domingo, junho 09, 2013

Regresso ao Brasil

Gostei muito de regressar ao Brasil, ainda que por escassíssimos dias, transformando-me numa espécie nova do "português-de-torna-viagem". Vim ao Ceará, cuja comunidade luso-brasileira teve a imensa simpatia de se lembrar de mim, para um prémio anual que atribui. Um gesto e um convite que me confirmaram que os tempos em que por aqui trabalhei não foram em vão.

As relações entre o Brasil e Portugal têm ciclos muito distintos entre si. Ao tempo em que chefiei a embaixada portuguesa em Brasília, a grande vaga de entusiasmo pelo investimento português no Brasil já se tinha atenuado um pouco. As primeiras desilusões faziam-se então sentir, alguns investimentos passavam por uma reconversão ou redimensionamento, muitas PME's testavam ainda a sua aventura num mercado que tem caraterísticas muito peculiares e uma cultura administrativa que não é óbvia para quem vem da Europa. Ao tempo, a tibieza do investimento brasileiro em Portugal continuava a ser a regra do jogo, embora alguns novos sinais positivos fossem já evidentes, que aliás vieram a confirmar-se no futuro. O comércio bilateral chegou a crescer a olhos vistos, mas o escasso valor acrescentado e a natureza dos fluxos tornava as taxas de crescimento mais espampanantes do que aquilo que era o seu real impacto sobre as respetivas balanças comerciais. O turismo comportava-se bem: compensando a redução da vaga portuguesa para o Nordeste, que, confesso, sempre interpretei como conjuntural, o Brasil passou a descobrir Portugal como destino, num ritmo ajudado pela TAP e pelo comportamento do real face ao euro.
  
Esses eram também os tempos de uma forte vaga migratória brasileira para Portugal, gerida pelos governos de Lisboa com uma assinalável abertura. Nem sempre o Brasil entendeu bem que era inviável para nós - um país do tamanho de Pernambuco e com a população do Paraná - abrir, por completo, as portas da legalização a todos os brasileiros que nos procurassem. Mesmo assim, cerca de 120 mil brasileiros andavam então, legal ou ilegalmente, por Portugal (em percentagem, face à população portuguesa, era a mesma coisa que tivessem vindo para o Brasil, em escassos anos, bem mais de 2 milhões de portugueses!). Aliás, os portugueses que, nesses tempos, procuravam o Brasil também se defrontavam com restrições à sua fixação, nomeadamente ao reconhecimento das suas qualificações. É da lógica das coisas que cada Estado procure acautelar os seus interesses nacionais, apenas se exigindo que isso seja feito com transparência e sentido de reciprocidade, desligados de qualquer deve-e-haver histórico.

As coisas deram, entretanto, algumas importantes voltas. A crise económica internacional revelou cruelmente as fragilidades da nossa economia e, pelo tempos mais próximos, as suas incontestáveis limitações e o seu potencial de relevância no contexto da economia brasileira. Os fluxos migratórios inverteram-se de novo, com tudo o que isso acarreta na mudança das premissas da equação bilateral. Perante um Brasil em cuja incontestável pujança económica surgem também algumas preocupações, que o passado mostrou que podem, com facilidade, redundar em atitudes de menor abertura, fico com a sensação de que a presença empresarial portuguesa passa hoje um período menos otimista ou, pelo menos, com algumas interrogações longe de superadas.

A relação bilateral vive, assim, e naturalmente, um tempo diferente. O qual, em certos domínios, poderá ter de aguardar por melhores dias, o que coloca novos problemas e, por isso mesmo, exige respostas criativas. Estou confiante em que, com o tempo, as soluções acabarão por surgir, tanto mais que as diplomacias portuguesa e brasileira dispõem hoje, respetivamente em Brasília e em Lisboa, de dois embaixadores de uma rara qualidade. Mesmo se a melhor diplomacia não consegue resolver tudo, se não tem condições para superar certas idiossincrasias e os correlativos impactos, tenho a certeza que ela se constituirá sempre como um suporte seguro para a preservação da dose necessária de realismo. Porque estou convicto que os interesses comuns, a prazo, apontam no mesmo sentido, qualquer que seja a perceção que disso possam ter as atuais lideranças em ambos os países.

sábado, junho 08, 2013

Dia de Portugal

Vem aí mais um Dia de Portugal. Infelizmente, não vou poder aceitar o convite para estar presente na cerimónia em Elvas, experimentando a minha nova e curiosa qualidade de membro do corpo diplomático em Portugal, enquanto diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. O avião que me trará do Brasil não chegará a horas que me possibilitem a deslocação a Elvas.

Todos os anos, olho sempre com alguma curiosidade para a lista dos condecorados no Dez de Junho. Por ela confirmo juízos sobre pessoas cuja ação meritória o país entendeu finalmente dever reconhecer publicamente (lá figura um nome que, como embaixador, eu próprio já havia proposto por mais de uma vez), aprendo a respeitar nomes de compatriotas que se distinguiram em domínios às vezes insuspeitados e encontro, aqui ou ali, escolhas que me parecem francamente deslocadas, num juízo de aquilatação relativa. Outros, nomeadamente os que tomam essas decisões, pensarão de forma oposta à minha, claro. É da natureza destas coisas nunca serem totalmente consensuais, embora o bom senso recomende que devam sempre tender a sê-lo.

