. Por essa razão, pode estranhar-se que, ao promover um empréstimo de elevado montante a Portugal, com contrapartidas que incluem uma imensidão de condicionalidades, instituições com a experiência e a prudência do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu não tenham aproveitado para exigir um forte pacote de medidas legislativas para reforço de combate à corrupção, a serem decididas pelo novo parlamento.

Sá há uma - única e insofismável - explicação para esta omissão: as instituições internacionais responsáveis (e aqui não falamos de ONG's, com discutíveis critérios de avaliação) entendem que a moldura legislativa que, em Portugal, enquadra esse tipo de criminalidade é hoje suficiente e adequada.

Com isto, não estou a afirmar que a corrupção não exista, em Portugal, e que não seja importante encontrar fórmulas mais eficazes para lhe fazer frente, nomeadamente no campo da aplicação da justiça. Estou apenas a dizer que, por via indireta, a comunidade internacional atesta que o nosso país dispõe já do arsenal legislativo adequado para a combater. E isto é uma excelente notícia.

domingo, maio 29, 2011

Grande Porto



Lembrei-me muito do meu tio Óscar, neste fim de semana. Durante a minha infância, o Porto, para mim, identificava-se muito com ele.

Oficial do Exército na reserva, ia, aos domingos, almoçar à messe, na Batalha e, durante a semana, parava as tardes num grupo de amigos, no Rialto, onde aguardava a chegada do "Diário do Norte". Sendo ele portuense, não me recordo se era portista, sequer se se interessava pelo futebol.  Coleccionava "O Tripeiro", que tinha encadernado na estante, e foi pela mão dele que conheci a "Vida Mundial", quando a publicação consistia  apenas numa recolha de artigos traduzidos da imprensa estrangeira e  ainda era editada no Montijo.

Vivia na Ramada Alta, num andar com um cheiro confortável e indefinível, que nunca esqueci, com uma varanda envidraçada, onde se tomava chá e se via a estátua da rotunda da Boavista. Em noites em que as luzes convertiam o Porto num distante sonho cosmopolita para o jovem que, como eu, visitava a cidade, com o deslumbramento dos que viviam para lá do Marão, daquela varanda via-se passar, ao fundo, um comboio. O tio Óscar, que, com carinho, me mostrou e fez para sempre gostar da sua cidade, nunca teve ocasião de cumprir a promessa que me havia feito de me levar um dia nessa linha, até à Póvoa.

Neste sábado, ao sair do aeroporto do Porto, comprei um "Andante"*, o nome irónico dado ao bilhete do Metro de superfície, que também comporta a tal linha férrea que eu via da casa do meu tio Óscar. É uma viagem calma, por vezes com a triste paisagem de traseiras suburbanas que os comboios proporcionam, outras com vista para aquelas moradias de portas altas com uma imensa numeração, bem típicas de certas ruas do Porto. A certo passo, o Metro emerge de um túnel e ouve-se a voz oficiosa: "Verdes". Aparece uma estação a justificar o nome, no meio de vegetação, de que eu nunca ouvira falar. Recordando o tio Óscar, lá fui, por aí adiante, até ao meu destino, a Trindade.

Nessa noite, ao dizer a um amigo, que encontrei num jantar na Alfândega, que estava instalado pelas bandas da Trindade, num novo hotel, ele retorquiu-me, lembrando quando por aí andávamos, há muitos anos: "Vais dormir perto da Alferes Malheiro? Ó diabo! Ainda acabas a noite na "Candeia"..." Esclareci que, a "Candeia", além de ter já fechado há uns tempos, há meio século que não fazia parte dos meus roteiros do Porto. "Então podes ir a um pomar, muito próximo do teu hotel". Porque conheço muito bem a zona, estranhei que por ali houvesse algum pomar. Ele precisou: "É na Gonçalo Cristóvão, tem excelente fruta". Não percebi nada, mas creio que a graça tem alguma coisa a ver com futebol...

Em tempo: correção feita. O "Andante" é o nome do bilhete e não do metro, como eu pensava. Desatenções...

Barcelona

A frase do treinador do Manchester United, Alex Ferguson, ao considerar este Barcelona a melhor equipa com que se confrontrara na sua longa carreira futebolística, diz muito sobre a qualidade, verdadeiramente rara, deste grupo. Há por ali um estilo de jogo, apoiado num conjunto com grande homogeneidade técnica, que, inevitavelmente, traz à memória a "laranja mecânica" holandesa dos anos 70. Eu diria mesmo: para melhor.

É com espetáculos desta qualidade que o futebol se promove. 

sábado, maio 28, 2011

A religião e a comunidade portuguesa

Há dias, reunimos num almoço na embaixada cerca de duas dezenas de sacerdotes católicos, de várias nacionalidades, que prestam assistência religiosa e, muitas vezes, coordenam o apoio social a setores da comunidade portuguesa na região de Paris. A agenda deste que foi o terceiro encontro deste género foi bastante alargada, suscitando a troca da diversidade das experiências que conduzem em cada comunidade.

