O CDS é uma estrutura de representação política que, a partir de 1974, deu acolhimento democrático a muitos conservadores, a maioria dos quais tinham com o 25 de abril uma relação menos entusiástica - e isto é, obviamente, um irónico “understatement".
Os núcleos do CDS surgiram, mais ou menos a medo, pelo país, perseguidos por uma esquerda que os via como encapotados saudosistas da ditadura e desprezados por uma direita mais radical, que quase os apodava de colaboracionistas com a nova situação. Tiveram menos arte do que o então PPD, na captação das redes do marcelismo, não integraram os primeiros governos provisórios, e tudo isso marcou decisivamente o seu futuro, nomeadamente em termos de poder autárquico, com forte impacto na limitação da sua expressão nacional.
Não deve ter sido fácil "ser CDS" por esses tempos, tanto mais que, à sua imediata esquerda, nascia um partido que, com o andar da vida política em democracia, apareceu a muitos conservadores mais pragmáticos como aquele que melhor garantiria uma fatia imediata de acesso ao poder político - o então PPD. Para este, a existência do CDS era uma bênção, porque assim assegurava que passava a existir uma estrutura à sua direita, que o afastava um pouco desse setor diabolizado do espetro político. Em saldo, e a meu ver, o país ficou a dever ao CDS, por esse tempo, um importante serviço democrático.
O CDS foi sempre um partido de um líder. De início, foi Freitas do Amaral que o titulou, com aquele ar cinquentão de quem tinha uma pose de Estado e apenas trinta e poucos anos de idade. Ao seu lado, como inteligência estratégica, sobressaía Amaro da Costa - que a trágica desaparição em 1980 converteu num eterno mito partidário. É curioso notar que Freitas do Amaral não conseguiu fixar, na história interna do CDS, o lugar afetivo que a sua liderança inicial justificaria. Porquê? Porque, a partir de certa altura, cavalgando ambições próprias, decidiu "fazer pela vida" e iniciou um "never-ended" percurso zigzaguiante de alianças, que deixou aturdidos os observadores políticos e deve ter colocado à beira de um ataque de nervos os seus seguidores originais. Ele, porém, não vê as coisas assim, como o seu recente livro de memórias uma vez mais revela.
Toda a história do CDS é o drama de uma formação que, pela natureza da sua alegada matriz política original, democrata-cristã, internacionalmente relevante ao tempo, se pressentia vocacionada para a partilha uma fatia do poder democrático, mas que começou a ter a consciência de que só minoritariamente a ele poderia ter acesso, por razões que se prendem com a inultrapassável natureza do sistema nacional de representação política.
O CDS nunca foi um partido desejado pelos seus coligados (sejam eles o PSD ou, episodicamente, o PS): esses partidos apenas o aceitam porque necessitam do CDS para arredondar as suas maiorias. E, quando colocados nesse contexto, essoutros partidos têm depois de sofrer o imperioso e natural tropismo do CDS querer afirmar uma identidade programática específica. Porque o CDS sabe que, se acaso se subsumir excessivamente numa maioria que nunca liderará, perderá o seu eleitorado próprio. Por isso, sente-se sempre obrigado a fazer recorrentemente prova de vida ideológica, seja ela o que for.
Quem é que vai hoje para o CDS? Não sei bem. Durante muito tempo, "ser do CDS" estava para a política como ser do Belenenses estava para o futebol, tirando uns teimosos abastados rurais, comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais de província que se estavam nas tintas para o Estado e que tinham a graça de não temerem ser apelidados de "fachos". E, claro, nos tempos pós-Revolução, muitos “retornados” de África ali acolheram as mágoas. Noutras geografias, da Lapa a Nevogilde, era mesmo "bem" ser do CDS, embora se soubesse que o caminho fácil para um conservador ter um futuro político estava mais no PSD.
Ora o PSD é uma formação que, nos dias de hoje, a maioria dos "centristas" (uso a expressão por mera identificação) despreza e apenas tolera, porque a consideram movida, no essencial, por uma filosofia oportunista de ascensão ao poder a todo o custo. É, contudo, a "locomotiva" natural no seu cíclico caminho de partilha desse mesmo poder... Já o PS é, por muita gente do CDS, considerado um partido que disfarça bem uma ambição apenas simétrica à do PSD, encadernando-a com uma ideologia que vende como "social", mas, na realidade, é gente que venera o Estado para melhor viver à mesa do orçamento, com a arrogância acrescida de quem se acha "proprietário" de abril. Quanto ao PCP, bem, para o CSD são "comunas" e isso diz tudo...
Durante muitos anos, praticamente ninguém entrava para o CDS para fazer uma carreira política ou obter grandes benesses por essa via - da mesma maneira que ninguém vai para sócio do Belenenses para ganhar um campeonato. Pelo contrário: muita gente que aderia ao CDS levava já consigo uma carreira e um perfil público que ajudava à imagem do partido, raramente esperando que fosse o partido a ajudá-los. O CDS urbano era um partido de elites, de famílias, com um toque religioso à mistura, para adubar a sua origem ideológica. Um partido de bons “adresses”...
Essa sua matriz específica, que politicamente pouco retribuía, fez com que, ao longo dos tempos, o CDS fosse quase sempre o partido dos amigos do líder da ocasião, que acabava por ser quem "puxava" pelo CDS e, com maior ou menor sorte, lhe dava força eleitoral - desde os tempos do "táxi" a bancadas mais fartas. Eram também esses chefes quem determinava a linha ideológica, por isso muitas vezes errática, num moldável "template" conservador - foi anti-europeísta e soberanista para mais tarde desembocar num quase-federalismo europeu, chegou a ser liberal para depois se refugiar em opções que relevam de um "gaullisme" à moda do Caldas, com toques de "poujadisme". Paulo Portas foi a cara desse CDS mutante, sendo que nunca achei apenas casual o acrescento do PP ao nome do partido...
A pertença ao governo da “troika”, em que o CDS teve um papel relevante, embora polémico no equilíbrio da própria direita, acabou por ter efeitos trágicos no partido. No refluxo dessa experiência, que o PSD também está a pagar, o CSD acabou por ficar com uma liderança “modernaça”, feminina, que parecia poder abrir um tempo novo. Porém, enganou-se totalmente no registo que projetou: foi errática na mensagem, “caceteira” no modo, roçou o populismo, chegou a afirmar despropositadas ambições de liderança da direita. Agora, com o risco acrescido de ver desgastados os seus votos por grupúsculos com agendas sectoriais oportunistas, o CSD parece destinado a vir a ter um dos piores resultados da sua conturbada história.