Há precisamente uma década, também eu subi ao palanque para receber, das mãos do chefe do Estado, a mais elevada comenda a que qualquer servidor público pode ambicionar, atribuída por razões então divulgadas, que me não cabe a mim julgar ou agora reiterar. Digo isto para que se compreenda que o que a seguir vou dizer não pretende vantagens em causa própria.

Ao longo dos anos, um pouco como acontece com os militares, havia-se criado a regra de distinguir, no Dia de Portugal, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, um embaixador de Portugal que, por uma carreira distinta ou por ações diplomáticas "valerosas" (como disse o poeta que marca o dia), se houvesse destacado na execução dessas suas funções públicas. Era um testemunho de reconhecimento do Estado em domínios de soberania que, pela sua seletividade e raridade, funcionava, entre nós, como uma espécie de "benchmark" de mérito (embora, também aqui e uma vez mais, a doutrina por vezes se dividisse quanto à justeza da escolha feita). E era um gesto que, do mesmo modo, não deixava de ter algum significado perante os nossos pares estrangeiros, bem como face aos países onde estávamos ou iríamos ser acreditados. Os outros Estados, onde estas coisas também se praticam, frequentemente em moldes similares, sabem bem interpretar o que significava terem, como representante diplomático português, um embaixador titular da mais elevada condecoração do seu país.


Agora, de há uns tempos para cá, ou é desatenção minha ou desapareceram embaixadores nas listas dos condecorados no Dia de Portugal. Não quero fazer disto uma polémica, mas, com esta realidade, pode criar-se a impressão de que a função diplomática terá decaído nas tabelas de apreciação dos poderes públicos. Se assim fosse, isso seria de uma imensa injustiça e motivo de grande estranheza. É que, com ênfase, regularidade e de uma forma que não quero crer ser apenas retórica, quer o chefe da diplomacia quer o chefe de Estado têm vindo a destacar o importante e cada vez mais difícil trabalho que, em particular nos últimos anos, é discretamente realizado pela carreira diplomática portuguesa, na tentativa de salvaguarda do prestígio e dos interesses do país na ordem internacional. Assim, só posso deduzir que, não devendo essa perceção negativa corresponder à realidade, haverá novos critérios, seguramente ponderosos mas que, para mim, não são nada evidentes.

sexta-feira, junho 07, 2013

Somas

Leio no "Expresso" online há pouco:  "PS e PCP já valem 50% juntos".

Há fantasias aritméticas que, por mais ridículas que sejam - e esta é-o! -, não são inocentes quando publicadas! 

Facas

Estar em Nova Iorque, como embaixador, aquando dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, tornou-me testemunha de um agravamento súbito das regras de segurança que passaram a vigorar em toda a sociedade americana e que logo se espalharam pelo mundo. Em particular, assisti à compreensível histeria que passou a marcar as viagens aéreas, dando origem ao modelo, mais ou menos generalizado, que hoje vigora e que transformou a generalidade dos aeroportos em locais desagradáveis, morosos e fatigantes.

(Uma curiosidade: três décadas antes do 11 de setembro, nos anos 70, recordo-me que o "shuttle" aéreo entre Washington e Nova Iorque funcionava da seguinte forma: colocávamos a bagagem num balcão, recebíamos uma senha para a recuperar mais tarde, davam-nos uma outra senha numerada para embarcar, os lugares não eram marcados e pagava-se o bilhete às hospedeiras já a bordo, durante a viagem. Controlo de segurança era um conceito desconhecido. Aqui sim, pode aplicar-se com propriedade a expressão "bons tempos".)

Ontem, ao viajar na TAP entre Lisboa e Fortaleza, dei por mim a refletir sobre o facto dos talheres da refeição serem todos de metal. E a recordar que, aqui há uns anos, no serviço de bordo de muitas companhias aéreas, mesmo em primeira classe e classe executiva, só havia, durante muito tempo, facas de plástico, mesmo já em épocas anteriores ao 11 de setembro. O curioso é que essa medida de "segurança" coexistia com o uso corrente de garfos metálicos e de copos, bem como de pequenas garrafas de vidro, instrumentos que, no caso de uma ação violenta, seriam tanto ou mais perigosos que as facas. Sendo que os riscos não parece terem diminuído, já me tenho perguntado por que raio de lógica, nesses tempos, as facas eram de plástico e sã hoje de sólido metal. Que mudança de critério terá tido lugar na cabeça dos especialistas? E, já agora, qual é a razão pela qual, ainda hoje, não nos permitem viajar com uma navalha ou um canivete mas, logo de seguida, nos põem à disposição facas metálicas?

