terça-feira, fevereiro 04, 2014

Polónia

É uma iniciativa meritória aquela que o deputado Ribeiro e Castro promove, com regularidade, na Livraria Férin.
 
(essa mesma livraria, na rua nova do Almada, de cuja montra o Artur Corvelo se aproximava, como conta o Eça em "A Capital", a fim de ver se o seu "Esmaltes e Jóias" se vendia.)
 
Trata-se de organizar debates no âmbito de uma "Tertúlia Diplomática", tendo como convidado um embaixador estrangeiro em Lisboa.
 
(Ribeiro e Castro, ao tempo que dirigia a Comissão de Negócios estrangeiros da nossa Assembleia da República, tomou também a iniciativa de ouvir, à porta fechada, alguns embaixadores portugueses. Tive a honra de ser o primeiro a ser convidado para esse interessante exercício.)  
 
Ontem, falou-nos o embaixador da Polónia, Bronislaw Misztal, do seu país e de um livro recentemente publicado sobre a "cortina de ferro", essa expressão utilizada por Churchill no seu discurso de Fulton, em 1946, e que acabou por ser uma dos mais famosos qualificativos da Guerra Fria.
 
O diplomata polaco fez uma estupenda apresentação da Polónia contemporânea, mas também da sua história, das vizinhanças e das ambições de paz que atravessam um Estado que teve uma experiência traumática de guerra. A uma pergunta que lhe foi feita, procurando saber da vontade dos polacos de trabalharem a memória dos tempos comunistas, o embaixador explicou, com uma simplicidade que revelou grande sabedoria, que se alguém numa rua polaca for hoje abordado sobre acontecimentos passados -  como a invasão russa de 1956, a revolta de Gdansk de 1980 e os tempos de Jaruselsky, bem como a recuperação da liberdade no final desses anos 80 - muito provavelmente essa pessoa deixará claro que, não esquecendo as lições da História (ou talvez por causa delas), o que lhes interessa agora é o futuro. E que a Europa é o lugar geométrico onde os polacos depositam as suas esperanças.
 
Hoje mesmo, em Cracóvia, onde irei para reuniões de trabalho, vou, com certeza, poder confirmar esta perspetiva, esse esforço para esquecer recordando. Ao lado de uma cidade que não foi destruída pela guerra, está construída uma das maiores enormidades do tempo do conflito, o campo de extermínio nazi de Auschwitz.

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Blogue

Não tinha dado conta, devo confessar: este blogue fez ontem cinco anos. Foi um confrade que se preocupa com essas datas que o anunciou.

Foram cinco anos sem uma única data em que eu aqui não tivesse deixado um post. Foram em número de mais de 3200 as mensagens que assinei, entre memórias ou notas do quotidiano, historietas pessoais ou de outros, cenas e episódios da vida diplomática, textos mais ou menos sérios, muitas fotografias. 751 amigos inscreveram-se para seguir, nos dias hoje, este blogue. Quase um milhão e trezentas mil visitas foram feitas nestes cinco anos, com mais de dois milhões de páginas consultadas. Em média, todos os dias, o blogue é visitado por mais de mil pessoas - o que, de acordo com quem sabe destas coisas, leva a presumir que cerca de cinco mil leitores passam regularmente por aqui.

Durante o primeiros quatro anos, o blogue foi assumido como sendo "do embaixador de Portugal em França", embora nunca tivesse sido um blogue formal da Embaixada. Logo no primeiro post ficava clara a dualidade: "Embora, como disse, este espaço não tenha uma natureza oficial, naturalmente que quem o escreve assume, em pleno, a responsabilidade da função que exerce e que, por essa razão, não se esquece dela ao escrever. "À bon entendeur"..." A mudança do meu estatuto ocorreu há um ano e, naturalmente, o blogue sofreu alguma alteração no seu estilo e, aqui ou ali, em alguma seleção temática.

Um palavra para as comentadoras e comentadores. Quem segue este espaço sabe que há gente que o acompanha desde o início, com uma dedicação que só posso agradecer. Um "quarteto" ímpar de senhoras tem feito uma inigualável "guarda de honra" aos textos: Isabel Seixas, Helena Oneto, "Margarida" e Helena Sacadura Cabral. Mas há outros nomes, como "Patrício Branco", "Catinga", ARD ou Guilherme Sanches a cuja fidelidade estou muito grato. Caso especial é "Alcipe" e o seu saudoso heterónimo "Feliciano da Mata", este último agora desaparecido em combate empresarial, entre o Cabinda e o Cunene, com passagens fugazes pelo mundo do PSI20. Alguns comentadores andaram por aqui e, depois, desapareceram. O caso mais marcante terá sido a Mônica, uma simpática "mineira" brasileira, que muito humanizou este espaço. Mas muitas centenas de anónimos ou de pessoas com nome deixam por aqui as suas notas - às vezes de acordo, muitas outras de frontal oposição ao que por aqui disse. Com grande sinceridade, a todos eles, mas também a todos os leitores que nunca deixaram nada escrito, estou muito grato e envio um forte abraço, porque também eles estão de parabéns neste aniversário. É que, sem leitores, a escrita transforma-se num exercício sem sentido.

Em tempo: e os "newcomers" como "Defreitas". Imperdoável o esquecimento de José Barros, António PA, "Portugalredecouvertes", "São", José Tomaz Mello Breyner e tantos outros. E a "velha senhora"?

Livros, ainda

O "Diário de Notícias", dedica hoje uma sua página à entrega dos meus livros à magnífica Biblioteca Municipal de Vila Real (na imagem).

Nessa reportagem de Leonídio Paulo Ferreira falo das obras que já partiram, da minha velha e complexa relação com os livros e de outros aspetos relacionados com esse meu saudável "vício". O texto pode ser lido aqui.

Não faço esta doação com o objetivo de dar qualquer exemplo. Mas gostaria de estimular outras pessoas (diplomatas, por exemplo) a promoverem a entrega dos seus livros (ou de parte deles) a bibliotecas das terras de onde são originários, assegurando-se, antecipadamente, que eles serão tratados de forma adequada, como está a acontecer no meu caso. Assim se evitaria o espetáculo, algo triste e deprimente, de ver excelentes espólios surgirem dispersos, algumas vezes vendidos a preços irrisórios, por alfarrabistas ou casas de velharias. Os nossos livros merecem sempre o melhor destino.

domingo, fevereiro 02, 2014

Fronteiras

Desde há muito que sinto um imenso fascínio pelas fronteiras. Recordo, como se fosse hoje, a emoção que tive ao atravessar pela primeira vez a fronteira entre Portugal e Espanha, entre Vila Verde da Raia e Feces de Abajo (deixo uma imagem contemporânea do espaço), para ir à festa do Lázaro (nós dizíamos "dos Lázaros") a Verín. Passar para o "outro lado", para o lado do "outro", foi uma experiência que me marcou para sempre.

Ao longo dos anos, atravessei fronteiras muito diversas. Fui interrogado numa fronteira alemã, durante longos minutos que me pareceram horas, no dia em que Ulrike Meinhof foi detida. Senti o incomparável gelo do "checkpoint Charlie" quando Berlim era "a sério". Fiz fila, com compatriotas emigrantes, para tomar forçadamemente um medicamento em Handaye, quando ia "à boleia" de um Portugal onde a cólera era considerado um problema (não obstante ter as vacinas em dia). O meu passaporte foi sujeito a um longo escrutínio quando pretendi entrar em Israel com vários carimbos de anteriores visitas (em trabalho) à Líbia. Anos mais tarde, a coreografia das armas e segurança, na travessia para a faixa de Gaza, deixou-me uma impressão inigualável. Guardo para sempre o ambiente único da fronteira entre a Tanzânia e o Quénia, rodeado de inquisitivos Masai, numa tarde de imenso calor. Passei as "passas do Algarve" para conseguir aceder ao Usebequistão, ido do Quirguistão, com um grupo da OSCE. Nessa mesma qualidade, foi muito curioso ser submetido a um longo interrogatório, quando atravessei a tensa fronteira da Geórgia para a Ossétia do Sul. E fui protagonista de (pequenos, mas memoráveis) incidentes em fronteiras de entrada em países como os Estados Unidos, Gabão, Cambodja ou da antiga União Soviética. Podia escrever por horas, sobre fronteiras atravessadas.

