quarta-feira, maio 25, 2011

Dobragem

Nunca, em toda a minha vida, vi um filme ou um episódio completo de uma série televisiva que fosse objeto de dobragem. É uma opção pessoal, de que nunca me afastei. Tendo vivido em alguns países em que a dobragem das séries estrangeiras era a regra, há muita coisa que não vi e outra que tive de comprar em DVD. 

A primeira vez que recordo de me ver confrontado com uma dobragem terá sido em Verin, em Espanha, nos anos 60. Na sala de estar do único hotel daquela vila, desatei às gargalhadas, para espanto dos restantes clientes, ao ouvir, na série televisiva "Bonanza" (quem se recorda?), passada no Texas americano, as exclamações ingénuas de Hoss, ditas em castelhano. Há pouco tempo, noutra cidade espanhola, apareceu-me, na televisão do quarto de hotel, o "Casablanca" dobrado. Foi como assistir a uma comédia, particularmente para quem, como eu, conhece, de cor, diálogos de certas cenas. Para bem se entenderem os malefícios da dobragem, basta que se imagine em que "estado" ficariam os ditos lisboetas de Vasco Santana ou de António Silva se "O Pátio das Cantigas" fosse dobrado em espanhol...

Hoje, assisti, por minutos, à cena mais ridícula a que dobragem pode conduzir. Tratava-se de um diálogo entre uma escocesa e um inglês. A totalidade da graça subjacente ao texto tinha a ver, não apenas com a fonética e as diferenças no sotaque, mas igualmente com alguns trocadilhos, que só seriam possíveis de entender em língua inglesa. Pressentia-se essa graça "ao longe", por detrás da dobragem, mas apenas para quem conseguisse presumir o texto original. Um puro absurdo. Em francês.

A indústria da dobragem é uma "mina" para os atores, pelo que é imensamente protegida por esse lóbi e por um comodismo da habituação no público, que acaba por funcionar em detrimento de um melhor conhecimento das línguas estrangeiras. Em alguns países ainda tem, como justificação com fundamento "democrático", a existência de analfabetismo e a necessidade de facilitar a essas pessoas o acesso ao conteúdo dos filmes. Só que esse argumento não colhe, aqui em França.

Em tempo: reconheço que a dobragem de filmes infantis é um caso bem diferente

20 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente, aliás até em termos de coerência de expressividades causa impressão.
Isabel seixas

Anónimo disse...

Perfeitamente de acordo....

Anónimo disse...

Sempre fui da sua opinião, mas a paternidade levou-me a descobrir uma exceção: os filmes para crianças. E mais: descobri filmes onde considero que a dobragem tem melhor qualidade que o original, mesmo perdendo alguns trocadilhos. É o caso, por exemplo, da edição portuguesa do Livro da Selva.
António Antunes

Felipa Monteverde disse...

Ainda bem que em Portugal não há esse costume, que também abomino, embora tenha aprendido espanhol através desse sistema (sou autodidata em muitas coisas).
Uma das coisas que sinto falta é das séries em língua estrangeira: italiano, francês, alemão, búlgaro, etc. Aprendíamos muito com elas. Atualmente digo aos meus filhos certas palavras nessas línguas e eles ficam a olhar aparvalhados, só percebem inglês (americano) e um niquinho de francês...

Rui Franco disse...

Sim, também detesto dobragens.

Sim, as dobragens recentes de filmes de animação conseguem ser melhores do que o original (ver o burro do Shrek).

Sim, a dobragem tem um fim "político" inegável e que é evitar a sobreexposição da população às influências linguísticas estrangeiras.

Não, não somos melhores do que os outros por não dobrarmos as coisas. Pelo contrário, aquilo que vemos é que apesar de passarmos a vida a gabar-nos da nossa "abertura" e do nosso "jeito para línguas", ainda não consegui entender em que é que isso nos valeu, vale ou valerá de alguma coisa porque continuamos a não sair da cepa torta...