Não se veja no que acabo de escrever uma qualquer defesa do regresso às sinistras facas de plástico, aliás inusáveis em bifes e com as quais tive "acidentes" gastronómicos que só quero esquecer. Mas devo reconhecer que, tendo hoje direito no voo a uma faca operacional à mão, só os meus bons instintos (e o bom senso) me impediram de a utilizar para ameaçar um bando de energúmenos, exprimindo-se numa conhecida fala ibérica, que arengaram e gargalharam alto durante as mais de sete horas da viagem, não deixando descansar quem o consegue fazer em aviões ou quem, como é o meu caso, não conseguindo dormir, quer simplesmente ler, trabalhar e que ninguém o aborreça. 

quinta-feira, junho 06, 2013

Aprendizagem de uma nova vida

Afinal, não aprendo nada. 

Nos últimos anos, em Paris, confrontado com uma vida diária muito cheia, fui alimentando a ilusão interior de que, regressado que fosse a Portugal, a minha vida mudaria drasticamente. Planeei idas a museus, assiduidade a concertos, encontros com amigos, leitura de livros atrasados, revisão de filmes que havia perdido, audição de conferências (este post nasce da constatação de que faltei ontem a uma imperdível conferência de Jacques Delors).

Comecei a minha "reforma" assim, com esta ilusão. Ela durou escassos dias.

O confronto com a realidade provou-me que tudo é muito diferente. A agenda começou a encher-se, as viagens a aumentar, os compromissos encavalitam-se uns sobre os outros e a dificuldade em dizer não a uma multiplicidade de solicitações, feitas por amigos interessados, revela-se em todo o seu esplendor. De início foram apenas algumas entrevistas, depois começaram os livros para apresentar, os colóquios e ofícios correlativos em que sou convidado a participar, bem como alguns estimulantes exercícios de "brainstorming" sobre temáticas internacionais em que, com algum prazer, me envolvo. Acresce que Lisboa é uma cidade pouco "friendly" para deslocações, com um tráfego imprevisível. Os eventos começam frequentemente mais tarde do que estava previsto, prolongando-se para além da hora. Eu próprio gosto de ficar a conversar, a rever gente, a "ganhar" tempo, perdendo-o. E, no topo de tudo isso, chego ao fim do dia (Eu sei! É a idade...) derreado, com pilhas de jornais por ler, a pedir "sopas e descanso", "zappando", num sofá, entre dois sonos e vários canais. Nem ao "Procópio" já vou com a assiduidade costumeira e a que o dever de tertúlia obriga.

Está bem, mas há os fins-de-semana! Pois isso! Ainda ontem respondi a um amigo que, daqui até ao final de julho, só tenho duas datas livres para almoçar, em sábados ou domingos. E descobrir, como fiz hoje, que tenho três textos por concluir, duas conferências para preparar, pilhas de (novos) livros por ler, que há meses que não paro meia hora para ouvir uma música, que já saiu de cena aquela peça que queria muito ver. E que nem consegui uma hora para ir à feira do livro! Que, em quatro meses, não fui a um único cinema! Que diabo! Terá de ser sempre assim?

Bom, afinal sempre aprendi qualquer coisa: no fundo, tenho esta vida apenas porque quero. Ninguém ma impõe. As escolhas são sempre nossas. Mas, como diria o Variações, "o corpo é que paga". Pelo que o verdadeiro aforismo é: quem corre por gosto também cansa.

quarta-feira, junho 05, 2013

Adeus, António

Está bem! Por uma e última vez, faço-lhe a vontade, trato-o por António, coisa que nunca antes fiz, muito embora você me tivesse notado o ridículo que era o facto de que, sendo nós tão amigos e tão próximos, eu teimasse em tratá-lo sempre por “embaixador”. 

Faço-o agora e na hora da sua morte, que há dias por aqui pressenti. Quer saber agora porque persisti nesse tratamento cerimonioso? Porque, não obstante, ao longo da minha carreira, ter sido chefiado por vários outros embaixadores, de quem sempre fiquei amigo, devo-lhe a si, António, a mais humana leitura do modo como se deve estar nesta “arte” de nos representar pelo mundo, com atenção aos outros, com a perceção e o respeito pela diferença, com a sua incessante curiosidade pelo novo e, muito em particular, pelo seu sentido patriótico no exercício de uma tarefa única, que, salvo para um bando de ignorantes patetas, estará sempre muito para além de uma simples profissão.

Um dia, espero ter tempo e engenho para contar as nossas divertidas aventuras nessa Luanda de uma Angola em guerra, as conversas pelas noites da Anunciada Velha (onde pensávamos, precisamente este ano, passar uns serões consigo e com a Sofia, repetindo uma saltada aos petiscos vizinhos, na dona Céu), os dias em que estivemos em Itália, onde eu lancei, para sua irritação, o "neovaticânico" conceito das “tostas místicas”, consigo a levar a sério a minha “ameaça” de lhe cortar, do quadro do pessoal, o conselheiro eclesiástico – o mesmo que, há pouco, na Estrela, oficiou religiosamente, perante os muitos amigos seus que ali vieram, a sua derradeira despedida.

Há semanas, falámos pela última vez, por uns minutos breves, no ambiente assético dos cuidados intensivos do hospital. No meio de temas que lhe iam e vinham à memória já frágil, revelou-me então que gostaria de ter escrito mais sobre a Alemanha, onde havia passado um tempo que foi histórico. Estava muito cansado, com as forças e as conversas a fugirem-lhe. E senti-o a afastar-se irremediavelmente de todos nós. Isso aconteceu agora.