A minha (antiga) profissão não existiria sem fronteiras. Os diplomatas só têm razão de ser porque existem entidades nacionais distintas. As fronteiras são a "encadernação" dos Estados. Sou, por isso, um profissional de fronteiras. Ainda hoje, para não "perder a mão", atravessei a de Barrancos para Ensinasola, agora já sem a "graça" dos pides e dos tricórnios da Guardia Civil.

Por esta ou por outra razão, fiz ontem parte de um painel que, em Moura, discutiu fronteiras, ou melhor, o tema "Moura - das fronteiras locais às fronteiras globais". Foi um grupo de oradores muito diverso, que cobriu vertentes institucionais, culturais, antropológicas, geográficas, económicas e geopolíticas. Foram cerca de duas horas muito interessantes, num exercício pouco comum numa urbe de província, habilmente mobilizada por um município disposto a abalar a rotina dos dias locais. Parabéns, Santiago Macias, e obrigado pelo privilégio que me deu de fazer parte desse belo debate.

sábado, fevereiro 01, 2014

Saudades de Américo Tomaz

Na cave do Palácio de S. Clemente, residência do Cônsul-Geral português no Rio de Janeiro, jaziam (ainda jazerão?) algumas centenas de volumes e muita outra papelada, muitas vezes em exemplares repetidos, de divulgação e propaganda turística e política do regime derrubado em 25 de abril. No meio de tudo aquilo, que sempre fez o meu encanto de "rato de biblioteca", encontrei um dia alguns exemplares de uma fotografia oficial do antigo presidente, Américo Tomaz. Levei uma dessas fotos comigo, para Brasília.

Um dia, foi lá jantar a casa um amigo brasileiro, homem muito conservador, conhecido pela sua profunda devoção ao defunto "Estado Novo" e que sempre falava do 25 de abril como "essa funesta data". Resolvi, assim. pregar-lhe uma "partida".

Na base da fotografia do "venerando chefe do Estado" (como reverentemente era tratado pela comunicação social da época)  inscrevi a seguinte dedicatória manuscrita: "Ao meu bom amigo Francisco Seixas da Costa, com grande estima e muita amizade do Américo Tomaz". Coloquei a foto numa moldura, sobre uma outra foto dedicada que tinha lá por casa - as residências de alguns diplomatas costumam ser vastos "museus" desse tipo de objetos, prática a que sou muito avesso - e deixei-a num lugar bem à vista.

No termo do jantar, o meu amigo passeou-se pelo escritório e, num instante, vi-o debruçado sobre a moldura, que estava displicentemente pousada numa estante. Ficou silencioso. Ele sabia das minhas ideias políticas, embora também não desconhecesse que tenho amizades em setores ideológicos muito distintos e até fortemente contrastantes. Mas imagino que, para ele, o facto de eu ter tido Américo Tomaz entre os meus amigos talvez fosse um tanto demais... Com os diabos! Se eu até "estivera implicado" no 25 de abril, como ele dizia!

Não tendo excessiva confiança comigo, esse amigo manteve-se calado sobre o assunto, durante uma boa meia-hora. A certo passo, "roído" de visível curiosidade, perguntou-me, como que por acaso: "Você conhecia bem o presidente Tomaz?" Dei uma resposta vaga, do género: "Relativamente... Fomos apresentados um dia". Passaram uns instantes, não resistiu: "Olhe! É interessante que, mesmo não o conhecendo bem, ele tenha escrito uma dedicatória como aquela", apontando para a moldura. "Foi, de facto, uma atitude simpática da parte dele". E mudei de conversa. 

O meu interlocutor continuava cada vez mais perplexo. E, uns minutos depois, não desarmou: "Em que data é que o presidente Tomaz lhe dedicou a fotografia?". Não me contive: "Foi no dia 25 de abril. Foi para comemorar..." Só aí ele começou a perceber a patranha.

Lembrei-me desta história hoje, dia em que começo a sentir fortes saudades de Américo Tomaz. Não do presidente que abril derrubou e fez embarcar para o Brasil, mas do meu excelente motorista, também Américo Tomaz de seu nome, que desde hoje deixei de ter ao meu serviço, por eu próprio ter deixado de ser diretor executivo do Centro Norte-Sul. Desse sim, já tenho saudades.

sexta-feira, janeiro 31, 2014

Ases da bola

Ontem, ao ler a nota colocada no Facebook por um diplomata português, visivelmente entusiasmado pelo facto de ter dado um visto para um novo recruta estrangeiro para o futebol português, recordei por um momento a correspondência que, enquanto embaixador no Brasil, recebi de futebolistas candidatos a jogarem em clubes portugueses.
 
Não guardei nenhuma dessas cartas e mensagens de e-mail, mas recordo bem as descrições entusiásticas que alguns desses pretendentes faziam das suas próprias qualidades, tanto mais que eram escritas numa impagável versão brasileira do "português de balneário", numa espécie de aculturação a um léxico e fórmulas bebidas da imprensa desportiva.
 
Não fora o facto da ironia ser difícil de passar nos posts dos blogues (mas vamos lá tentar outra vez!), quase que se poderia sugerir que, em postos diplomáticos situados em países viveiros de craques da bola, as embaixadas passasem a ter uma espécie de "conselheiros desportivos", figuras que funcionariam como "olheiros" oficiais, que montassem bancos de dados à disposição dos clubes portugueses. em especial daqueles com menos meios e menos conhecimentos nos mercados externos. Para tal, nem valia a pena estar a fazer "outsourcing", bastava usar alguns conhecidos ases que a carreira destilou e que, pelo menos, são "bons de bola". 

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Esgaforinada

"A mulher tinha um ar esgaforinado". Ouvi a frase há meses, a propósito de alguém, e guardei a expressão, que parecia pretender significar que a pessoa em causa tinha um aspeto desgrenhado. Talvez mais do que isso: um ar irritado, quiçá ameaçador ou agitado. Nunca tinha ouvido tal qualificativo. Quem pronunciou a frase foi uma senhora idosa, educada e culta. Não tive, entretanto, oportunidade de lhe perguntar o significado que lhe atribuía.

Fui hoje ver ao dicionário. Ao melhor deles todo, o "Moraes e Silva", nos seus doze imbatíveis volumes. "Esgaforinar" ou "esgaforinado" não aparece. Há "gaforina", para significar "cabelo em desalinho" ou "mulher desalinhada". Talvez seja daí que o termo "esgaforinado" deriva. Mas a palavra tem uma sonoridade tão expressiva, quase física, que apetece "ficar com ela" e passar a utilizá-la. 

Mas por que diabo me lembrei eu agora disto? Sei lá! Estava a ver uma cena do nosso parlamento, uma intervenção dos "Verdes" e a palavra "surgiu-me". Mas não, não deve ter nada a ver com isso. 

quarta-feira, janeiro 29, 2014

Pete Seeger (1919-2014)

Foi uma voz livre da América. Foi um cantor de protesto antes disso estar na moda. Defrontou o obscurantismo persecutório dos anos da Guerra Fria. Escreveu os inesquecíveis "Turn, turn, turn" e "If I had a hammer". Pete Seeger morre na América de Obama. Apesar de tudo, parte nos tempos de uma melhor América. Lutou por ela e mereceu-a.

terça-feira, janeiro 28, 2014

Dignidade

A sessão hoje organizada na Assembleia da República, em homenagem aos advogados que defenderam os presos políticos durante a ditadura do Estado Novo, é um ato de grande significado. A tarefa levada a cabo por esses juristas, em condições muito difíceis e correndo frequentemente riscos pessoais, dignificou a Justiça, que, à época, era miseravelmente representada por um punhado de "juízes" que a envergonhavam e aviltavam, no seu conluio aberto com os torcionários do regime. Um grande momento, a que infelizmente não consegui estar presente.