A "nhurrice" linguística de alguns povos mais não é do que um fantástico pretexto para fazer com que os outros tenham de se adaptar a eles. Compare-se a situação entre o Português e o Castelhano e a hierarquia estabelecida entre os seus falantes para entender o que eu digo...

Leia-se José Gil e o seu "O medo de existir". Portugal, o país onde nada se "inscreve"...

A. disse...

Bem sei que colocou entre aspas a palavra, ao escrever que a dobragem é uma "mina" para os atores. Está longe de o ser.
É, sim, uma forma de ajuda (pequena) à sobrevivência, numa profissão que só muitíssimo raramente se descobrem "minas".

Filipe disse...

A dobragem mais ridícula que vi foi em França. O filme original era falado em inglês, mas nele, o personagem viajava para frança para aprender francês. Ora, na versão dobrada, o filme era todo falado em francês, mas quando o personagem estava na aula de francês, falava mal o francês, como no filme original em inglês. No resto do filme, falava francês perfeito. Enfim, é difícil de explicar. Eu também não compreendi à primeira, e se não tivesse visto o original em inglês, acho que não iria perceber nada do argumento.

Anónimo disse...

De longe, as 'melhores' dobragens são (ou eram) as polacas: a mesma criatura debita tudo, seja o texto para mulher, homem, criança, gato, minhoca ou elefante. "EXQUIS"!
Abomino dobragens, ça va vas sans dire.

Anónimo disse...

Em 1979, num almoço em Tuxedo (sim), tive o gosto de dizer ao Woody Allen (sim) que já o vira a fazer trocadilhos em italiano, experiencia que ele proprio com certeza nunca tivera. Tinha revisto recentemente em Roma o Everything y.a.w.t. k.a.s.(b.w.a.t.a.) dobrado (não me lembro do título em italiano) em que o humor judeu novayorkino era substituido pelo feroz humor romano. Bom, claro, mas outro filme.
Ex vizinho

Miguel Ferreira disse...

Estive recentemente na Polónia onde assisti a algo ainda mais impressionante... A dobragem é feita por cima do som original (sem o retirar, pelo que se continua a ouvir ao fundo o Inglês) e todas as personagens são dobradas pela mesma voz masculina (sim, mesmo as mulheres).
Fiquei estupefacto durante uns 5 minutos a olhar para a TV até ter a certeza que era mesmo assim.

Helena Sacadura Cabral disse...

Também não aprecio dobragens. Nem sequer a tradução de nomes simbólicos, como me aconteceu em Madrid, ao ouvir dizer "Las Piedras Rolantes" como versão dos míticos Rolling Stones!

Anónimo disse...

A existência da dobragem tem uma razão essencilamente comercial - todos os grandes mercados dobram os filmes e as séries de televisão. Não pode existir uma condenação "moral" da dobragem - como o provam as versões dobradas em português de filems de fundo de animação com elevada qualidade - exisrindo apenas um preconceito cultural derivado do hábito e da má qualidade de allgumas dobragens.Em termos artísticos está por provar que os danos causados pelas legendas ao correcto visionamento do filme sejam substancialmente menor do que uma dobragem de qualidade,

Julia Macias-Valet disse...

Nao me digam que nao gostam de ver os filmes do Arnold Schwarzenegger dobrados em espanhol ????... e no fim tomar um "Juanito Caminante" ou um "7 Arriba" ???

Agora fiquei decepcionada com estes comentadores ! : )))

patricio branco disse...

