Havia várias mesas livres na esplanada daquele restaurante. Mas, depois de lançar olhares em volta, curioso com algumas das nossas caras, que teria visto em algum lado, veio plantar-se junto daquela em que eu e três amigos almoçávamos, charlando despreocupadamente, com o ruído dos treinos do autódromo lá em fundo.
Falávamos alto, porque dois dos convivas são já duros de ouvido. E, também, porque, nos dias que correm, não temos o menor receio de que oiçam as nossas opiniões, por mais apimentadas que elas sejam.
Começámos por notar que esse esforçado vizinho tinha um reflexo pavloviano, ligado ao surgimento, na conversa, de nomes mais sonantes. As orelhas como que lhe cresciam, quando tal acontecia. Ficava visivelmente deliciado se, num repente de um de nós, algum adjetivo mais cáustico crismava um desses nomes.
Era jovem, nos "early thirties", com ar "da Linha", talvez universitário, com pinta de ter amigalhaços na imprensa das notícias curtinhas, da que se faz sem palavras que obriguem a dicionário. Isso mesmo: a imprensa "das gordas", querendo com isto significar os jornais de títulos fortes (não vá o Bloco suspeitar que estou aqui a falar insidiosamente de sexismo adiposo).
O interesse obsessivo do fabiano começou a chamar a nossa atenção e a encanitar-nos.
A certa altura, decidimos, como dizem os militares, "explorar o sucesso". Embarcámos então numa conversa de exageros, de fabulação, de "affaires" inventados, de "complots" em gestação, de atribuição a implausíveis autores de episódios inacreditáveis. Tudo isto acompanhado de uma adjetivação criativa, às vezes raiando o insulto a gente insuspeita, outras angelicando no comentário inapeláveis canalhas. O que o rapaz aprendeu! E parecia que tomava afanosamente notas!
Acabada a função, com ele já longe, ao telefone, saímos às gargalhadas. Combinámos ficar atentos à blogosfera e ao "garbage" mediático. Se sair alguma coisa, vai ter graça, podem crer!
Ao entrar no carro, arrependi-me, contudo, de não ter explicado ao fulano que, na próxima segunda feira, faz 42 anos que acabou uma atividade, às vezes remunerada, a que ele, com as suas "qualidades", poderia ter fácil acesso: ser informador da Pide. Mas saberá lá ele o que isso foi..
5 comentários:
Embaixador, gostei do post. Realmente nunca entendi muito bem a coscuvilhice alheia. Ainda há dois dias atrás dei uma espécie de coice na minha sogra por causa disso. Eu estava a planear com a minha mulher uma viagem de fim de semana e como não tenho qualquer relação com a minha sogra, ela tinha vindo a nossa casa trazer qualquer coisa á minha mulher e apanhei-a atrás da porta do nosso quarto a ouvir a nossa conversa, ao passar por ela fiz como o cavalo dei um coice que lhe apanhou a perna. Não faço por menos.
Sr. Embaixador, é o tal Orelhão !
bom fim de semana
Angela
É para ver a "qualidade" dos nossos novos estagiârios da "inteligência".
Postou uns textos que incómodos.
"Explorar o sucesso"?
Eu diría(digo), estratégica de informação/contra-informação!
Confundir provável curiosidade coscuvilheira desavergonhada com bufaria pidesca é um muito grande salto de gazela argumentativo.
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