Soares Carneiro

Em 1980, Sá Carneiro foi desencantar Soares Carneiro, um general conservador, desconhecido para a grande maioria, como candidato da sua Aliança Democrática à Presidência da República. A ideia era tentar evitar a reeleição de Ramalho Eanes, cujo comportamento, enquanto presidente, desagradara à direita, que sentia a necessidade de ter uma figura da sua confiança em Belém. Soares Carneiro, um nome com alguns "esqueletos no armário" aquando da sua passagem por Angola, viria a revelar-se um político desajeitado, rígido, incapaz de galvanizar minimamente o eleitorado. Recordo-me que o "Expresso" fez o frete de o fotografar com um cão, para lhe humanizar a imagem; só que o cão não lhe pertencia! Sá Carneiro cedo percebeu o erro que cometera e sentiu que o seu candidato iria perder a eleição. Na antevéspera do sufrágio, fez uma patética conferência de imprensa, tentando colar Eanes aos comunistas. Na noite desse dia, 4 de dezembro de 1980, tencionava ir ao Porto, ao derradeiro comício, para tentar dramatizar os últimos momentos da campanha. O avião em que seguia caiu em Camarate. A instrumentalização mediática do seu funeral foi um dos atos mais abjetos da nossa política contemporânea. Mas o povo português soube separar o trigo do joio. E Soares Carneiro foi derrotado. Discretamente, desapareceu da cena política, remetendo-se à vida militar. Morreu hoje, aos 86 anos.

Capicuas

Há dias, passando por Campo de Ourique, olhei o prédio onde viveram uns familiares que já se foram há muito. Um casal. Ele era uma figura suave e sorridente; ela era uma mulher "de fibra", nem sempre fácil, palavra às vezes cortante. Completavam-se lindamente, como muitas vezes sucede.

A grande paixão dele (para além de Salazar) era o Benfica. Fazia parte de quantos acompanhavam a equipa pelo mundo, tendo estado presente nos momentos idos da glória internacional do clube. A minha condição de sportinguista desgostava-o. Eu era irónico nas conversas mas, sendo ele futebolisticamente "doente" e muito mais velho, optava por não ir muito longe nas minhas provocações, tanto mais que era uma pessoa sempre muito simpática para comigo. Numa visita minha a Lisboa, em fins de 1965, levou-me à Luz ver um "derby" com o Sporting. Para seu azar, o Benfica perdeu 2-4. Recordo a minha forçada contenção, no meio de uma bancada homogeneamente "lampiónica". E, estando perto do relvado, guardei para sempre na memória auditiva o ruído dos remates de Lourenço, autor dos nossos quatro golos.

A razão por que hoje falo desse meu primo é pelo facto de me recordar que ele tinha uma imensa e curiosa coleção de capicuas, em bilhetes de elétrico. Nas suas deslocações diárias, ao longo de décadas, entre os Prazeres e o seu emprego na rua da Conceição, entretinha-se a coletar esses números de dupla leitura, não sei se por arranjo com o cobrador ou por cumplicidade de "fellow-travellers".

Mas a que propósito vem hoje esta história das capicuas? perguntar-se-á com legitimidade o leitor. É muito simples: eu próprio tenho vindo a colecionar as minhas capicuas. Hoje, por exemplo, obtive a sexta. Mas não é uma coleção que me dê excessivo prazer, confesso.

segunda-feira, janeiro 27, 2014

Praxes

O meu amigo José Mariano Gago disse aquilo que eu gostaria de ter dito sobre as praxes: "O que estamos é perante o comportamento de jovens adultos que estão a educar-se entre si e a educar os outros para uma sociedade fascista em que é considerado normal abusar dos outros e os outros agradecerem".

Em tempo: a quem tiver uns minutos, aconselho a leitura disto.

domingo, janeiro 26, 2014

Trasladação

- Trago-lhe aqui um problema, senhor diretor-geral. Trata-se do pedido da viúva do embaixador que morreu há semanas no seu posto, lá na Ásia. Quer receber 12 mil euros, valor da trasladação do cadáver do marido para cá.

- Mas qual é o problema? O direito ao repatriamento do corpo existe na lei, não é?

- É, mas ela não possui nenhum justificativo.

- Está bem, meu caro, mas temos de ser flexíveis com a pobre senhora. São países complicados para se obterem essas papeladas. E, além disso, não me parece um montante exagerado. Ela que prepare uma declaração de despesa. Eu darei uma palavra ao ministro.

- Bom, mas há um pormenor que entretanto chegou ao meu conhecimento...

- Qual é?

- Soube que embaixador foi incinerado lá no país onde morreu...

História verdadeira, ocorrida no serviço diplomático francês.

sábado, janeiro 25, 2014

Portugal-Brasil


O dia de ontem havia sido longo, entre Paris e Lisboa. Chegado do aeroporto, ao fim do dia, cansado, sentei-me num sofá e liguei a televisão. Pensava ver as notícias e logo fechar o aparelho. Estava "a dar" futebol. A preto-e-branco. Era o Portugal-Brasil de 1966.  

Foi hora e meia de grande prazer. Aquele jogo que eu vira num pequeno écran, em minha casa, em Vila Real, há 48 anos, estava ali, pela primeira vez, à minha disposição, num écran "decente", com a possibilidade de rever com calma, e em "slow motion", os lances mais interessantes ou polémicos. Em fundo, ouviam-se os comentários acertados dos "magriços" José Augusto, José Carlos e Peres, recheados com histórias curiosas de bastidores.

O jogo foi excelente, com Eusébio em grande forma, a marcar aquele que ele consideraria, para sempre, o melhor golo da sua carreira. Simões fez um grande jogo, com um (raro) golo de cabeça. Alexandre Batista, Jaime Graça e José Augusto deram um espetáculo de bom futebol. Vicente marcou um hiper-lesionado Pelé, com maestria e decência, a contrastar com Morais, que visou o génio brasileiro sem dó nem piedade (Pelé vingar-se-ia nos últimos minutos, pespegando uma forte cabeçada ao seu agressor). O grande Hilário pareceu-me algo perdido com a rapidez da ala direita brasileira, não acertando as marcações, tal como Torres, um tanto sem posição, naquele seu jeito desengonçado de jogar "sem bola". Coluna foi decaindo com o tempo, mas foi sempre um pilar de serenidade e com uma excecional medida de passe. O 4-2-4 de Otto Glória era um "harmónio" dito harmonioso, com o ataque a recuar em apoio à defesa, com os laterais a subirem à linha, em reforço do meio campo. Bons tempos em que se atacava com quatro avançados!

José Augusto explicou ontem, finalmente, uma dúvida que eu sempre tive: a razão por que Carvalho fora substituído por José Pereira na baliza da seleção - onde, diga-se, fez um jogo impecável. Ao que explicou, o "lóbi" do Belenenses dentro da equipa técnica tinha obrigado à saída do guardião sportinguista - o qual, como é sabido, não comprometera, na estreia do Mundial. A mesma pressão que, porventura, levou a que Vicente substituísse José Carlos. Este último regressaria à seleção, Carvalho não. Coisas de Belém.

Foi uma grande noite de futebol. 

Das tentações

Frédéric Mitterrand foi um improvável ministro da Cultura de Nicolas Sarkozy. Sobrinho de François Mitterrand, surgiria no governo pela mão de Carla Bruni. No seu currículo figurava um livro algo comprometedor, que remetia para algumas suas práticas libertinas com jovens, nos terrenos do turismo sexual na Tailândia. Seria, contudo, muito injusto medir esse Mitterrand conservador apenas por esses pecadilhos. Trata-se de um homem inteligente, com graça, boa escrita, com obra feita na área cultural e mediática, que não tendo ofuscado minimamente a memória de Malraux, ou mesmo de Lang, acabou por ter uma prestação bem mais "honorable" que outras figuras que a história política francesa quase não notou no mesmo lugar.

Há dias, vi numa livraria parisiense que tinha publicado uma memória desses tempos de governo. Ainda não li o livro todo, mas não deixa de ser curiosa a confissão que nele faz sobre as tentações que teve face ao seu colega de executivo Laurent Wauquiez, a quem revela ter lançado "un regard langoureux" e que define da seguinte e elucidativa forma: "un beau gars dans le genre qu'on regarde dans les vestiaires après un match de foot et à qui on parle de filles en pensant éventuellement à autre chose". Estou curioso em conhecer a reação de Waquiez a esta declaração.

Por aqui se fica a perceber que a tentação, no seio dos Conselhos de ministros, é um tema a explorar. E por cá? Como terá sido, desde sempre?

sexta-feira, janeiro 24, 2014

Notícias do caos

Foi uma relação de simpatia pouco vulgar aquela que se estabeleceu entre aquele credenciado diplomata português e um seu homólogo soviético, em tempo de Guerra Fria, num contexto internacional particular. A história ficou nos anais diplomáticos portugueses.

O tema da conversa era a França, onde o diplomata português estava colocado.