No que me toca, foi muito importante ouvir pessoas dedicadas à ação social junto da comunidade portuguesa falarem do modo como avaliam o comportamento das várias gerações de origem portuguesa em França, do uso da língua portuguesa à sua relação com outras comunidades culturalmente muito diferentes, os problemas que afetam os mais idosos, a chegada recente de pessoas vindas de Portugal, em busca de ocupação, bem como a forma como a gerações de origem portuguesa mais jovens olham para o nosso país. As questões que se prendem com a atual situação económica em Portugal, com as preocupações que isso repercute na nossa comunidade, estiveram também presentes neste agradável encontro.  

Chandeigne

As edições Chandeigne, como outras vezes aqui foi assinalado, prestam uma contribuição inestimável para a divulgação da língua e cultura portuguesas em França, com uma atenção cada vez mais alargada aos países cujas culturas se exprimem no nosso idioma.

Recomenda-se uma visita virtual ao excelente catálogo da Chandeigne ou, podendo, vale a pena perdermo-nos nas instalações desta "Librairie Portugaise et Brésilienne", no nº 10 da rue Tournefort, a dois passos do Panthéon (tlf.: 01 43 36 34 37).

Este ano, o trabalho de Michel Chandeigne e da sua equipa comemora os seus 25 anos de existência. No segundo semestre de 2011, a Embaixada de Portugal em França vai participar nesta comemoração e no agradecimento que todos devemos a quem tem feito um notável esforço pela promoção da lusofonia cultural em França.

Neste final de semana, porque nos aproximamos do "Dia de Camões", sugere-se uma saltada ao stand 505 do Marché de la Poesie, na place Saint-Sulpice, onde a Chandeigne apresenta uma cuidada edição bilingue dos Sonetos de Luís de Camões.

sexta-feira, maio 27, 2011

Van der Saar e o Azevedo

Por compromissos da vida, não vou poder ver em direto a final da "Champions League", hoje à noite. E assim vou perder a despedida de Van der Saar, do Manchester United, que considero um dos melhores guarda-redes de sempre.

O futebol vive muito concentrado em quem pode fazer golos e menos em quem os pode evitar. É claro que um guarda-redes, por regra, não ganha os jogos, mas pode fazer a equipa perdê-los. Que o diga o Benfica de 2010/2011...

O lugar do guarda-redes é o mais ingrato de toda a equipa. Já alguma vez se colocaram na linha de golo, dentro de uma baliza? São 7 metros e 32 de poste a poste, com a trave que as liga a 2 metros e 44 do chão. À frente, a marca dos penaltis é a 11 metros. Parece longe, mas, vista da baliza, é logo ali, podem crer. Repito: se nunca experimentaram, coloquem-se um dia numa baliza, para poderem melhor apreciar a dificuldade do mais ingrato lugar do futebol.

Van der Saar deu-me sempre a ideia de ser o guarda-redes ideal para gerar confiança a uma equipa. Com o ar falsamente "boyish" dado pelos cabelos espetados, de fácies algo angustiado, denotando extrema concentração, vi-o fazer maravilhas perante situações impossíveis. A seleção holandesa e o United devem-lhe muitas horas felizes. 

Mas é claro que Van der Saar não é "o" Azevedo... 

Para quem o não saiba, convém explicar que o Azevedo é algo que faz parte da mitologia do Sporting. Trata-se de um guarda-redes que ganhou foros de lenda, nos tempos em que o clube era vitorioso em campeonatos nacionais, quase com a mesma facilidade com que o Porto agora o faz. Apenas algumas fotografias nos restam do Azevedo (aqui está uma), o qual, um dia, terá mesmo terminado um jogo de braço ao peito! 

Recordo-me que o meu pai, leão sofredor (o tempo tem consagrado a expressão como pleonasmo), durante décadas, quando se falava da qualidade de um qualquer grande guarda-redes do Sporting, de Carlos Gomes a Damas, relatizava sempre: "mas está muito longe de ser o Azevedo...". Eu não tinha argumentos para contrariar, nunca vi jogar o Azevedo, até pela simples razão de que ele terminou a sua carreira um ano antes de eu nascer! Mas, aqui entre nós, acho que o Van der Saar não lhe deve ficar longe. É a melhor homenagem que um sportinguista lhe pode prestar.

Jóias

É uma atividade económica muito particular, onde a indústria de confunde com a arte. Ontem, apresentámos na Embaixada, para jornalistas, profissionais e alguns convidados, um conjunto de jóias produzidas em Portugal, no norte, pela Rosior. Pelas reações ouvidas, a exposição dessas peças únicas surpreendeu pela positiva.  

A imagem de Portugal, num mercado tão exigente como Paris, também se faz destas mostras daquilo que o país produz, com grande qualidade e rigor na promoção comercial.

quinta-feira, maio 26, 2011

A política e o ridículo

Tendo em atenção o facto das canções em flamengo não constituirem uma base musical que possa comparar-se à produção existente em língua francesa, nomeadamente em termos de popularidade, o metro de Bruxelas tomou a sábia decisão de passar a colocar no ar, como música ambiente, apenas canções em inglês. O objetivo é preservar o equilíbrio a que o estrito biliguismo franco-flamengo (duvido mesmo que seja legal usar este termo) obriga.