Pessoalmente, gosto da dobragem.
Bem feita, por bons actores profissionais, tem coisas boas, vantagens:
- não distrai os olhos da imagem, quantas imagens/cenas da representação e cenários do filme se perdem por estar a olhar para baixo a ler
- uma dobragem séria chega a escolher actores com vozes o mais possivel parecidas às dos actores originais, alem de que tambem há um trabalho de actuação, mesmo só com a voz.
- é mais uma fonte de trabalho e rendimento para os actores, coisa importante para a classe, mantem-os a praticar a arte ganhando.
- a dobragem é tambem uma industria, uma actividade economica, dando trabalho a actores, tecnicos, tradutores
- grandes actores fazem dobragem, é parte do seu trabalho;
- há actores especializados para dobrar tal actriz ou actor.
- a sincronização da voz e da boca hoje é perfeita.
- mesmo a boa dobragem de musicais é perfeitamente possivel, aliás lembro-me de ver as historias de wal disney maravilhosamente dobradas por brasileiros, incluindo as canções.

Claro, o melhor é ver a pelicula na lingua original, nem dobrada nem legendada, mas não podemos perceber todas as linguas.
É p.ex. dificil imitar a voz de humprey bogart, mas consegue-se uma aproximação.
Hoje, é possivel ver videos em casa dobrados e legendados, estranhamente as 2 versões são frequentemente diferentes.

Rui Franco disse...

Curioso ver repetido o argumento económico (há que dar trabalho aos atores - os tradutores já são classe baixa), mas ignorado o argumento de "blindagem" cultural.

A nossa cultura é de uma permeabilidade assustadora a tudo quanto é influência estrangeira.

Mas, já se queixava alguém no Séc. XIX: que futuro tem um país onde as "élites" se afirmam estrangeiradas?

Deixem-me ver se consigo acabar isto com uma expressão catita em "estrangeiro"... mmm... ah, já sei: "À demain. Je m'en vais."

Julia Macias-Valet disse...

Ai Patricio Branco, você nem me fale de fazer imitaçoes de vozes...quando em 1990 foi lançado o perfume Trésor da Lancôme em Portugal eu era a responsavél da Conta na Publicis/Ciesa...e passei "as passas do Algarve" mais o pobre locutor que tinha que fazer a dobragem do slogan do anuncio TV.
A minha cliente (francesa) da Parfums et Beauté, a empresa que em Portugal comercializa, a Lancôme, a Biotherm e outras quantas marcas francesas queria "à tout prix" que o voz de um homem português tivesse a mesma entoaçao que a voz de um homem francês...se isso fosse possivel "on le saurais" : )

Aqui vos deixo a versao francesa :
http://www.youtube.com/watch?v=HGfTmAucZb8&playnext=1&list=PL8E89899310BA9DE5

Infelizmente nao consegui encontar a versao portuguesa mas garanto-vos que o resultado da adaptaçao ficou correcta, eu no entanto e apesar de me terem sido oferecidas embalagens de Trésor declinadas em varias interpretaçoes : perfume, cremes varios...nunca o consegui usar...ha perfumes que marcam : (

E lembrei-me duplamente de tudo isto porque a modelo do anuncio era Isabella Rosselini uma das filhas de Ingrid Bergman, a partenaire de Humphrey Bogart em "Casablanca".

O (ou Um certo) mundo é pequeno ; )

Helena Sacadura Cabral disse...

Cara Júlia ri-me com gosto a imaginar o manpower a debitar discurso em espanhol.
Juanito Caminante é demais!

patricio branco disse...

Cara JMV, imitar não é a palavra certa, mas voz com timbre parecido. Escolher alguem para dobrar com uma voz o mais possivel parecida.
Verei o link que indicou.

Julia Macias-Valet disse...

PB, lleva usted toda la razon... : )

Pedro disse...

"Em tempo: reconheço que a dobragem de filmes infantis é um caso bem diferente"

Eu diria que depende da idade; o meu filho aprendeu Inglês sozinho à conta de não ter acesso a dobragens e dos jogos na PSP serem na língua original, a maioria em Inglês; no início ainda lhe traduzíamos os manuais - tarefa complicada -, eu e a irmã, para Português ou Francês, que o rapaz é bilingue, mas depois percebemos que prescindia dos nossos serviços: tinha aprendido sozinho a ler e falar Inglês.

O novo embaixador americano...

... em Portugal, segundo o Inteligência Artificial.