- É mesmo verdade que, em França, é possível a um cidadão estabelecer-se em qualquer cidade que seja do seu agrado, sem necessitar de autorização oficial?

- Claro que sim! Desde que tenha meios para isso, não há qualquer limitação no que toca ao lugar onde pretende morar.

- E a compra de carro? Falaram-me que não é preciso inscrição para a sua aquisição...

- Quem pretender um carro e tiver dinheiro para o comprar dirige-se a um stand e adquire-o. Pode ficar com ele de imediato.

A conversa prosseguia nestes termos, com questões sobre a liberdade de escolha dos cursos ou outras que acabavam por espelhar o contraste entre o modelo soviético e o quadro de liberdade das sociedades de mercado. A certo passo, confirmadas que tinham sido pelo colega português a liberalidade de várias dessas práticas de vida no Ocidente, o interlocutor soviético exclamou:

- Então não é só propaganda?! É mesmo o caos...

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Luis Gaspar da Silva

Foto de Alexandre Almeida
 
Foi uma tarde de verão de 1975, no gabinete do Nuno Brederode Santos, então diretor do gabinete de Estudos do MNE. Eu ainda não entrara na carreira, mas estava admitido, depois do concurso feito. Andava já pelos corredores da casa, pela mão de António Franco. Estávamos uns quantos à conversa. Entrou na sala Luís Gaspar da Silva, diplomata, socialista, grande, com um imenso vozeirão.

(O 4° governo provisório, que o PS e o PPD tinham abandonado, estava no seu estertor. Vasco Gonçalves fazia convites para o 5° governo, falhada que fora a hipótese do chamado "governo Fabião", uma construção melo-antunista que nunca chegaria a ver a luz do dia, por oposição da "esquerda militar" (leia-se, os oficiais próximos do PCP). Os socialistas estavam furiosos com o "companheiro Vasco", que, não sem alguma razão, consideravam um dos principais culpados da radicalização que o país atravessava. Os militares que eram considerados como próximos dos socialistas, o "grupo dos nove", tinham acabado de tornar público um "documento" que consagrava uma importante rutura dentro do Movimento das Forças Armadas. Os dias iam complicados, nesse "Verão quente".)

Gaspar olhou os circunstantes e, não me conhecendo, disse alto, apontando-me: "este tipo é de confiança?" Os sorrisos ou alguma palavra do Nuno Brederode ou do António Franco tê-lo-ão sossegado. (Na realidade, eu não era totalmente "de confiança". Não sendo um "gonçalvista", também não me revia então na linha dos "nove", mas os meus amigos sabiam-me discreto). Contou que um outro diplomata, então diretor-geral, Magalhães Cruz, tido como simpatizante de esquerda, havia recusado o posto de MNE. Julgo que era essa a aposta dos socialistas: nenhum diplomata aceitar ser ministro nas Necessidades, num governo Vasco Gonçalves. Isso iria acontecer. O lugar acabou por ser ocupado por Mário Ruivo. E, curiosamente, eu iria ser indicado para o seu gabinete, só não tendo tomado posse porque, breves semanas depois, o 5º governo "caiu".

Foi esse o dia em que conheci Luís Gaspar da Silva, que me disseram que morreu hoje.

Nunca fui seu íntimo, mas mantinha com Gaspar - era assim que a casa o conhecia - uma relação muito cordial, com ele a insistir que nos tratássemos por tu e eu sempre a recusar deixar de chamar-lhe "senhor embaixador". Fomo-nos encontrando pelas várias cidades onde a sua carreira diplomática e política (foi secretário de Estado da Cooperação num governo socialista) o levou.

Dele já contei duas histórias neste blogue. Que hoje deixam de ser anónimas.

A primeira é a da sua fantástica apresentação de credenciais como embaixador no Nepal, por ele próprio relatada numa divertida noite, em minha casa, em Luanda. Pode ser lida aqui.

A segunda historieta é também um "must" das Necessidades. Nela contei o resultado de um dos famosos amplexos que Gaspar dava aos amigos, em gestos de afetividade física que ficaram na memória da casa.

Conta-se um outro episódio no dia do funeral de Agostinho Neto, em 1979, em Luanda. Gaspar acompanhava Ramalho Eanes. Esperava-os Lúcio Lara, o nº 2 formal do regime. Gaspar e Lara tinham convivido, nos tempos da universidade, em Coimbra. Forte da sua velha relação, Gaspar abriu os amplos braços para dar um abraço "dos seus" ao antigo amigo. Porém, por esses dias, as relações luso-angolanas não estavam (uma vez mais...) no melhor momento. Aceitar o gesto de Gaspar seria, para Lara, ser visto numa coreografia afetiva que poderia dar lugar a especulações. Disse-me quem viu que a cena foi de antologia. O nosso diplomata, com a sua imensa corpulência, tentou forçar um amplexo. O franzino Lara resistiu quanto pôde, mantendo  o seu antigo colega da "Via Latina", a revista coimbrã onde ambos haviam rimado líricas, à conveniente distância, não apenas física mas também política.

Gaspar da Silva convidou-me um dia para ser seu nº 2 em Paris, lugar que, por razões que não vêm para o caso, não pude aceitar. E seria aqui em Paris, onde casualmente estou hoje e ele foi embaixador durante vários anos, precisamente na mesma sala onde agora escrevo esta memória, ao correr da tecla, que dele guardo a última imagem, em abril de 1988, na noite de uma eleição presidencial francesa. Estava toda a gente à volta da televisão. Vicente Jorge Silva estava na sala, de visita. Homem de certezas, Gaspar adiantava-nos percentagens "seguras", de fonte "limpa", credibilizando-as com a frase: "deu-mas o meu 'américas' ", aparentemente um contacto fiel que tinha na embaixada americana em Paris. Não faço ideia se acertou.

Por coincidência, e ao que me recordo, poderá ter sido essa a última vez que o vi. Há mais de um quarto de século. Trocámos cartas anos mais tarde, mas nunca mais nos encontrámos. Deixo aqui os meus sinceros sentimentos à sua família.

Gastronomia

Hoje, em Paris, começo o dia em estágio para uma laboriosa "session de travail" da "Académie des Psychologues du Goût", que se desenrola por cerca de três horas. Pela minha experiência destes pesados exercícios, dificilmente terei disponibilidade para escrever mais um post. Assim, até amanhã.

Em tempo: afinal, a morte do meu colega Luís Gaspar da Silva obrigou-me a escrever outro post, durante o dia de hoje.

Desde Rusia

No início dos anos 40 do século passado, o jovem oficial do Exército português António Sebastião Ribeiro de Spínola integrou, como observador, a "Divisão Azul" das forças armadas alemãs durante o ataque à Rússia.

Não sei qual era o grau de convívio de Spínola com os espanhóis que integravam essa "Divisão Azul", chefiado por Muñoz Grandes, que entre eles cantavam a canção "Desde Rusia", que tinha a seguinte letra:

En las estepas de Rusia,
España luta con ardor,
unida con Alemania
por una España mejor.

Y quando a España volvamos
de nuevo queremos luchar,
y al inglés echaremos
del Peñon de Gibraltar.

Nuestro grito de victoria
en el mundo entero lo oirán,
cuando recuperemos
todo Marruecos y Orán.

Solo esperamos la orden
que nos dé nuestro General,
para borrar la frontera
de España con Portugal

y cuando eso consigamos
alegres podremos estar,
porque habremos logrado
hacer una España imperial.

Descobri esta canção, bem simbólica de um outro tempo, num livro que hoje encontrei em Paris. Pergunto-me: Spínola conhecê-la-ia?

quarta-feira, janeiro 22, 2014

A Confiança no Mundo

No próximo dia 29 de janeiro, na Universidade de Trás-os-Montes, em Vila Real, vou apresentar o livro "A Confiança no Mundo - a Tortura em Democracia", de José Sócrates.

Trata-se de uma obra que aborda um tema muito controverso, que se tornou mais atual após o 11 de setembro.

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Um diplomata na Revolução

Na passada sexta-feira, à volta de um café nos couros queirosianos do Grémio Literário, um capitão de abril lembrava-me que fora daquele mesmo local que, em 25 de abril de 1974, um diplomata português, então no exercício de funções políticas, organizara a mediação entre Marcelo Caetano e António de Spínola, que acabou com a rendição do chefe do governo, aquando da célebre deslocação de Spínola ao Carmo. 