Fico feliz pelo facto de, um dia, me ter dado o gosto de prefaciar o seu “Diário da Guiné”. Nele deixei o mais sincero retrato que consegui fazer de si, ao longo destes anos de amizade imaculada, de imenso respeito e admiração pelo “meu embaixador”. Reproduzo as últimas linhas desse prefácio, sobre o seu papel como diplomata, como homem e, principalmente, como português:

“Ele representa um país, e representa-se nesse país, que sabe ser uma ilusão melhorada do Portugal oficial que existe por detrás das ordens que recebe, e escuda-se sempre, com um inquebrantável optimismo, na sua visão do que Portugal poderia ser: um país de bem, tomado por uma alegria que não seja apenas breve, capaz de sustentar o sucesso, uma terra de tradições saudáveis, de palavra respeitável, pátria suculenta de sopas de favas e de primas em férias, de caturreiras à lareira das ilustres casas, pelas cidades e as serras da memória feliz de tempos que porventura também nunca existiram, a não ser na imaginação de quantos, saudavelmente, ainda acreditam num certo Portugal eterno. Como António Pinto da França.

Era assim, António, era assim que eu o via. É assim que o recordarei, com uma imensa saudade e um forte e muito amigo abraço nosso à coragem ímpar da Sofia.

terça-feira, junho 04, 2013

A via farmacêutica para o socialismo

"Há aqui uma única preocupacão que é a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde a todo o custo, apontando todas as baterias para o setor privado, quando, em tudo quanto é de responsabilidade de gestão do Ministério da Saúde, não há dúvidas que aí é muito permissivo" (...) "O que se passa é que muitas vezes o setor privado tem medo e não enfrenta o Estado".

Quem disse isto hoje numa entrevista ao "Diário de Notícias"? Algum conservador radical desiludido com o facto do Governo não estar a ir suficientemente para "além da troika"?

Não! O candidato do PS à Camara Municipal de Cascais!

Em tempo: também no "Diário de Notícias", mas de 5 de junho, vem publicado o seguinte: "O secretário de Estado adjunto da Saúde, Leal da Costa, disse ontem que Portugal vai precisar de um Serviço Nacional de Saúde "eminentemente público", "por muitos e longos anos". É muito interessante contrastar esta declaração de um político de um governo conservador com a posição de um candidato autárquico do PS.

Sondagens

Com um bom amigo polaco, que veio beber comigo uma Wiborowa gelada ao bar do Hyatt, aqui em Varsóvia, ao final da noite de ontem, comentei as sondagens que, segundo a imprensa de ontem, punem de forma pesada o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, curiosamente nas vésperas da sua visita oficial a Portugal.

Veio então à baila, por similitude, o grau de popularidade dos atuais dirigentes politicos portugueses e, com algum realismo, não pude deixar de comentar que, no nosso país, os governantes também estavam a obter muito maus resultados nas pesquisas de opinião.

Com cara séria, o meu amigo polaco comentou:

- Eu sou muito cético! É sempre prudente desconfiar das sondagens. É que, muitas vezes, elas dizem a verdade...

segunda-feira, junho 03, 2013

Polónia

Por razões que seria fastidioso explicar, mas que se prendem essencialmente com a leitura que faço dos equilíbrios desejáveis no seio da União europeia e da Europa - que são coisas um pouco distintas - fui sempre um apologista da entrada da Polónia nas instituições comunitárias. Aculturei essa perceção com António Guterres, cuja determinação europeísta cedo soube marcar o rumo oficial português perante o processo de alargamento.

Cheguei há algumas horas a Varsóvia, para encontros profissionais, no quadro da minha nova vida de "ex-aposentado" - para recuperar a feliz designação que me foi atribuída por um comentador deste blogue. Já aqui não vinha há uma década. Entre 1995 e 2003, visitei várias vezes a Polónia, sempre em trabalho, acompanhando António Guterres e o presidente Jorge Sampaio, mas igualmente para proferir conferências (duas vezes no magnífico Instituto europeu de Natolin, outra a convite de antigo MNE Bronislaw Geremek, para falar a jovens polacos, no âmbito da Fundação Jean Monnet, a que presidia) ou a chefiar missões bilaterais. Também no âmbito da OSCE me desloquei a Varsóvia, ido de Viena. (O meu amigo e ex-jornalista do "Expresso" Luís Tibério espalhava aos quatro ventos que, durante anos, quando me tentava telefonar, eu estava sempre na Polónia....). Tive e tenho excelentes amigos polacos, na política como na diplomacia, todos tributários de uma cultura marcada por tempos muito difíceis, exigentes e frequentemente bem trágicos. E por uma magnífica capacidade de saber "dar a volta por cima" às coisas.

