quinta-feira, abril 28, 2016

A contracosta de Angola

“Tudo, menos Angola!”. Foi o conselho que recebi quando, por graça, perguntei a algumas pessoas, ligadas a atividades bem diferentes das minhas, sugestões sobre o tema a abordar hoje aqui.

Irrita-me esta obsessiva atitude de tratar com pinças o tema angolano. Enquanto a não ultrapassarmos, a possibilidade das coisas mudarem para melhor mantem-se afastada. Acharia saudável que mais pessoas surgissem nos media portuguesa a falar e escrever sobre Angola. Não para passar “recados” de qualquer um dos muitos lados do tema ou para incendiar irresponsavelmente o ambiente. Mas para escalpelizar friamente cada uma das questões que se abrem, sem suscitar de imediato a suspeição da conspiração ou do frete.

Fui diplomata em Angola nos anos 80, no auge da guerra civil, numa Luanda tensa, com recolher obrigatório nas ruas e estantes vazias nas lojas. Nunca as relações bilaterais estiveram num ponto tão baixo como então. Mais tarde, em Lisboa, vivi de bastante perto a intermediação portuguesa para a paz precária obtida em Bicesse, muito apreciada por Angola. Depois, já no governo, vi esforços sinceros, de ambos os lados, para contrariar a malapata que persiste entre Lisboa e Luanda. Já testemunhei um pouco de tudo neste relacionamento bilateral.

Assisti à quase permanente inabilidade socialista para conseguir estabelecer uma relação estável com Luanda, que sempre deu mostras de apreciar o maior pragmatismo (alguns chamam-lhe outra coisa) da direita lusa. Assisti a “diplomatas paralelos” voarem de Lisboa para Luanda, tentando bons ofícios, apoiados na cumplicidade política ou militar gizada noutros tempos- Depois, foram sucedidos por lobistas com o IBAN no cartão. Não deve haver dimensão da nossa relação externa mais “poluída” do que a que vivemos, nas últimas quatro décadas, com Angola.

Esse mundo, que balança entre a boa vontade e a intriga, convive, lado a lado, com gente séria e disponível para trabalhar lealmente com Angola, profissionais e empresas, de vária dimensão, que procuram estabelecer relações de confiança com os parceiros locais. Tenho observado, do lado português, não obstante as dificuldades que a atual crise angolana suscita, uma extraordinária compreensão para tentar acomodar os efeitos de problemas de que não foram culpados nem ajudaram a potenciar.  

É manifesto que Angola se habituou – e não é apenas com Portugal que tal sucede – a confundir algumas águas, entre o oficial e o privado, tirando disso consequências desproporcionadas. Luanda tem de entender que isso não pode ser aceite por nós, sob nenhum pretexto.

Espero que a próxima visita de António Costa a Angola possa contribuir para desfazer alguns equívocos, embora aqui a experiência me recomende a não criar expetativas elevadas a prazo.

O PM português, com certeza, deixará claro o porquê de decisões relevantes no plano bilateral no passado recente, mas igualmente os limites daquilo que está ao seu alcance vir a poder fazer no futuro. A prisão de um seu antecessor é a melhor prova de que a separação de poderes é, por cá, um facto. Angola sabe bem que dependemos, em setores decisivos da soberania, de instâncias que não controlamos, cujas decisões sofremos, e que hoje, mais do que nunca, sobredeterminam as nossas relações com terceiros – por exemplo, no setor financeiro. 

Termino com um desejo: que, neste particular, o PCP possa, por uma vez, mostrar-se útil à política externa do seu país.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")

7 comentários:

Portugalredecouvertes disse...


Um texto muito claro Sr. Embaixador
penso que os portugueses têm um grande potencial para dar a conhecer Angola, pela ligação íntima que tiveram, e tenho a certeza que imensa gente teria gosto em conhecer as potencialidades desse grande país, nas várias vertentes: histórica, geográfica, fotográfica, social, intelectual, etc. sem que seja necessário "aquecer" ânimos mal intencionados que só servem para dividir os povos

Retornado disse...

Os africanos detestam paternalismos, e não gostam de atestados de menoridade, principalmente vindos de europeus anti-colonialistas.

Anónimo disse...

Embaixador,nunca estive em Angola, a unica coisa que me "liga" a esse país é que efetivamente foi um território português durante quase 500 anos. Efetivamente nunca existiram grandes periodos de calmaria nas relações entre os dois países, existem muitos interesses que a isso não permitem. Existem muitas pessoas com uma imagem no meu entender muito romantizada sobre Angola,nunca lá estive, mas tenho uma imagem de Angola que não corresponde a essa romantização feita quer por angolnos, quer por portugueses que lá estiveram ou viveram, ou que l+a foram a negócios.

Anónimo disse...

As coisas melhorarão quando o povo angolano puder escolher livremente quem o governa, o que não acontece há 500 anos. Assim que tal suceder, haverá boas relações entre Lisboa e Luanda, quaisquer que sejam os governos nas duas capitais. Antes não.

JPGarcia

CORREIA DA SILVA disse...


Correto e afirmativo.

Retornado disse...

Tinham-se evitado grandes barretadas, quer dos bancos, quer de empresários, quer de "exploradores" de ouro e diamantes e árvores das patacas, se a demagogia e a parolice de certos «progressista» à-la-tuga, não tivessem calado aqueles que tinham muito para dizer: os Retornados.

Nós bem dizíamos que o buraco era mais abaixo, mas ainda hoje não nos deixam contar como era.

Paciência!

Anónimo disse...

Conclui-se, portanto, que o meu conterrâneo, de jure, porque de facto não se sabe, Diogo Cão, quando chegou a Angola, convocou os sobas autóctones e anunciou-lhes: alto lá e pára o baile (expressão vila realense que pode ter contribuído de alguma maneira para lhe terem atribuído a cidadania), esta coisa de eleições não é admissível e tem que acabar imediatamente! Os lugares de sobas serão ocupados pelos familiares e amigos e nada de sobas mulheres para não termos problemas com o género da palavra. Quando há eleições, são sempre eleitos os mesmos sobas pelo que não há necessidade de perder tempo. Até hoje...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...