O diplomata chamava-se Pedro Pinto e era, à altura, subsecretário de Estado da Informação. Morreu há semanas. Nesse dia, ao aperceber-se pela rádio do impasse que estava criado no largo do Carmo, com o quartel da GNR rodeado pelas tropas de Salgueiro Maia, que se confrontava com a recusa de Caetano de se render às forças do Movimento das Forças Armadas, Pedro Pinto tomou a iniciativa de enviar ao Carmo o diretor-geral da Informação, Pedro Feytor Pinto, acompanhado de Nuno Távora. Feytor Pinto, homem muito próximo de Caetano, constatou então a disponibilidade deste último de se render, evitando o assalto ao quartel pelas forças do MFA que estava iminente, desde que o poder "não caísse na rua". Caetano aceitou a hipótese de transmitir o poder a António de Spínola que, para tal, foi mandatado pelo Movimento, depois de uma chamada telefónica para o "posto de comando" do MFA, na Pontinha. 

A iniciativa de Pedro Pinto terá tido duas consequências importantes. Por um lado, terá evitado um número significativo de vítimas, que o assalto ao quartel e a reação das respetivas tropas iriam seguramente provocar, não apenas entre militares mas igualmente entre os milhares de civis que enchiam o Carmo, bem como nas famílias dos GNR, que com eles viviam no quartel. A decisão de ataque ao quartel fora já tomada, tendo Salgueiro Maia recebido ordem escrita de Otelo Saraiva de Carvalho para assim proceder, depois das muitas horas de impasse que se viveram.

Mas houve uma consequência política muito importante que a espetacular deslocação de Spínola ao Carmo acabou por ter. O general, que estava a par do Movimento mas que estava longe de ser o seu líder ou sequer a personalidade que o MFA pretendia ver à frente da nova Junta de Salvação Nacional, terá ganho, pelo protagonismo criado nesse momento, uma vantagem imediata na luta pelo poder. Esta sua momentânea proeminência desequilibrou, em definitivo, a relação de forças em seu favor, potenciando a retração de Costa Gomes para assumir a liderança da Junta. A História seria seguramente muito diferente se tivesse sido este último e não Spínola a titular a Revolução.

Se acaso Caetano se tivesse rendido a Salgueiro Maia, se tivesse sido preso e posteriormente julgado com outros responsáveis pelos crimes regime ditatorial, talvez tivesse sido possível fazer o processo do "Estado Novo", talvez os agentes da PIDE e os magistrados cúmplices dos Tribunais Plenários tivessem sido condenados. Nada assim aconteceu. Sem consultar o MFA, contrariando os termos do "memorando" assinado na Pontinha na noite de 25 de abril, a Junta decidiu, poucos dias depois, exilar Caetano, Tomaz e outras figuras para o Brasil. Se os mandantes tinham sido postos a salvo, que legitimidade tinha a condenação dos subordinados? 

Hoje, dia em que falo em Paris sobre a Revolução de abril, apeteceu-me lembrar este episódio e o papel histórico que um diplomata português acabou por nela desempenhar.

terça-feira, janeiro 21, 2014

O novo oásis

Num dia de Julho de 2011, ao tempo em que era embaixador em Paris, fui a uma televisão debater com um representante de uma agência de “rating” a forte degradação da nota portuguesa, pouco depois da assinatura do Memorando com a Troika. Em irónica esquizofrenia, puniam-se as novas medidas de ajustamento com que Portugal se acabara de comprometer dado o seu impacto recessivo. À saída, o meu interlocutor, disse-me: “Portugal não é o problema. A questão para o euro está na Espanha e na Itália. No dia em que a Europa conseguir convencer os mercados de que suportará aqueles países, a vossa vida tornar-se-á mais fácil”.

Tinha razão. A partir do momento em que a acção persistente do BCE convenceu os mercados da determinação europeia em sustentar a moeda única, quando os fantasmas sobre as economias espanhola e italiana começaram a dissipar-se, as pressões dos mercados atenuaram-se. Isso reflectiu-se sobre as taxas de juro portuguesas, ajudadas pelo facto da Troika premiar, em nome dos credores, o zelo do governo nas medidas para o ajustamento. Taxas que, contudo, continuam incomportáveis, afectando já bastante a taxa média da nossa dívida, o que suscita, aliás, questões de fundo a que todos fogem.

Gostava de voltar ao Memorando, que hoje já ninguém lê, e aos seus objectivos: “Reduzir o défice das Administrações públicas para (…) 5.524 milhões de euros (3% do PIB) em 2013, através de medidas estruturais de elevada qualidade, minimizando o impacto da consolidação orçamental nos grupos vulneráveis. Baixar o rácio da dívida sobre o PIB a partir de 2013”. Onde tudo isso vai!

Como dizia o outro, é fazer as contas. O défice não será de 3%, mas cerca de 5,5%, e, em lugar dos 5.220 milhões de euros previstos, os números mostram que estamos acima de 9.000 milhões “Medidas permanentes de alta qualidade” pouco se vêem, com meros cortes ad hoc a serem os responsáveis essenciais pelo conseguido. Quanto à minimização do “impacto da consolidação orçamental nos grupos vulneráveis”, estamos conversados. O rácio da dívida sobre o PIB não só não declinou a partir de 2013 como aumentou nesse mesmo ano. Não acertaram uma!

Abstenho-me de elaborar sobre um desemprego que se mantém a níveis altíssimos, não obstante uma emigração que está já nas médias mais altas do século passado (com um inédito “brain drain”), números impressionantes de falências, um forte empobrecimento da classe média e camadas mais indefesas, esmagadas por aumentos nos transportes, na energia, na saúde, etc. Esqueçamo-nos também de um país dividido como nunca, onde se incita o privado contra o público, os novos contra a “peste grisalha”, os activos contra os pensionistas.

A Troika vai sair, nós ficaremos por cá, na convalescença do “sucesso”, a caminho do novo oásis. As eleições são dias depois. Aposto em como vai haver dinheiro para os foguetes. 


Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, janeiro 20, 2014

A cultura da direita


Não faz parte da prática habitual deste espaço dar destaque a artigos de imprensa ou mesmo a textos publicados noutros blogues. Abro, contudo, e com gosto, uma exceção para dar conta de um interessante trabalho de António Araújo, intitulado "A cultura da direita em Portugal".

Não conheço António Araújo, nem creio ter lido antes nenhum seu trabalho. Mas fiquei impressionado e aprendi imenso com este artigo, que muito me ajudou a "arrumar" ideias e a organizar e moldar algumas perceções a que tinha chegado de forma impressionista.

Alerto já que não se trata de um texto de fácil leitura. É também um trabalho relativamente longo, com alguma densidade conceptual que pode afastar muitos leitores, menos habituados a uma linguagem que releva de alguma prática académica.

O artigo leva-nos pelo mundo da nova direita, explícita ou subliminar, no Portugal depois de abril, com os seus jornais, as suas revistas, os seus livros, os seus lugares, as suas músicas e até os seus blogues. É um trabalho muito completo. Senti, contudo, que nele talvez falte uma referência a um terreno de algum relevo - a nova historiografia, onde um inteligente revisionismo se insinua e tem vindo a progredir, de uma forma a que há que estar atento. Um ponto interessante é o facto do artigo destacar que a cultura de direita conseguiu, nas últimas décadas, uma muito maior qualidade intelectual e um justo reconhecimento, garantindo hoje um lugar no espaço público. Essa é a sua grande diferença face a uma certa escola antiga, tributária da ditadura, marcada por um tropismo "traulitano", por um reacionarismo pouco sofisticado, por uma espécie de nacionalismo primário e de seita, às vezes de um tradicionalismo bafiento. A nova direita portuguesa, mesmo para a esquerda que com ela convive, tem hoje muito mais graça, mais "mundo" e, não raramente, é politicamente inteligente. Porém, salvo algumas exceções, esta nova vaga de pensamento diretista deixa-se ainda frequentemente ficar, no plano estratégico, ao serviço de agendas partidárias de mero pragmatismo, de adubo doutrinário para alguns tropismos patrimonialistas. Mas não deixa de ser estimulante ter esta nova direita como adversário no domínio das ideias, em contraste com o que acontecia com aquela que, durante décadas, foi titulada por "reaças" e "fachos" sem a menor piada. Como no futebol, é muito mais interessante jogar contra equipas que "dão luta". E ganhar, claro.

