Foi há 40 anos, quase dia por dia. Éramos 23 os novos "adidos de embaixada" que nesse dia 11 de agosto de 1975 entraram no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O primeiro grupo de diplomatas admitido após a Revolução. Eram 18 homens e cinco mulheres - as primeiras que, na história portuguesa, tiveram acesso à carreira diplomática. Até então, essa era uma carreira não aberta às mulheres. Para que conste: foi o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, quem alterou a legislação.
O concurso abrira em novembro de 1974. Eu decidira concorrer por um mero "desafio" a mim mesmo, mais de natureza lúdica do que de especial interesse pela carreira, embora as questões internacionais me interessassem. (Datavam de 1967 os primeiros artigos que escrevera, em "A Voz de Trás-os-Montes, sobre o tema). Estava então no serviço militar e, terminado este, regressaria à Caixa Geral de Depósitos, que remunerava bem melhor que o MNE. Mas achei graça tentar perceber se a diplomacia me aceitaria. (Por muito tempo, pensei seriamente que, feito o concurso, dar-me-ia "ao luxo" de não tomar posse).
Ao longo de todo o primeiro semestre de 1975, comigo envolvido profundamente nos dias agitados da Revolução, sucederam-se as provas: francês, inglês, correspondência diplomática, prova escrita de conhecimentos (lembro-me que, durante cerca de quatro horas, nos "calhou" escrever sobre o tema das relações internacionais da China, desde a criação da República Popular até à entrada para a ONU), duas provas orais (duas matérias sorteadas para cada um, entre 99 temas de Direito Internacional, História Diplomática, Relações Económicas internacionais) e, finalmente, a prova "de apresentação" (uma conversa eliminatória com três diplomatas séniores, um dos quais o chefe da carreira, secretário-geral do MNE). Na prova oral, "saiu-me" como arguente um professor do ISE que, se bem me lembro, se chamava Aníbal Cavaco Silva. Foi uma hora (medida com ampulheta) nada fácil. Mas "fair"... Quase tão complicada seria a segunda prova oral, horas mais tarde, ainda no mesmo dia.
Acabadas as provas, dentre as largas centenas de candidatos, fui admitido. Fiquei a meio da tabela. Continuei por algum tempo a hesitar em aproveitar o ensejo. Não tinha o menor interesse em ir viver para o estrangeiro. Seria possível ser diplomata ficando a viver sempre em Lisboa? Por mais incrível que isto hoje pareça, convenci-me que sim. E lá fui tomar posse.
Ao longo de todo o primeiro semestre de 1975, comigo envolvido profundamente nos dias agitados da Revolução, sucederam-se as provas: francês, inglês, correspondência diplomática, prova escrita de conhecimentos (lembro-me que, durante cerca de quatro horas, nos "calhou" escrever sobre o tema das relações internacionais da China, desde a criação da República Popular até à entrada para a ONU), duas provas orais (duas matérias sorteadas para cada um, entre 99 temas de Direito Internacional, História Diplomática, Relações Económicas internacionais) e, finalmente, a prova "de apresentação" (uma conversa eliminatória com três diplomatas séniores, um dos quais o chefe da carreira, secretário-geral do MNE). Na prova oral, "saiu-me" como arguente um professor do ISE que, se bem me lembro, se chamava Aníbal Cavaco Silva. Foi uma hora (medida com ampulheta) nada fácil. Mas "fair"... Quase tão complicada seria a segunda prova oral, horas mais tarde, ainda no mesmo dia.
Acabadas as provas, dentre as largas centenas de candidatos, fui admitido. Fiquei a meio da tabela. Continuei por algum tempo a hesitar em aproveitar o ensejo. Não tinha o menor interesse em ir viver para o estrangeiro. Seria possível ser diplomata ficando a viver sempre em Lisboa? Por mais incrível que isto hoje pareça, convenci-me que sim. E lá fui tomar posse.
Embora estivesse no serviço militar, e de acordo com "l'air du temps", eu tinha então um cabelame pouco de acordo com as NEP's, coroado por um imponente bigode. (Imagino que deva ter feito uma "linda" impressão!). Recordo ter sido um dia muito quente. Entrámos no adamascado gabinete do secretário-geral, onde assinámos, um a um, o ato de posse. Um dos colegas levava mesmo o pai para assistir... Todos colegas ingressaram, de imediato, nos vários serviços por onde foram distribuídos. Eu regressei ao serviço militar, do qual ainda não estava dispensado. E tinha ainda de me demitir da Caixa Geral de Depósitos, onde ingressara, também por concurso, quatro anos antes.
Três dias antes da nossa posse, iniciara funções o V Governo Provisório, o executivo mais à esquerda que Portugal alguma vez teve, presidido por Vasco Gonçalves. Sabia-se que era um governo "de transição", como o presidente Costa Gomes o qualificara no respetivo ato de posse. Durou pouco mais de um mês.
Era ministro dos Negócios Estrangeiros esse homem notável que se chama Mário Ruivo. Tinha como chefe de gabinete Manuel Braga da Cruz, então meu "camarada" do MES (mas que eu não conhecia) e que viria mais tarde a ser reitor da Universidade Católica Portuguesa. Na véspera da minha posse, o Agostinho Roseta, um saudoso amigo que, à época, também fazia serviço militar, disse-me que o ministério informara o ministro Mário Ruivo de que nenhum diplomata se mostrara disponível para integrar o seu gabinete, por medo de futuras represálias em termos de carreira. Vinha assim sondar-me, em nome do ministro, para oo lugar de "secretário do ministro", como então se designavam os adjuntos do gabinete. Coerentemente com a minha posição política de então, disse ao Agostinho que era óbvio que Mário Ruivo podia contar comigo. (Para a cultura dominante no MNE, eu começava "bem"!). A minha única limitação era o facto de ter de terminar o meu serviço militar, pelo que não poderia entrar em funções antes de 10 de setembro. Quando, finalmente, ingressei no MNE, o governo estava já no seu extertor. Vasco Gonçalves seria substituído por Pinheiro de Azevedo em 19 de setembro. Não cheguei a fazer parte da equipa de Mário Ruivo mas, nem por isso, a disponibilidade que demonstrara para o gabinete "maldito" deixaria de me ser lembrada, anos mais tarde, por um secretário-geral da casa, o mesmo que, sem o menor sucesso, tentou um dia que eu retirasse do meu currículo publicado no Anuário do MNE a menção de ter sido assessor da Junta de Salvação Nacional, um ano antes. Feitios...
Passados estes 40 anos, onde estamos? Na grande maioria dos casos, estamos reformados. Alguns, poucos, porque mais novos, ainda estão ao serviço, quatro dos quais no estrangeiro. Um morreu, outro desapareceu, dois saíram cedo da carreira, outro ainda enveredou por outras funções internacionais. Dentro de dias, vou ter o gosto de organizar o nosso reencontro possível, numa jantarada para recordar esses tempos. Já havíamos feito o mesmo há 20 anos. Há coisas na vida que sentimos que devem ser comemoradas. Esta é, sem a menor dúvida, uma delas.