De cada vez que volto à Polónia fico surpreendido com a vitalidade deste país, com o seu crescimento, com a sua vontade de se afirmar como um poder sólido no contexto europeu. Conheço as linhas dominantes do pensamento estratégico que por aqui se cultiva, as preocupações com a evolução recente da Rússia, mas, igualmente, o cuidado posto no processo político que se desenvolve em dois vizinhos complexos: a Ucrânia e a Bielorrússia. E, naturalmente, é sempre importante acompanhar o sentido do diálogo entre Varsóvia e Berlim, bem como os vários capítulos da particular relação da Polónia com os Estados Unidos, agora que a França passou a contar menos na sua política de alianças. Um país não escolhe os seus vizinhos, pelo que há que perceber que, muitas das vezes, a sua liberdade para selecionar os seus amigos está ligada aos imperativos ditados por essa mesma vizinhança. E a Polónia contemporânea sabe bem perante quem tem uma dívida de gratidão, seja na ajuda à sua libertação da tutela soviética, seja, mais tarde, na sua integração europeia, com a liberdade e o progresso que daí lhe adveio.

Há semanas, num debate em Lisboa comemorativo do dia da Europa, contei uma história que me foi relatada, um dia, por um amigo polaco, nascido em Varsóvia, no final da guerra. A capital polaca era então uma montanha de escombros. Esse meu amigo cresceu nesse ambiente, que estava, no tocante a Berlim, muito bem retratado no impressionante filme de Rosselini cuja projeção tinha antecedido as nossas intervenções (de Viriato Soromenho Marques, de José António Pinto Ribeiro e de mim próprio, para além de representantes das embaixadas francesa e alemã em Portugal). Um dia, os pais desse meu amigo, então com cinco ou seis anos, levaram-no a Cracóvia. Era e é uma belíssima cidade, felizmente poupada pelas destruições da guerra, que fica próxima do campo de concentração de Auschwitz. Para esse amigo, então muito jovem, a surpresa foi imensa: no seu imaginário de criança, habituado à "paisagem" de Varsóvia, todas as cidades eram ruínas. Ora, afinal, havia cidades onde as casas estavam de pé, onde a guerra não parecia ter passado. 

Na minha intervenção no debate, procurei explicar que nós, em Portugal, durante a segunda guerra mundial, vivíamos como que "em Cracóvia", pelo que nunca poderemos entender verdadeiramente a Europa se não soubermos estar à altura das preocupações de quantos experimentaram um mundo bem mais dramático, feito de guerra, de morte, de ocupação, seguido de um totalitarismo violento, reciclado por ondas repressivas, que se prolongou por décadas. Não é, assim, de estranhar que esse países valorizem o desenvolvimento que entretanto obtiveram, à custa de imensos sacrifícios e renúncias. E que tudo isso molde a sua idiosincrasia nacional.

Nota: as belas casas que se vêm na imagem, na clássica praça Rynek, são reproduções feitas com base em documentos e desenhos anteriores à segunda Guerra mundial, um trabalho que só ficou concluído em 1962. Depois do conflito, a praça era apenas um amontoado de pedras e ruínas. 

domingo, junho 02, 2013

Declaração de inveja

Agora sim! Encafuado por algumas horas num "lounge" do aeroporto de Charles de Gaulle, esperando um avião para leste, e ao olhar, lá fora, o belo sol parisiense, revelo a minha assumida inveja pelo que deverá ser o ambiente, a alguns quilómetros daqui, no Jardin du Luxembourg. 

Só posso desejar que os meus amigos de Paris aproveitem o que por aí vier de verão, depois de todos estarmos a atravessar o longo inverno do nosso descontentamento. Em Portugal, finalmente!, parece que já há sol, talvez porque a "troika" ainda não consegue controlar isso. Ou talvez seja, como diria a Simone, o nosso "sol de inverno". 

Ainda os Balcãs

Um dia, contei neste blogue o seguinte episódio:

Foi há menos de 10 anos, em Sarajevo, a martirizada capital da Bósnia-Herzegovina. Era um jantar a que estava presente, como convidado e amigo do nosso representante diplomático, um membro do governo daquele país.

O equilíbrio político na Bósnia-Herzegovina, um país resultante da fragmentação da antiga Jugoslávia, é muito difícil, dado que, do executivo, fazem obrigatoriamente parte representantes de três diferentes etnias, com um complexo historial de conflito entre si: bósnios, croatas e sérvios. Não quero recordar a qual dos grupos étnicos pertencia o convidado local dessa noite.

O jantar tinha um caráter relativamente informal, no jardim da residência. Como não podia deixar de ser, a conversa cedo derivou para a política.

A certa altura, veio-me à memória que numa das minhas visitas a Sarajevo, nos anos 90, tinha conhecido um membro do governo da Bósnia-Herzegovina, pertencente a uma dessas minorias. Era um homem agradável e cordial, com quem eu havia criado uma forte relação de simpatia. Voltaria a encontrá-lo mais tarde, por duas vezes, na Grécia, onde ambos tínhamos ido a convite pessoal de Georgios Papandreou, atual primeiro-ministro, de quem éramos amigos. Perguntei por esse antigo ministro da Bósnia-Herzegovina.

Notei que o nosso convidado ficou um pouco embaraçado, mas respondeu:

- Está na Haia.