Quase que dá vontade de pedir uma "chance" para o esperanto. Mas "chance" é francês, cuidado.

Jornal da tarde

Senti que havia qualquer coisa de Lisboa, anos 70, no Paris de hoje. 

Num restaurante da "rive gauche", a animação da chegada do vendedor do "Le Monde", à hora do café, no fim do almoço, que João Gomes Cravinho e eu pudémos testemunhar, fazia lembrar (a mim, porque ele não tem idade para isso) o surgimento dos ardinas, na tarde lisboeta, a anunciar o "Diário de Lisboa" e os restantes vespertinos. Mesmo a impublicável graça com que o "Monde" foi anunciado.

Será também por isso que Paris "diz" tanto a uma certa geração portuguesa.

"Kill the messenger"?

Há uns tempos, quando uma aluna agrediu uma professora que lhe retirara o telemóvel numa aula, recordo que o primeiro cuidado foi procurar saber quem filmara a cena e a colocara no YouTube, para a respetiva responsabilização criminal. 

Agora, perante a difusão, pela internet, de  brutal agressão de que uma adolescente foi objeto por parte de duas colegas, a televisão portuguesa entrevistou "sumidades" sobre a gravidade... da filmagem e difusão da cena. Com a descoberta de que o "realizador" tem antecedentes criminais, as consciências acalmaram-se. 

A divulgação de ambas as cenas, independentemente da motivação de quem o fez, acaba por ter um efeito pedagógico. Eu diria mais: acaba por permitir que alguém trate dos factos ocorridos, o que provavelmente não aconteceria se o YouTube não tivesse intervindo.

quarta-feira, maio 25, 2011

Dobragem

Nunca, em toda a minha vida, vi um filme ou um episódio completo de uma série televisiva que fosse objeto de dobragem. É uma opção pessoal, de que nunca me afastei. Tendo vivido em alguns países em que a dobragem das séries estrangeiras era a regra, há muita coisa que não vi e outra que tive de comprar em DVD. 

A primeira vez que recordo de me ver confrontado com uma dobragem terá sido em Verin, em Espanha, nos anos 60. Na sala de estar do único hotel daquela vila, desatei às gargalhadas, para espanto dos restantes clientes, ao ouvir, na série televisiva "Bonanza" (quem se recorda?), passada no Texas americano, as exclamações ingénuas de Hoss, ditas em castelhano. Há pouco tempo, noutra cidade espanhola, apareceu-me, na televisão do quarto de hotel, o "Casablanca" dobrado. Foi como assistir a uma comédia, particularmente para quem, como eu, conhece, de cor, diálogos de certas cenas. Para bem se entenderem os malefícios da dobragem, basta que se imagine em que "estado" ficariam os ditos lisboetas de Vasco Santana ou de António Silva se "O Pátio das Cantigas" fosse dobrado em espanhol...

Hoje, assisti, por minutos, à cena mais ridícula a que dobragem pode conduzir. Tratava-se de um diálogo entre uma escocesa e um inglês. A totalidade da graça subjacente ao texto tinha a ver, não apenas com a fonética e as diferenças no sotaque, mas igualmente com alguns trocadilhos, que só seriam possíveis de entender em língua inglesa. Pressentia-se essa graça "ao longe", por detrás da dobragem, mas apenas para quem conseguisse presumir o texto original. Um puro absurdo. Em francês.

A indústria da dobragem é uma "mina" para os atores, pelo que é imensamente protegida por esse lóbi e por um comodismo da habituação no público, que acaba por funcionar em detrimento de um melhor conhecimento das línguas estrangeiras. Em alguns países ainda tem, como justificação com fundamento "democrático", a existência de analfabetismo e a necessidade de facilitar a essas pessoas o acesso ao conteúdo dos filmes. Só que esse argumento não colhe, aqui em França.

Em tempo: reconheço que a dobragem de filmes infantis é um caso bem diferente

Lobo Antunes

Há um notório fascínio, em França, pela escrita de António Lobo Antunes. Com exceção de dois dos seus livros, toda a obra do escritor português está já traduzida em francês. Ontem, no centro cultural da Gulbenkian - que estás prestes a mudar de endereço, aqui em Paris - Lobo Antunes falou, para umas largas dezenas de atentos ouvintes, sobre o modo como um livro nasce.

Na sua exposição solta, de mais de uma hora, deu exemplos curiosos sobre a experiência de alguns autores e, com grande franqueza, não se eximiu a expor a sua (às vezes chocante) hierarquia de preferências literárias, dando também notas sobre o modo como avalia o estado atual da literatura em diversos países. Na resposta a uma pergunta, referiu que talvez nunca viesse a escrever "o" livro, considerando que a consumação de uma obra, para um escritor, seria o "encadernar da vida". E, citando John dos Passos, concluiu que escrever é, no fundo, "passear pela rua".

