“Tudo, menos Angola!”. Foi o conselho que recebi quando, por graça, perguntei a algumas pessoas, ligadas a atividades bem diferentes das minhas, sugestões sobre o tema a abordar hoje aqui.
Irrita-me esta obsessiva atitude de tratar com pinças o tema angolano. Enquanto a não ultrapassarmos, a possibilidade das coisas mudarem para melhor mantem-se afastada. Acharia saudável que mais pessoas surgissem nos media portuguesa a falar e escrever sobre Angola. Não para passar “recados” de qualquer um dos muitos lados do tema ou para incendiar irresponsavelmente o ambiente. Mas para escalpelizar friamente cada uma das questões que se abrem, sem suscitar de imediato a suspeição da conspiração ou do frete.
Fui diplomata em Angola nos anos 80, no auge da guerra civil, numa Luanda tensa, com recolher obrigatório nas ruas e estantes vazias nas lojas. Nunca as relações bilaterais estiveram num ponto tão baixo como então. Mais tarde, em Lisboa, vivi de bastante perto a intermediação portuguesa para a paz precária obtida em Bicesse, muito apreciada por Angola. Depois, já no governo, vi esforços sinceros, de ambos os lados, para contrariar a malapata que persiste entre Lisboa e Luanda. Já testemunhei um pouco de tudo neste relacionamento bilateral.
Assisti à quase permanente inabilidade socialista para conseguir estabelecer uma relação estável com Luanda, que sempre deu mostras de apreciar o maior pragmatismo (alguns chamam-lhe outra coisa) da direita lusa. Assisti a “diplomatas paralelos” voarem de Lisboa para Luanda, tentando bons ofícios, apoiados na cumplicidade política ou militar gizada noutros tempos- Depois, foram sucedidos por lobistas com o IBAN no cartão. Não deve haver dimensão da nossa relação externa mais “poluída” do que a que vivemos, nas últimas quatro décadas, com Angola.
Esse mundo, que balança entre a boa vontade e a intriga, convive, lado a lado, com gente séria e disponível para trabalhar lealmente com Angola, profissionais e empresas, de vária dimensão, que procuram estabelecer relações de confiança com os parceiros locais. Tenho observado, do lado português, não obstante as dificuldades que a atual crise angolana suscita, uma extraordinária compreensão para tentar acomodar os efeitos de problemas de que não foram culpados nem ajudaram a potenciar.
É manifesto que Angola se habituou – e não é apenas com Portugal que tal sucede – a confundir algumas águas, entre o oficial e o privado, tirando disso consequências desproporcionadas. Luanda tem de entender que isso não pode ser aceite por nós, sob nenhum pretexto.
Espero que a próxima visita de António Costa a Angola possa contribuir para desfazer alguns equívocos, embora aqui a experiência me recomende a não criar expetativas elevadas a prazo.
O PM português, com certeza, deixará claro o porquê de decisões relevantes no plano bilateral no passado recente, mas igualmente os limites daquilo que está ao seu alcance vir a poder fazer no futuro. A prisão de um seu antecessor é a melhor prova de que a separação de poderes é, por cá, um facto. Angola sabe bem que dependemos, em setores decisivos da soberania, de instâncias que não controlamos, cujas decisões sofremos, e que hoje, mais do que nunca, sobredeterminam as nossas relações com terceiros – por exemplo, no setor financeiro.
Termino com um desejo: que, neste particular, o PCP possa, por uma vez, mostrar-se útil à política externa do seu país.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")