Ao meu lado, uma pessoa menos dada a interpretar, com a rapidez da nossa profissão, este tipo de informações, perguntou:

- Como embaixador?

Não sei se fui eu que me adiantei ou se foi o ministro que esclareceu que "estar na Haia" significava estar detido sob ordem do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, que julga os crimes de guerra e que tem sede na capital dos Países Baixos.

Como dois diplomatas portugueses presentes bem se lembrarão, mudámos logo de conversa...

Terão reparado que omiti no relato o nome do político em causa. Ontem, ao abrir um jornal, dei-me conta que o croata Jadranko Prlic - era ele a figura a quem eu me referia -, acaba de ser condenado pelo TPI para a antiga Jugoslávia a 25 anos de cadeia. Não posso deixar de ter um pensamento para a sua mulher e filha, pessoas bem simpáticas com quem muito conversámos, em tempos em que Jadranko ainda não tinha sido chamado a pagar pelos crimes que terá cometido.

Nota: O mapa acima publicado mostra ainda o Kosovo como "província autónoma" da Sérvia. Hoje, o Kosovo foi declarado país independente, embora esse estatuto continue a ser contestado pela Sérvia e não seja reconhecido por importantes setores da comunidade internacional. O mapa (que pode ser aumentado nele clicando) revela bem o "puzzle" étnico da região.

sábado, junho 01, 2013

Chuva

Com um calor "de rachar" em Portugal, será que há alguma coisa mais chata do que um dia frescote de chuva, com trovoada à mistura, como aquele que tenho aqui por Podgorica? Deve haver, mas é preciso procurar muito. 

Talvez só um dia molhado, na pasmaceira novecentista de Oliveira de Azeméis, com o Artur Corvelo e o Rabecaz a remoerem a nostalgia, feita de saudades definitivas da Lola, da Concha e de Lisboa, depois de uma bilharada melancólica na Couvada. Há sempre um Eça para tudo, felizmente.

A propósito, deixo este clássico de B.J. Thomas.

O fim das teimosias

Lembram-se dos tempos em que, numa tertúlia de amigos, num bar ou num café, debatíamos longamente se era mesmo aquela atriz girota quem entrava como personagem secundária num certo filme, se o escritor fulano era ou não equatoriano de nascimento, qual era o nome do secretário de Estado que tinha substituído um outro num determinado governo, as palavras exatas da última estrofe daquela canção, se uma citação estava precisa ou não? O tira-teimas só se fazia mais tarde, quando alguém obtinha a prova irrefutável da razão que lhe assistia.

Dou por mim numa mesa da "Gomes", em Vila Real, na minha adolescência, com o Albano Tamegão e o Guilherme Sanches, a desunharmo-nos em torno do nome certo da capital de uma ilhota do Pacífico ou daquela canção secundária dos Beatles. Numa tarde, na "sala verde" do ISCSPU, procurei, durante quase uma hora, com o Manuel Dinis e o Alexandre Chaves, recordar a designação de uma tasca de bons petiscos, lá para o Norte, em lugares que só o nosso comum exílio no Sul chamava à conversa. Atrasava-nos a entrada ao serviço na Caixa, depois do almoço, no Calhariz, encostados à montra da "Bijou", a teima, com o Murta e o Aldeia, em torno de quem tinha provocado um certo penalti ou se tinha sido o Oliveira Duarte ou o Nóbrega quem entrara para a ponta esquerda, na segunda parte de um certo jogo da seleção, em substituição do Simões. Lembro-me de discussões, com o António Franco e o Miguel Lobo Antunes, na parada da EPAM, sobre quem fazia parte de uma velha lista associativa ou o cargo exato de um ministro desse antigamente, procurando encher aquela vida fardada de verde, na insuperável estupidez dos dias de tropa. Levavam tempos infindos os debates no "Montecarlo", com o António Quelhas ou o Zé Carlos Serras Gago, à volta de uma expressão exata usada pelo Poulantzas ou pelo Daniel Guérin num determinado livro. Ainda me vêm à memória teimosias acaloradas, nos jantares no Trópico, em Luanda, com o Fernando Andresen e o Zé Guilherme Stichini Vilela, com os meios para provar quem afinal tinha razão numa caturreira qualquer (embora eu tivesse levado para lá a minha "Encyclopaedia Britannica") a milhares de quilómetros de distância. E, para sempre, ficaram-me madrugadas longas no "Procópio", onde, também a propósito  de um facto ou de um nome, cruzávamos vários bitaites, com a memória de elefante do Nuno Brederode ou o gosto pela trívia do António Dias a ganharem quase sempre a partida.

Onde isso vai! Falava deste assunto ontem, ao jantar, com amigos eslovenos e letões, nos arredores de Podgorica, capital do Montenegro, na varanda da um restaurante sobre o Morača, o rio de onde tinham saído as trutas que nos serviam, regadas a um sucedâneo vinícola local.