A contrastar com a cruel ironia que marcou muito da sua palestra, pude observar, horas depois, toda a frágil sensibilidade do escritor exposta na emoção com que evocou, num pequeno grupo, a saudade do seu íntimo amigo Ernesto Melo Antunes.  

terça-feira, maio 24, 2011

Ainda Strauss-Kahn

Pode parecer excessiva a insistência sobre o caso de Dominique Strauss-Kahn. A verdade, porém, é que isso mais não corresponde do que à importância que o assunto assume aqui em França, onde é objeto de comentários por parte de qualquer cidadão, no exercício daquilo a que Jean-Luc Godard chamava o "direito à impressão". Dando também razão à ironia clássica de Oscar Wilde segundo a qual "só as pessoas superficiais é que não julgam pelas aparências".

Hoje deixo duas notas, muito diferentes, sobre Strauss-Kahn.

A primeira sobre o seu trabalho à frente do FMI. Relembro apenas o subtítulo do editorial do último "The Economist": "Whatever the man did, do not forsake his ideas: they are more important". Quero com isto dizer que é da maior relevância conseguir preservar, na liderança que lhe irá suceder, o espírito novo que Dominique Strauss-Kahn soube transmitir ao FMI, o modo como conseguiu modular a rigidez e a cegueira dos números, a insensibilidade social que marcou muitos dos "ajustamentos estruturais" liderados e impostos, no passado, por esta instituição de Bretton Woods. Os "developing countries" podem ter muitas reticências sobre a personalidade de Strauss-Kahn, mas é hoje uma evidência que não irão esquecer o modo como ele soube adaptar positivamente a filosofia de atuação da organização. Além disso, vale a pena também ter presente a forma como Strauss-Kahn soube impor o FMI no quadro do G20, como conseguiu reforçar substancialmente os meios financeiros ao seu dispor, contribuindo também para um mais justo posicionamento relativo dos países emergentes no processo decisório dentro do Fundo. O mandato de Strauss-Kahn dentro do FMI foi um imenso sucesso, agora contrastantemente sublinhado pela tragédia pessoal em que está envolvido.

Apenas uma vez, e por breves minutos, me recordo de ter falado com Strauss-Kahn, nos momentos que antecederam um almoço oferecido por Lionel Jospin a António Guterres, em Matignon, creio que em 1999. Nem faço ideia do que falámos. Durante esse almoço, teve lugar uma cena algo caricata. 

A certo momento do repasto (aliás, recordo, com excelentes vinhos), achei que deveria transmitir ao primeiro-ministro português uma informação, que me parecia poder ser-lhe útil na sequência da conversa. Eu estava à esquerda de Jospin, que tinha em frente António Guterres, o qual, por sua vez,  dava a direita a Dominique Strauss-Kahn. Gatafunhei umas notas nas costas de um menu, em que devo ter escrito qualquer coisa do estilo: "Seria importante lembrar a Jospin que..." ou "A França não pode esquecer que..." ou outros comentários do género. Era uma nota para ser lida apenas por António Guterres, porque, lembro-me, tinha elementos algo sensíveis na forma como estavam apresentados. Dobrei o menu e, a um empregado de mesa que passava, pedi que o entregasse ao primeiro-ministro português, do outro lado da mesa. O homem terá entendido menos bem o que eu disse, deu a volta à mesa e passou a minha nota a... Dominique Strauss-Kahn, que estava precisamente à minha frente. 

A conversa entre Jospin e Guterres ia animada e eu não tinha a menor possibilidade de a interromper, para dizer ao ministro da Economia e Finanças francês que a nota não lhe era dirigida, mas sim ao seu parceiro do lado. Embaraçado, gesticulei discretamente para chamar a atenção de Strauss-Kahn, o qual, no entanto, se dedicava a ler, com toda a atenção, aquilo que eu tinha escrito, em letras maiúsculas, desejavelmente "for the eyes only" do meu primeiro-ministro. O governante francês deve ter percebido o essencial do texto. Quando acabou a leitura, olhou para mim, esboçou um sorriso e passou o papel a António Guterres. Enfim, imprudências que se cometem...   

Saudades de Woody Allen

Durante anos, fui um consumidor compulsivo da obra de Woody Allen. Não vi todos os seus filmes, mas creio ter visto os principais. Como é óbvio, de alguns gosto mais do que de outros, sendo que coloco certos trabalhos seus no registo das obras-primas de estimação. Allen é uma personalidade genial, como raras que aparecem na história do cinema.

Há dias, fui ver "Midnight in Paris", o seu último trabalho. É um filme "certinho", para consumo fácil, uma caricatura quase "turística" de Paris, recheada de clichés. Trata-se de uma imagem da capital francesa e da história mitificada da sua vida intelectual, desenhada por um americano culto que retrata alguns que o são menos, o qual tem a (superior) qualidade de, uma vez mais, utilizar atrizes (ou quase) bastante bonitas. Enfim, Allen converteu-se hoje num eficaz autor comercial, tecnicamente muito competente, mas um mero criador de produtos de que facilmente nos esquecemos, minutos depois de saírmos da sala de cinema.