Leia aqui o artigo.

domingo, janeiro 19, 2014

Jogos belenenses

Faltam cerca de dois anos para Cavaco Silva deixar o lugar ao seu sucessor em Belém. À direita, o debate começou já, em torno dos nomes possíveis. É um processo muito interessante, porque nele se cumulam ambições pessoais, polémica entre perfis e, muito em especial, estratégias partidárias.

Os presidentes moldam o sistema, porque a sua leitura sobre os poderes que a Constituição lhes concede vai variando, com as conjunturas e com as personalidades que titulam o cargo. Os últimos dois anos ensinaram muito ao país sobre o papel de um presidente da República. E, por essa via, ensinaram muito aos partidos, que disso retirarão as devidas conclusões.

No seu programa para reeleição como presidente dos PSD, Pedro Passos Coelho resolveu "lançar o fogo na pradaria", desenhando, com um traço carregado de intenção, o perfil do presidente que não quer vir a apoiar. Ficou óbvio que Marcelo Rebelo de Sousa era o nome visado, como o próprio reconheceu. Estará Marcelo excluído em definitivo? Com o "maverick" professor, Cristo pode sempre voltar à terra.

Na aldeia política da direita portuguesa, a zizania vai começar. O idílio Passos-Barroso pode indicar que o quase ex-presidente da Comissão tem agora uma hipótese forte para regressar à ribalta interna. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos, um dos quais não deixará de ser filmado perto do largo da Misericória. "Faites vos jeux, messieurs"!

sábado, janeiro 18, 2014

Abril

Foi há dias. Estávamos a concluir um documento coletivo. Dei-me conta que o texto-base estava escrito segundo o Acordo Ortográfico. Porém, notei que os nomes dos meses se iniciavam com maiúsculas, o que fere as regras do Acordo. Um dos subscritores disse então: "Não me importo de escrever todos os meses com minúscula. Com exceção de Abril".

Ora aí está uma derrogação ao Acordo Ortográfico que aceito de muito bom grado.

sexta-feira, janeiro 17, 2014

Brasil - Portugal

Não foram poucas as vezes em que, como embaixador português no Brasil, me perguntei a razão pela qual a relação luso-brasileira, para além de todos os discursos políticos, não flui com maior vigor e normalidade, independentemente das conjunturas. Num livro em que juntei, há mais de cinco anos, alguns textos que eram fruto da minha experiência naquele país, alinhei explicações possíveis para as distâncias que subsistem entre nós. Mas não tenho a certeza de ter conseguido descobrir todo o problema.

Lembrei-me disso na manhã de ontem, ao ouvir o chefe de Estado português referir-se, com procurado ênfase, ao Brasil, durante o seu discurso diante do corpo diplomático. Portugal e Brasil são hoje dois países com horizontes estratégicos específicos, operando em tabuleiros próprios, com ambições necessariamente diversas, mas raramente antagónicas. Contudo, não tenho a menor dúvida de que as respetivas agendas internacionais só podem ter vantagem em conjugar-se. Subsiste uma óbvia e natural assimetria no modo como cada um dos países olha o outro, os pontos de conjugação de interesses não são valorizados por ambos da mesma forma. E não vale a pena esconder: à cumplicidade bilateral não são indiferentes fatores políticos e pessoais. Por vezes, como é sabido, estes não coincidem.

É em tempos como estes que a diplomacia tem um papel essencial, na sustentação dos interesses permanentes. Um dia, numa intervenção pública que proferi no Rio de Janeiro, no início das minhas funções no país, afirmei que era chegado o tempo de abandonarmos a retórica nas relações bilaterais e passarmos a preenchê-las com a substância do relacionamento humano, cultural e económico desses novos tempos. No final dessa minha fala, o antigo embaixador brasileiro em Portugal, Alberto Costa e Silva, aproximou-se de mim e disse: "Não despreze a retórica, Francisco. Ela tem sido historicamente essencial ao nosso relacionamento bilateral. Foi ela a "almofada" de afetividade que permitiu sustentar as nossas relações, quando as coisas correram mal". Tomei nota dessa observação e, com os anos, vim a dar plena razão àquele nosso amigo.

É um facto que a diplomacia se apoia muitas vezes na retórica. Frequentemente, para um observador exterior, parece haver um gongorismo excessivo no modo como os diplomatas exibem um otimismo que pode parecer forçado e até artificial, ao abordarem o futuro das relações entre dois países. Ora os diplomatas devem ser os profissionais do otimismo. A eles compete assumir o voluntarismo de "puxar" em público pelo que corre bem e tentar resolver, em privado, o que, eventualmente, pode ir andando mal ou menos bem. É uma tarefa delicada, paciente, muitas vezes difícil e, não raramente, a ter de ser feita a contraciclo dos tempos políticos. E, às vezes, contrariando-os.

Portugal e Brasil dispõem, nos dias que correm, de um quadro mútuo de representação diplomática verdadeiramente excecional. Dois brilhantes diplomatas de ambas as carreiras - o brasileiro Mário Vilalva e o português Francisco Ribeiro Telles - têm vindo a revelar-se atores essenciais, na garantia da sustentação de uma presença diplomática ativa, diversificada e, sobretudo, inteligente. Julgo que, com eles, a diplomacia está a provar que, muitas vezes, nas relações bilaterais, é ela que pode fazer toda a diferença.

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Ponto final

Já me tinha acontecido vestir fraque para, em conjunto com outros colegas diplomatas, apresentar cumprimentos de Ano novo ao chefe do Estado do país junto do qual estava acreditado. Mas nunca tinha previsto que isso me viesse a acontecer, como hoje sucedeu, junto do presidente da República do meu próprio país. O facto de ser diretor executivo do Centro Norte-Sul qualifica-me como representante do Conselho da Europa junto do Estado português. Não estive ali como português, mas sim enquanto chefe da representação em Portugal de uma organização internacional. Devo confessar que, pelo ineditismo da situação, achei graça à circunstância e àquele último passeio protocolar pelos espelhos e dourados de Queluz.
 
Salvo para algum casamento mais finaço, a minha labita entrou hoje, como o dono já estava, na merecida reforma. No final deste mês, por exclusiva vontade própria, vou deixar o cargo que tenho vindo a desempenhar, passado que foi um ano do seu exercício. Julgo que não poderia ter terminado essa função com uma nota mais curiosa. A cerimónia desta manhã acaba assim por ser o verdadeiro ponto final na minha ligação à diplomacia. Foram quase quatro décadas, muito interessantes. Mas, aqui entre nós que ninguém nos ouve, já não era sem tempo...

Moura

A fronteira é dos conceitos mais relevantes e interessantes da História. Em Moura, no dia 1 de fevereiro, vamos abordá-la em diversas dimensões.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Prós e Contras

Há uns anos, cruzei-me com Fátima Campos Ferreira num avião. Lamentou então que eu tivesse estado indisponível para aceitar um convite que, meses antes, me havia feito para participar num programa "Prós e Contras". Desconhecia por completo a existência desse convite. Explicou-me que, tendo telefonado para minha casa, a minha mulher lhe havia dito que eu não iria a esse debate. Terá achado que o tema me era inconveniente. Não há nada como ser casado com hábeis (e discretas) gestoras de imagem.

Há dias, estive no "Prós e Contras". O assunto era vasto: 2014. É sempre muito importante o futuro, porque, como alguém dizia, é nele que vamos passar o resto da nossa vida. O debate foi disperso, evoluindo por temáticas que, sendo previsíveis, eram de difícil preparação específica. Acabou por se polarizar, sem surpresas, entre dois dos convidados, que contrastaram posições e argumentos, na defesa tipificada de perspetivas totalmente opostas. Entre os amigos e conhecidos que ouviram as minhas quatro intervenções no programa, o sentimento maioritário foi de que eu falei pouco e que deveria ter sido mais interventivo. Alguns acham que fui pouco assertivo, outros que fui menos "diplomático" e mais "político" do que devia, com o primeiro qualificativo a ser tido por positivo e o segundo a querer ser negativo.

Ontem, num exercício entre o masoquista e o narcísico, revi o programa. No que nele me disse respeito, julgo que disse quase tudo quanto queria dizer. Ou dar-se-á o caso de estar a ser demasiado complacente comigo próprio?

terça-feira, janeiro 14, 2014

Remédio santo!