(Diga-se que, em jeito de trutas balcânicas, não estavam à altura de umas que, com a Ana Gomes e o António Monteiro Portugal, comi um dia em Pale, na República Srpska, a poucas centenas de quilómetros daqui, e, claro, não aguentavam o exigente "benchmark" das que o saudoso "Santa Cruz" servia, lá por Boticas, lardeadas com presunto).

Tudo isto para dizer que chegámos à conclusão que o Google (ou o Yahoo! ou o Bing, para os mais esquisitos), convocado pelo iPhone ou pelo Blackberry de alguém, veio acabar em definitivo com essas discussões, porque agora, em breves segundos, ficam resolvidas todas as dúvidas e se evita bruscamente o prolongamento dos argumentos, por mais contraditoriamente sábios que eles sejam. 

É muito melhor assim? Claro que é! Mas que esses tempos de grandes e teimosas discussões tinham a sua graça, lá isso tinham...

sexta-feira, maio 31, 2013

Wolfe

Montenegro, onde me encontro desde ontem, é um nome algo mitológico em alguma literatura europeia, evocando o ambiente misterioso de uns Balcãs que, com frequência com forte razão, apareceram associados registos de mistério, intriga e violência.  

Há pouco, dei por mim a pensar nas personalidades montenegrinas de quem me recordava, para além, naturalmente, dos colegas diplomatas com que fui cruzando, alguns deles ainda tributários da excelente escola de diplomacia que existia na antiga Jugoslávia e que marcou muito, embora de forma diferenciada, os diversos países que resultaram da implosão do Estado criado por Tito. E cheguei, de imediato, a Nero Wolfe.

Nero Wolfe foi, verdadeiramente, o primeiro montenegrino que "conheci". Na minha adolescência li muitos romances policiais de Rex Stout onde a figura do sedentário e avantajado Wolfe, nascido no Montenegro e emigrado na juventude para os "States", acolitado pelo ativo Archie Goodwin, resolvia pela inteligência os mais complexos imbróglios.

Também eu, como muitos "fanáticos", procurei um dia, em Nova Iorque, a casa de pedra castanha onde Nero Wolfe teria "vivido", na West 35th street (onde não há casas de pedra castanha...). Devo dizer que passei a olhar as orquídeas de outra forma depois de ler as descrições que Stout fazia desse "hobby" requintado de Wolfe. E que a gastronomia começou a ganhar para mim uma importância maior nas páginas em que Stout descrevia os requintes alimentares da sua personagem (bem antes de Vázquez Montalbán, nos seus policiais, nos ter ensinado os truques culinários de Pepe Carvalho ou do Francisco José Viegas nos abrir o apetite com os gostos mais prosaicos de Jaime Ramos).

Neste último capítulo, e cá por coisas, sou hoje levado a pensar que não terá sido no Montenegro que Wolfe se aculturou à alta culinária... 

quinta-feira, maio 30, 2013

Montenegro

Os acasos das funções levam-nos, por vezes, a sítios inesperados. Saído de Lisboa às seis e tal da manhã, cheguei há pouco a Podgorica, capital do Montenegro, um jovem país que emergiu dessa complexa realidade que foi a ex-Jugoslávia. Basta dizer que se encontra rodeado pela Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Kosovo e Albânia para melhor se entender o que a "balcanização" significa. E convém também não esquecer que o Montenegro tem duas "jóias" turísticas fabulosas - Kotor e Budva - na costa adriática e, lembrou-me o prolixo taxista que me trouxe do aeroporto, soberbas montanhas no nordeste do país.

Há quase uma década, eu havia passado, em férias, na periferia de Podgorica, ao viajar entre a curiosa antiga capital do Montenegro, Cetinje, e a cidade albanesa de Shkoder. Na altura, havia ficado com alguma pena de não visitar a moderna capital montenegrina. Agora, nos intervalos da conferência em que intervenho e dos contactos oficiais que vou ter, tenciono concretizar esse objetivo.

Contrariamente à mitologia "glamourosa" que rodeia a vida internacional, e no que me toca, devo dizer que há muitos países dos quais conheço apenas o aeroporto, o hotel, alguns departamentos do Estado e a paisagem do caminho entre tudo isso. Às vezes isso foi frustrante, outras vezes ter-me-á poupado desilusões. De toda a forma, e por mais caricaturais que acabem por ser as imagens que fixamos dos locais visitados, acabamos sempre por sair um pouco mais ricos de todas as experiências. 

quarta-feira, maio 29, 2013

Que raio!

Saí enraivecido de um hospital, onde fui ver um amigo. Um excelente amigo. Saí enraivecido com a vida dele, que tendo sido ótima poderia agora ser outra, mais do que com a morte, que não anda por aí senão para fazer o serviço que lhe compete.

Desde há uns tempos para cá, fico com a sensação de que familiares e amigos me escapam com uma alucinante rapidez, à medida que os dias passam. Aumenta assim o rol das conversas que ficaram por acabar. E que já não irei concluir. Tivesse eu jeito para isso e escreveria um livro imaginando as conversas que não cheguei a ter com todos os amigos que entretanto se me foram embora. Como dizem os brasileiros, seriam uns interessantes "papos" virtuais.

Por estas e por outras é que já percebi que se torna cada vez mais urgente ter as conversas com os amigos que por cá estão.