Que saudades de "Annie Hall", "Hannah and her sisters", "Crime and Misdemeanors" ou "Zelig" !

segunda-feira, maio 23, 2011

Notícias da lavoura

No auge dos tempos revolucionários de 1975, o Alentejo vivia sob as movimentações da Reforma Agrária, com a ocupação das propriedades rurais e o ataque aos respetivos detentores - os "grandes agrários", tidos como historicamente responsáveis por graves injustiças sociais e económicas, autorizadas e protegidas pela lei e pela repressão policial, durante a recém-abolida ditadura. "A terra a quem a trabalha" era o lema que dava corpo a um movimento tendente a forçar uma reversão de poder, onde o Partido Comunista Português teve grande influência, nele se destacando a criação das UCP's (Unidades Coletivas de Produção), estruturas emblemáticas no novo modelo produtivo em expansão nas grandes propriedades. A realidade agrária alentejana iria ter impactos muito fortes nos equilíbrios da governação do país, podendo considerar-se que, durante vários anos, marcou fortemente a evolução da política interna portuguesa, muito embora o saldo final de toda essa turbulência tenha ficado muito longe dos objetivos revolucionários originais.

Com a Reforma Agrária a marcar então, quase quotidianamente, a agenda política nacional, passava-se, na televisão portuguesa, um fenómeno bizarro, quase marginal mas que, visto à distância, não deixa de ter alguma curiosidade. Sobrevindo do tempo anterior ao 25 de abril, mantinha-se na grelha de emissão da RTP o programa "TV Rural", dirigido pelo engº Sousa Veloso, uma figura sorridente e cordial, que anos de presença regular no écran haviam transformado num visitante virtual da casa de todos os portugueses. E de que falavam os programas de Veloso? Da "outra" vida rural, da "lavoura", de experiências agrícolas e de práticas de produção tidas por exemplares. Enquanto no Alentejo arrancavam as campanhas mobilizadoras para a viabilização produtiva das UCP's ou das novas cooperativas, Sousa Veloso mostrava-nos, impávido aos ventos da Revolução, a glória da pêra-rocha do oeste, a safra desse ano dos melões de Almeirim, os resultados do combate ao míldio nas uvas do Dão ou as novas técnicas usadas no azeite da terra quente transmontana. Nem uma palavra sobre o Alentejo!

O blogue de um embaixador de Portugal, neste "verão quente" da política portuguesa, pode, por razões que a obviedade explica, ser comparado ao "TV Rural" de Sousa Veloso. Digo isto para que não estranhem que, nestes tempos mais próximos, eu me continue aqui a ocupar apenas da minha "lavoura".

Narrativa

Começou em Portugal há poucos anos, insinuou-se em alguns discursos - primeiro nos académicos, depois nos mais vulgares -, foi retomada, como nota de procurada erudição, pela imprensa escrita (neste sábado, contei-a um monte de vezes em vários textos no "Expresso") e agora persegue-nos por todo o lado, dos blogues à conversa: é o uso intensivo da palavra "narrativa". 

Estejam atentos! É um dos vocábulos da moda. Dele não vem mal nenhum ao mundo, mas a mim irrita-me, por ser hoje produto de uma espécie de mimetismo. Neste blogue, garanto, não haverá nunca "narrativas"...

domingo, maio 22, 2011

DSK e as siglas

O destino do antigo diretor-geral do FMI e putativo candidato socialista à presidência francesa, Dominique Strauss-Kahn, continua a dominar o mundo mediático local. As televisões despacharam correspondentes para Nova Iorque, que dizem mais ou menos aquilo que opinam os nossos esforçados enviados, mas, nem por isso, os telejornais têm um minuto que seja a mais, para além dos 30 habituais. Em Portugal, bem deveria aprender-se com este exemplo.

Strauss-Kahn é aqui vulgarmente referido na imprensa escrita pela sua sigla do seu nome - DSK. Ontem, dei comigo a tentar lembrar-me a quem esta simplificação nominal também se aplicou ou aplica aqui em França. Pode ser que haja outros, mas, de memória, só vejo os seguintes: o desaparecido jornalista e político Jean-Jacques Servan-Schreiber (JJSS), a atriz Brigitte Bardot (BB), o jornalista televisivo PPDA (Patrick Poivre d'Arvor), a antiga ministra Michèle-Alliot Marie (MAM), o filósofo Bernard-Henri Lévy (BHL) e a ministra do Ambiente, Nathalie Kosciusko-Morizet (NKM). 