Era demais! Aquele embaixador português, conhecido notívago, abusava dos telefonemas tardios para os seus colaboradores, que assim viam o seu descanso interrompido, com as famílias já a protestar. Ninguém sabia bem o que fazer. Afrontar o chefe era uma opção arriscada, principalmente no caso dos conselheiros técnicos em serviço na embaixada, cuja renovação da comissão muito poderia depender do seu parecer. 

Um desses diplomatas, casado com uma americana, era a vítima mais regular das chamadas do embaixador. A sua mulher teve então uma ideia. Uma noite  o telefone tocou. A voz do embaixador surgiu do outro lado. O diplomata respondeu com um ar ensonado. E, ao lado, ouviu-se o arfar crescente da sua mulher, repetindo: "yes! Yes! YES!". O embaixador pediu desculpa e desligou. Foi remédio santo!

40 anos de abril

No dia 22 de janeiro, em Paris, vou ter o gosto de fazer uma palestra sobre o 25 de abril e as suas repercussões internacionais.

Espero que este ano de comemorações sobre a Revolução democrática se converta numa festa, que possa ajudar a colorir o cinzento dos dias que passam.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

O toque do telefone

A introdução dos meus dados no computador prosseguia à velocidade necessária. Atrás do homem, um telefone tocou. O homem não atendeu. Passaram minutos. O telefone continuou a tocar. Passou um colega e perguntou ao homem a razão por que não atendia o telefone. O homem respondeu: estou a atender este senhor, respondo ao telefone quando terminar. Intervim para felicitar o homem, para dar-lhe razão, perante o colega que não deve ter gostado e algumas outras pessoas do público próximo, que senti divididas. Para mim, as coisas são claras: não se atende um telefone quando se está a atender alguém. É uma falta de atenção. Este episódio ocorreu há minutos.

Recordei-me então de duas cenas. A primeira foi "uma peixeirada", que, há uns anos, fiz ao balcão de banco. Estava a ser atendido por um empregado. Tocou um telefone e o empregado atendeu. Durante algum tempo, dedicou-se a dar informações pelo telefone, deixando-me de lado. Dirigi-me ao balcão ao lado e mandei chamar o gerente. O "meu" empregado continuava ao telefone. Pedi o livro de reclamações. O gerente estava aflito. Interrompeu o telefonema do empregado. Obrigou-o a tratar do meu assunto e a despachar a chamada telefónica. O empregado engrolou uma justificação de que tivera de interromper o meu assunto... porque o telefone tocara. Alto e bom som, deixei claro: "não admito que ninguém atenda um telefone quando está a tratar um assunto comigo. O telefone não pode ter prioridade sobre as pessoas que estão presentes.". Não sei se aprendeu.

Segunda cena. Uma grande figura da nossa diplomacia era conhecida por passar horas ao telefone. Sentávamo-nos em frente a ele no gabinete e éramos sistematicamente interrompidos por uma corte de amigos, conhecidos e personagens correlativos, a quem ele tinha dado o seu número direto ou para quem ele antes pedira um conjunto de chamadas, através da secretária. Esta consultava para tal a conhecida lista de telefones e endereços desse diplomata, manuscrita e há décadas rasurada, conhecida como "o livro de cozinha", com páginas soltas e nomes de mortos, que ele tinha pena de eliminar, o que chegou a originar confusões em fins de ano, porque para um deles chegou a estar preparado um cartão de Boas Festas, lamentavelmente tardias. Uma tarde, eu estava sentado frente a esse meu colega, tentando expor um determinado assunto e obter dele uma reação. A nossa conversa foi interrompida, sem exagero, aí umas seis vezes, por chamadas que chegavam. A certo ponto, "passei-me", levantei-me e fui para o meu gabinete. Telefonei-lhe. Respondeu-me de lá: "Anda aqui à minha sala. Ainda não acabámos a conversa!". Não hesitei: "Não vou. Se estou aí à tua frente, sou interrompido por algum telefonema. Assim, resolvemos isto pelo telefone, com a certeza de eu poder terminar o assunto". E assim fiz. Lembras-te, António?

O ator secundário

Este fim de semana, fui ao teatro. Era uma companhia paga com dinheiros públicos, isto é, nossos. A peça era fracota. Eu já sabia, mas tinha uma curiosidade quase masoquista em vê-la. Por uma qualquer razão, estive muito atento ao principal ator secundário e à sua relação cénica com o ator principal. Sempre achei interessante observar o papel que, em algumas peças, é desempenhado por quem, sendo um razoável artista, acaba necessariamente por sofrer a sombra da primeira figura. Era esse o caso. Já não é a primeira vez que dou comigo a pensar que alguns desses atores secundários têm um talento que talvez justificasse uma oportunidade num papel principal. Derivará essa impossibilidade de ascensão da má qualidade do "script", do grau de menor credibilidade ganha em "performances" anteriores, do modo como, nesse passado, terão ou não contribuído para êxitos da companhia, da forma como influenciaram negócios de bilheteira? Obrigado a um esforço de afirmação num papel que não dava para grandes voos, sujeito à necessária lealdade formal face à figura que é cabeça de cartaz, a qual vigiava a menor tentativa de protagonismo, numa peça onde a óbvia hierarquia artística condicionava a expressividade das diversas prestações, notei que o ator secundário se via, muitas vezes, obrigado a seguir um caminho estreito, de fino equilíbrio. Toda a sua coreografia, toda a interação com o público, passava-se sob esse angustiante dilema, que lhe limitava as marcações, que lhe impunha indesejadas barreiras no acercar da ribalta. Frequentemente, o público apercebia-se que havia ali uma vocação travada, mesmo uma evidente frustração. Em certos momentos da cena, ficou claro que o ator secundário foi tentado a correr alguns riscos, a dar-se ares daquilo que não pode ser, sofrendo, lá no íntimo, o facto de não lhe ter cabido o lugar de estrela da companhia. Olhamos para ele e sentimos isso bem, chegamos mesmo a ter uma simpatia pelo seu esforço, esquecendo até a mediocridade da peça. Estando do lado de fora do palco, observamos, quase divertidos, o óbvio combate surdo que dentro dele se trava. Um duelo que, no entanto, se vai prolongando enquanto houver público e palmas, apenas porque a bilheteira vai rendendo, porque "the show must go on" a todo preço, porque o elenco precisa de emprego. É que a sustentação de uma peça, por mais banal que seja, é independente do apreço que os atores possam manter ou não entre si. Conservarem-se em cartaz, fazerem prosperar o negócio, só isso justifica que continuem a contracenar, quiçá de mau grado, com uma camaradagem que pode ser apenas formal. E só isso faz com que um ator talentoso se sujeite à secundarização a que é votado. No íntimo, é capaz de já estar a pensar no futuro, noutras peças, noutras companhias, que lhe permitam manter-se em cena, porque ele alimenta-se do aplauso do público. E, por isso, lá vai andando, falando e rindo. Esta minha ida ao teatro não foi, como puderam deduzir, uma grande experiência. Mas foi uma oportunidade para notar que o público começa a declinar, farto desta farsa. Um destes dias saem do palco sob uma merecida pateada.

Prós e Contras

                            
Hoje à noite, na RTP1, vou participar no programa "Prós e Contras". Com Carlos Fiolhais, Ferreira Machado, Miguel Real e Nuno Garoupa discutirei os principais desafios nacionais do ano em curso.

domingo, janeiro 12, 2014

Gastronomia

O excelente blogue de gastronomia "Mesa Marcada" anunciará, no próximo dia 20 de janeiro, os nomes dos "10 restaurantes e chefes preferidos de 2013". Tive o privilégio e o gosto de integrar o júri desses prémios mas, infelizmente, vou estar fora do país na data dessa cerimónia.

Nessa semana, estarei em Paris, onde, no dia 22, farei parte com José Bento dos Santos, uma figura sem par no nosso país no que à gastronomia diz respeito, da "representação" portuguesa numa "session de travail" da "Académie des Psychologues du Goût", uma renomada confraria gastronómica, criada em 1922, de que ambos somos membros há vários anos.