Não é fácil uma justificação para a ocorrência destes diferentes casos e, em especial, para não haver muitos outros. A única destas siglas que representa um acrónimo (isto é, que se lê como uma palavra) é "MAM" e há quem diga que o estilo pessoal "régalien" da antiga ministra pode também ter ajudado a fixá-lo. No caso de JJSS, a sua frustrada tentativa de reproduzir na Europa um estereótipo americano, na senda de Kennedy (JFK), terá contribuído para a criação da sigla. Nas restantes siglas, a sonoridade fácil de BB e PPDA e a complexidade dos dois outros nomes (com as consoantes H e K a reforçarem a "estranheza" fonética) igualmente podem ser uma justificação. Mas não sei se estarei certo. Verdade seja que ser identificado mediaticamente por uma sigla acaba por ser um fator distintivo bastante prestigiante, porque traduz um duplo reconhecimento público (o nome e a sigla que o simplifica). Tenho a sensação que nenhum político desdenharia essa possibilidade. Diria mesmo mais: todos lutariam para a obter.

Não conheço bem a situação noutros países. Nos Estados Unidos, surgem-me à ideia Franklin Delano Roosevelt (FDR) e John Fitzgerald Kennedy (JFK), ajudados, no presente, pelo facto de, no primeiro caso, dar o nome a uma importante artéria de Nova Iorque (FDR Drive) e, no segundo, a um aeroporto da mesma cidade (JKF Airport). Com um grau diferente de popularidade, aparece LBJ (Lyndon Baines Johnson), vice-presidente e sucessor de Kennedy, que se presume tenha começado a ser designado por uma sigla na senda da daquele. No Brasil, julgo que há apenas três nomes que a imprensa consagrou como siglas: os antigos presidentes Juscelino Kubitchek (JK) e Fernando Henrique Cardoso (FHC), bem como desaparecido político baiano António Carlos de Magalhães (ACM).

Desconheço o que passa noutros países, mas noto que, por exemplo, no Reino Unido não há esse costume, muito embora a importância da sua imprensa tablóide, com títulos garrafais a incitar à simplificação, pudesse ajudar a isso.

E em Portugal? Não me recordo de algum político ou figura pública* objeto de designação simplificada por uma sigla. Salvo um velho jogador do Vitória de Setúbal, Jacinto João, que a imprensa sempre designava por JJ. Sigla idêntica à que, nos anos 60 e 70, utilizávamos informalmente para um professor universitário, que o destino viria a trazer para as páginas dos jornais. Também por razões de justiça.

* Em tempo: os comentários começam a corrigir este post 

Falhas detetadas no texto
Em França: VGE (Valéry Giscard d'Estaing)
Em Portugal: MEC (Miguel Esteves Cardoso), BB (Baptista Bastos), PQP (Pedro Queiroz Pereira), EPC (Eduardo Prado Coelho) e APV (António-Pedro de Vasconcelos)

sábado, maio 21, 2011

Campanha eleitoral

Imagino que alguns possam entender que não fica bem a um embaixador de Portugal confessar isto, mas devo dizer que tive uma imensa (e, até agora, íntima) surpresa ao constatar que, oficialmente, a campanha eleitoral, em Portugal, só hoje é que vai começar...

Mas, muito a sério, vote!

Fim do mundo

Hoje, segundo alguns setores religiosos nos Estados Unidos, é o dia em que o mundo vai acabar. Não sabemos a hora, mas convém aproveitar o que ganhamos com a diferença dos fusos. Até amanhã.

sexta-feira, maio 20, 2011

Schengen

E volto a lembrar o Luxemburgo, onde fica a pequena localidade de Schengen, que deu o nome ao acordo de que tanto se fala.

O acordo de Schengen, que prevê a livre circulação de pessoas num muito alargado espaço dentro da União Europeia, foi uma das mais emblemáticas conquistas do processo integrador do continente. Portugal revelou-se um dos países mais impulsionadores do início do projeto, através de Vitor Martins, o secretário de Estado dos Assuntos Europeus que me antecedeu, como sempre fiz questão de sublinhar. E a ele nos temos mantido fiéis, a partir de então.

Todos os países aderentes a Schengen tiveram, desde sempre, a consciência de que haveria alguns riscos associados à fixação desta zona de liberdade de movimentos. Muitas dessas preocupações, à época, ligavam-se à criminalidade interna. Recordo-me que, um dia, em Bruxelas, nos anos 90, quando alguém louvou publicamente, numa reunião, a maravilha que iriam ser as facilidades de deslocação de turistas da Bélgica para as belas cidades italianas, alguém ter comentado: "... e dos mafiosos da Sicília para cá!". Mas as grandes discussões iniciais em Schengen estavam centradas na questão do reforço das fronteiras externas, em especial dos aeroportos, pela consciência que se tinha de que a fragilidade revelada por qualquer dos países integrantes acabaria por se repercutir sobre a generalidade dos parceiros. E, diga-se, a peculiaridade da situação geográfica italiana, que hoje domina o debate, era, já então, o centro das atenções.

Durante seis meses, em 1997, Portugal presidiu ao acordo de Schengen. Organizámos então uma importante reunião de ministros em Lisboa, na qual, devo hoje confessar pela primeira vez, como alguns especialistas portugueses então lá presentes poderão testemunhar, só consegui fazer vingar um compromisso final... pela fome! Prolonguei a reunião por horas, com sucessivos "drafts", até conseguir o que pretendíamos. O almoço oferecido aos delegados, no CCB, só começou quase às 4 horas da tarde, com alguns a perderem aviões.. Nessa reunião foi longamente debatida a questão da calendarização do processo de adesão da Itália. O ministro italiano do Interior tão contente ficou com a fórmula que adoptámos que, no final, me pregou dois repenicados beijos na cara. Chama-se Giorgio Napolitano e é hoje presidente da República do seu país. Durante a presidência portuguesa da UE, em 2000, acabaria por ser graças a ele, como presidente da comissão institucional do Parlamento Europeu, que conseguimos o "avis" que permitiu o lançamento da negociação da Conferência Intergovernamental. A Europa faz-se também destas retribuições.

O compromisso de Lisboa consagrou também, entre outras conclusões, aspetos importantes da ligação de Schengen à zona nórdica de livre circulação, que inclui países não membros da União Europeia, como a Noruega e a Islândia, num período que era ainda distante do que viria a ser o grande alargamento da UE - que acabou por acarretar novas questões para o acordo. E fomos também nós quem lançou as bases para o lançamento do importante sistema de informações pessoais, sem o qual Schengen não poderia funcionar. Curiosamente, anos mais tarde, em 2007, voltaria a ser Portugal a estar no centro da melhoria desse mesmo sistema, durante a presidência portuguesa da UE, em 2007.

Hoje, o funcionamento de Schengen, um acordo agora plenamente integrado na UE (coisa que não era em 1997), é objeto de algumas fortes críticas, sob pressão dos novos problemas criados pelos fluxos migratórios externos e pela emergência de dificuldades sentidas em alguns países, onde mobiliza as agendas políticas internas, em temáticas ligadas à imigração e à criminalidade. Algumas salvaguardas, cumulativas às que já existem, podem, assim, vir a ser necessárias, numa eventual revisão do acordo. Tenho esperança, contudo, que elas não venham a colocar em causa o essencial do sistema. Porque Schengen, na sua essência, constitui uma das faces mais significativas da integração europeia.

O estado da bola

Um amigo, que tem tempo para pensar, fez-me chegar a seguinte questão:

"Porque é que neste país em que nada funciona, funciona tão bem o futebol? Que regras o regem que não são utilizadas nos demais sectores? Como se poderia adaptar o modelo do futebol aos demais sectores do país, económicos e outros? "

Não sendo eu tão radical quanto à constatação de que em Portugal nada funciona, não deixo de considerar pertinente este questionamento.

quinta-feira, maio 19, 2011

Música

Há uma caricatura, frequentemente tida por regra, segundo a qual a vida de um diplomata é feita entre cocktails e outros momentos tidos por lúdicos. Não é esse o nosso quotidiano, muito longe disso, podem crer.  Mas esses momentos, às vezes, acontecem.

Ontem, ao final de um dia cansativo de trabalho, devo dizer que me fez muito bem ir ouvir, a convite e na residência do meu colega luxemburguês, um magnífico espetáculo de música dos séculos XVII e XVIII, interpretada pelo conjunto Artemandoline. Uma curiosidade: trata-se de um grupo luxemburguês composto por músicos de várias origens... mas nenhum luxemburguês! Quase estranhei não ver um português entre eles, tal a dimensão da nossa comunidade local. O Luxemburgo é um excelente exemplo da riqueza da diversidade europeia.

No final, todos elogiávamos o espetáculo, mas as conversas convergiam, maioritariamente, sobre as peculiaridades da justiça americana e a saída da prisão de Dominique Strauss-Kahn, de que tínhamos acabado de ter conhecimento. A França, dividida e interrogativa, continua a viver esta questão como tema central de polémica e curiosidade.

Saí cedo, porque ainda queria ver o debate eleitoral da noite portuguesa. É que a nossa música é outra. 

"L'air du temps"

Não há necessidade de revelar em que ministério isto se terá passado, já há bastante tempo.

Uma tarde, um elevador parou num andar. Uma senhora entrou, logo seguida de um governante da época, acompanhado por colaboradores. Amável, o político perguntou-lhe:

- Para que andar vai?

- Para o quarto, por favor.

Reação pronta e risonha do governante:

- A esta hora?

A história é verdadeira. Tendo em conta “l’air du temps”, apeteceu-me recordá-la.

quarta-feira, maio 18, 2011

Azul

Merecida e incontestável vitória da onda azul do Porto - sem a menor dúvida a melhor equipa portuguesa da atualidade. Esta conquista da competição sucessora da Taça das Cidades com Feiras completa uma bela época.

Foi bonita uma final portuguesa em Dublin, embora o futebol jogado estivesse muito abaixo daquilo que seria de desejar. Como se costuma dizer, o Braga foi um "digno vencido". Mas foi também sido um merecido derrotado.