Um gesto

Eu sei que o gesto não é vulgar no futebol, razão pela qual deve ser sublinhado, para exemplo ético-desportivo das novas gerações. Na noite de ontem, o Sporting Clube de Portugal, ciente de que uma eventual vitória sobre o Estoril "arrumaria" com o campeonato, decidiu, numa atitude de grande dignidade, deixar que o jogo chegasse ao fim empatado. Viu-se claramente que o desperdício de alguns golos teve um intuito deliberado, o que revela bem o nível de controlo sobre os jogadores que Leonardo Jardim consegue manter. Desta forma, o Sporting permite que hoje, num espetáculo muito interessante que terá lugar num estádio perto do Colombo, na freguesia e bairro de Carnide, qualquer das duas equipas que denodadamente disputam o 2° lugar na Liga possa ter a possibilidade de, pelo menos por uma jornada, assumir a liderança formal da classificação. Está nas mãos de uma delas ter essa efémera glória. Se acaso empatarem, não se queixem! Fizemos o que estava ao nosso alcance para terem essa alegria breve. E, claro, não damos mais abébias. Acabaram-se as festas e o período em que isto era "a feijões".

sábado, janeiro 11, 2014

Ariel Sharon

Depois de um muito longo coma, foi anunciada a morte do antigo primeiro-ministro israelita Ariel Sharon.

O mundo quase se havia esquecido dessa figura intransigente da direita israelita, celebrada pela arrojada travessia militar do canal do Suez, na guerra do Yon Kippur, em 1973, e, mais tarde, por fortes responsabilidades no massacre de Saabra e Chatila, no Líbano, em 1982. Deve-se ainda a Sharon, no entender de muitos observadores, a deliberada "provocação" que deu origem à segunda Intifada, após a sua ostensiva visita à esplanada das mesquitas, em 2000.

Recordei os dias em que, em 1978, acompanhando o então ministro da Agricultura e Pescas português, Luis Saias, visitei o seu "bunker" na propriedade familiar que tinha no deserto do Negev. Sharon era, então, ministro da Agricultura do seu país. Guardo fotografias desse momento.

Sharon era uma figura rotunda, com um ar um tanto "patronizing" mas com alguma cordialidade, de onde transparecia uma autoridade natural que advinha, sem dúvida, dos seus tempos militares. Na lógica tradicional da composição dos governos israelitas, cujo sistema eleitoral "balcaniza" o executivo por uma imensidão de partidos, a Sharon calhara a Agricultura, como mais tarde iria caber a Habitação. A importante dimensão político-estratégica destes cargos ia, porém, muito para além da tecnicidade do lugar, pelo que as conversas com o seu homólogo português - cuja especialização era, aliás, também limitada - não passaram de vagas generalidades.

A visita correu bem, com demonstrações de simpatia pessoal de parte a parte, com alguns projetos de cooperação técnica assinados. No seu termo, Luis Saias informou-me que decidira convidar aquele seu homólogo a visitar Portugal. A seu ver, a amabilidade com que este o recebera tinha de ser recompensada. Expliquei então ao nosso ministro que, como diplomata e representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros na delegação, desaconselhava vivamente que convidasse Sharon a ir a Lisboa. A posição portuguesa no delicado equilíbrio da questão do Médio Oriente era muito cautelosa e o MNE nunca viria a aceitar dar "luz verde", naquela conjuntura, à concretização do convite.

(Antes da nossa partida para Israel, como já relatei aqui há tempos, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sá Machado, havia-me transmitido pessoalmente as linhas "limite" de enquadramento desta visita técnico-política. Um convite para uma visita de Sharon a Lisboa ia, claramente, muito para além dessas instruções).

Luis Saias não teve em conta as minhas objeções e, na conferência de imprensa final (em que eu tive de traduzir o que disse...), deixou expresso o convite para Ariel Sharon visitar Portugal. Saias deixaria de ser ministro tempos depois, com o fim do governo PS-CDS. Para a História, Sharon não veio a Portugal.

(Adaptação de um post aqui publicado há mais de três anos)

"Cherchez la femme!"...

"Parecia que não partia um prato..." foi o comentário mais suave que ontem ouvi, num jantar maioritariamente feminino, a propósito das aventuras românticas a que é associado o presidente François Hollande. A ser verdade o que a imprensa rosa publica, logo seguida com hipócrita indignação pela avidez da restante comunicação social, Hollande não foge muito à tradição da grande maioria dos seus antecessores, que a História acabou por provar que mantiveram "affaires" extraconjugais, que aparentemente lhes atenuavam o peso das responsabilidades do Eliseu. Há uns anos, uma amiga ofereceu-me um curioso livro intitulado "Sexus politicus", que inventaria muitos deste pecadilhos.

Praticamente à exceção do general De Gaulle, a quem se não conhecem desvios à fidelidade a dona Yvonne, há em França relatos ou rumores sobre a quase generalidade dos seus presidentes, desde um que morreu no próprio palácio durante um desses encontros afetivos até outro, já mais recente, cuja rapidez no ato era resumida na célebre frase "dix minutes, douche comprise". 

O chefe do Estado francês sobre o qual há mais dados conhecidos neste domínio, talvez porque foi o primeiro que teve a desagradável experiência de ver a comunicação social quebrar a tradição de encobrimento público que até aí vigorava, foi François Mitterrand, cuja aura passou das políticas socialistas às aventuras amorosas. Ora sendo François Hollande um confesso seguidor de Mitterrand...

Alguma França puritana não vai achar graça ao facto do seu presidente poder estar envolvido num "affaire" desta natureza. Mas essa França já não gostava de Hollande. Posso estar enganado, mas fico com a sensação de que, numas próximas sondagens, François Hollande pode vir a beneficiar desta historieta, em termos de apreciação pública. Essa é a "graça" de um país como a França onde, tal como nos romances policiais, a resposta para muitas questões se encerra na expressão "cherchez la femme!"

sexta-feira, janeiro 10, 2014

Ainda Eusébio

O debate sobre se os restos mortais de Eusébio devem ou não ir para o Panteão Nacional parece-me enfermar de alguma imprecisão. Vejo muito poucas pessoas preocupadas em olhar para o que diz a lei:
 
"As honras do Panteão destinam-se a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica ou artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade".
 
Uma coisa é clara: o debate sobre se Eusébio merece ou não ser escolhido para poder vir a estar em Santa Engrácia só deve ter lugar depois de se confirmar que ele configura um dos casos tipificados na lei.
 
Alguém quer apostar comigo em como, dentro de um ano, período antes do qual a decisão não pode ser tomada, vai surgir uma polémica sobre a vírgula que figura no texto entre "ao país" e "no exercício"? Alguns dirão, atendo-se ao texto antes da virgula, que ele permite distinguir quaisquer "serviços prestados ao país". Outros dirão que esses "serviços" são apenas os que, após a vírgula, são elencados. E vai ser a Assembleia da República, com a mesma "competência" jurídica que pode ter criado esta ambiguidade, que se vai pronunciar, fazendo a leitura "autêntica" do diploma que ela própria gerou. 

Boas notícias e uma incógnita

Nem tudo são más notícias, do lado da Europa.
 
As últimas previsões, no tocante ao futuro presidente da Comissão europeia, dão conta de que o nome do antigo primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, pode vir a ser o eleito do setor conservador. Do lado dos socialistas, o atual presidente do Parlamento europeu, Martin Shultz, está já definido como candidato.
 
Em ambos os casos, estamos perante figuras que têm uma leitura do projeto e do processo europeu que basicamente se coaduna com os interesses de um país como Portugal. Sabemos que isso não é uma condição suficiente para que as coisas venham a correr bem para as "nossas cores", mas já seria uma boa ajuda.
 
Uma incógnita permanece: o nome do presidente do Conselho europeu, que substituirá Van Rompuy. Esta nova figura institucional, em má hora "inventada" pelo Tratado de Lisboa, é uma espécie de administrador dos poderes que o Conselho recuperou da Comissão. É um lugar decisivo, devendo nós estar atentos ao que o nome a escolher puder significar. Uma coisa teremos de ter por certo: será um nome da total confiança da chanceler alemã.

Estatística

O governo informou que 95% dos pensionistas estarão isentos do pagamento do "complemento extraordinário de solidariedade", que abrangerá as pensões superiores a 1000 euros.

Fica-se assim a saber que, em Portugal, 95% dos pensionistas vivem com menos de 34 euros por dia.

BOAS FESTAS!

  A todos quantos por aqui passam deixo os meus votos de Festas Felizes.  Que a vida lhes sorria e seja, tanto quanto possível, aquilo que i...