Neste mesmo dia em que o Lille, aqui em França, acaba praticamente de ganhar o título nacional, dias depois de ter vencido a Taça, não me posso esquecer que assisti, há meses, precisamente em Lille, àquela que hoje se sagrou como a melhor equipa de França a ser derrotada por 3-1 pelo Sporting, com uma equipa quase de reservas. Ia-nos valer de muito...

terça-feira, maio 17, 2011

Délio Machado

Chegou-me a notícia: morreu, em Vila Real, Délio Machado. Imagino que a esmagadora maioria dos leitores deste blogue não faça a menor ideia de quem ele era. Tratava-se de um homem simpático, na casa dos 80 anos, com um permanente sorriso, uma figura cuja imagem fazia parte do meu cenário da cidade, desde a infância. De uma família visceralmente "republicana" (vocábulo para significar "democrata"), foi um cíclico activista nas escassas aberturas "eleitorais" do Estado Novo.

No pequeno mundo que era Vila Real, no final dos anos 60, aproximei-me dele por via da política. Ele era um moderado, num tempo em que eu era um radical. Recordo, por exemplo, discordarmos fortemente sobre o modo de abordar o tema da política colonial. Trabalhámos juntos, e conhecemo-nos melhor, na montagem da máquina da Comissão Democrática Eleitoral, que, em Vila Real, concorreu às "eleições" de 1969. No alto dos meus 21 anos, com ele e com Otílio de Figueiredo, coube-me então a honra de integrar a delegação que fez a entrega formal da lista oposicionista do distrito ao Governador civil do regime.

Délio Machado era um eficaz operacional político. No seu rápido NSU - ele que foi sempre um homem dos automóveis - corremos "seca e meca" a tentar mobilizar figuras tidas como "gente fixe", em diversas localidades, pessoas que tinham estado "conosco" (não comigo, claro) nos tempos "do Norton e do Delgado". Tivemos então algumas boas surpresas, muitas outras desilusões e, numa tarde, escapámos por uma unha negra a uma sova de varapau em Abaças, ameaçados por gente da "situação". No final dessa bela aventura política, levámos uma já esperada "abada", sob a criativa aritmética de resultados da ditadura. Mas divertimo-nos imenso. E ficámos, para sempre, com uma relação de amizade e solidariedade.

Passaram, entretanto, quatro décadas. A vida fazia com que nos encontrássemos apenas a espaços, nas minhas passagens por Vila Real. Falávamos da política de hoje e recordávamos, por vezes, episódios dessa intensa jornada de outrora. Chegámos mesmo a planear organizar algo para fixar a memória desses tempos. Tal, porém, nunca se proporcionou.

Há poucos anos, teve a amabilidade de me oferecer a sua documentação política, que ainda não tive oportunidade de tratar. Agradeci-lhe o gesto, numa visita que lhe fiz, no lar onde estava alojado, no último dia de 2009, a desejar-lhe um bom ano. Não tive possibilidade de lhe ir dar um novo abraço, como era minha intenção, no final do ano passado. E, agora, já não o posso fazer.

Justiça

Todos vivemos, desde há décadas, com o mundo judicial americano perante os nossos olhos, pelas centenas de filmes e séries que fomos consumindo, pelas cenas das audiências e de interrogatórios cruzados que fazem parte do nosso imaginário.

Um dia, na minha adolescência, fui assistir, presencialmente, a um julgamento num tribunal português. Lembro-me de ter ficado surpreendido, porque a realidade que observava, em toda a sua liturgia e coreografia, era substancialmente diferente daquilo que eu considerava normal. É que a "normalidade", para mim, eram Perry Mason e outras personagens desse universo judicial onde se jura sobre a Bíblia.

Lembrei-me disto ao ver, há minutos, já não em ficção mas em crua realidade, Dominique Strauss-Kahn, com algemas nos pulsos, a comparecer, sob a curiosidade das câmaras de todo o mundo, a um tribunal novaiorquino. Chocou-me o tratamento humilhante a que um suspeito é sujeito nos Estados Unidos, numa exposição cruel e prematura da sua imagem, sem direito à uma proteção salvaguardadora da presunção legal de inocência, nesta fase primária do seu processo.

Dir-me-ão que cada sistema judicial tem as suas regras, que a justiça americana é eficaz e deve ser respeitada nos métodos que utiliza, pelos vistos aceites pelos seus cidadãos. Concedo que assim possa ser. Contudo, ninguém me pode negar o direito de pensar que, tal como considero bárbara e inaceitável a pena de morte, tal como lamento que os EUA eximam os seus cidadãos ao Tribunal Penal Internacional, há aspetos do sistema americano de justiça que ficam muito àquem dos valores de civilização a que devo obediência. Mesmo sem Bíblia.

Gosto demasiado da América para me privar do dever de dizer aquilo que nela não gosto.   

BOAS FESTAS!

  A todos quantos por aqui passam deixo os meus votos de Festas Felizes.  Que a vida lhes sorria e seja, tanto quanto possível, aquilo que i...