Em tempo: e o esperado aconteceu.

terça-feira, maio 28, 2013

Mia Couto

Com imensa justiça, o prémio Camões acaba de ser atribuído ao escritor moçambicano Mia Couto.

Não resisto a reproduzir uma história (verdadeira) que, há mais de quatro anos, por aqui contei, a propósito de um outro galardão entregue ao escritor.

Foi no Maputo, há já uns bons anos.

A lista dos condecorados era longa e o respectivo leitor, de nacionalidade portuguesa, era, manifestamente, uma pessoa pouco sensível às letras moçambicanas. Assim, sem hesitação, anunciou, a certa altura da solenidade: "E agora, vai receber a ordem X a Senhora Dona Mia Couto".

Um frémito de embaraço e riso sacudiu a audiência. Mia Couto, o excelente escritor de Moçambique, afivelou um sorriso por detrás dos óculos e da barba, encaminhando-se para o palco onde o presidente português o aguardava, claramente um pouco incomodado com a inesperada feminização do agraciado.

Um colega meu, de graça rápida, logo deixou cair, baixo: "Ainda bem que hoje não é condecorada a Senhora Dona Sara ... mago!".

segunda-feira, maio 27, 2013

Citação

Durante anos, uma expressão de um dirigente vimaranense constitui-se como uma graçola que ficou histórica: "o que é verdade hoje pode não ser verdade amanhã".

Todos gozámos com a frase, muitos a citámos. E, no entanto, os dias que ai andam deram plena razão ao respetivo autor.

Quem havia de dizer que, mês após mês, os números das previsões macro-económicas do país, ao não coincidirem (nem de perto, nem de longe!) com aquilo que havia sido anunciado, iriam transformar um tal Pimenta Machado num grande "clássico" português?

Esta é a outra vitória do Guimarães. A menos gloriosa.

sábado, maio 25, 2013

José Alberto de Sousa

Longe de Lisboa, não posso ir hoje despedir-me do meu amigo José Alberto de Sousa.

Na última vez que falámos ele estava em Timor-Leste e eu em Paris. Pelo telefone, convidou-me para ir a Dili, numa iniciativa em que estava envolvido, ao tempo que trabalhava com José Ramos Horta. As agendas não coincidiram e, a partir daí, perdemos o contacto, salvo esporádica troca de emails, que foram rareando com o tempo.

O Zé Alberto, de que muitos portugueses lembram a figura elegante e o estilo sóbrio na apresentação dos noticiários da RTP, foi um bom amigo que fiz quando, por algum tempo, coincidimos no MNE. Não esquecerei a forte cumplicidade que criámos e o sentido lúdico da vida que ambos partilhávamos. Reencontrámo-nos várias vezes e sempre parecia que nos tínhamos visto na véspera. Ele com o seu sorriso claro e o cigarro que lhe alegrava as horas e lhe ia apressando os dias. Custa-me muito imaginar que não vamos voltar a trocar as histórias da vida que nos alimentavam longas e divertidas conversas.

Um último abraço, Zé Alberto.

Almoçar por almoçar

A frieza anglo-saxónica consagrou a frase "there is no such a thing as a free lunch" para significar que um convite para uma refeição, por princípio, tem sempre de trazer "água no bico", isto é, nunca será totalmente "grátis". Lembrei-me disto, há umas semanas, quando convidei para almoçar um conhecido com quem tenho uma relação de simpatia e que já não via há alguns anos. A certo ponto da conversa, talvez surpreendido por eu não lhe ter pedido nada, comentou: "E então? Necessita de alguma coisa de mim?"

Há pessoas que não entendem que uma ocasião como um almoço pode não ser mais do que isso e que nem todos são como eles, que vivem na ansiedade de aproveitar o instante "entre la poire et le fromage" (nunca percebi por que diabo os franceses trocam, na expressão, a ordem natural dos pratos dentro da refeição) para avançarem com um qualquer pedido.

No que me toca - gabando-me, com prazer, de nunca ter convidado alguém para almoçar para lhe "meter uma cunha" -, cada vez mais aprecio almoços "sem agenda", de pura e grave "conversa fiada"...

sexta-feira, maio 24, 2013

Quem é Eça?

Foi no "Diário de Notícias" de ontem. Uma senhora que dá pelo nome de Joana Emídio Marques termina assim uma notável peça sobre a descoberta do texto para uma opereta que Eça de Queiroz terá escrito "a meias" - na incisiva expressão da escriba - com Jaime Batalha Reis:

"Eça de Queiroz (1845-1900) é um grande romancista da literatura portuguesa, autor, entre outros, de Os Maias, O Crime do Padre Amaro; este último é considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX. O escritor foi ainda jornalista, polemista, diplomata e membro do movimento literário Geração de 70".

Note-se a elegância da escrita, o rigor da pontuação e o estilo didático e de cultura de almanaque de quem podia estar a fazer uma nota necrológica sobre um poeta romântico da Transnístria. Confesso que desconhecia esta vocação do "Diário de Notícias" de nos servir textos dignos das páginas da Wikipedia. Até o Palma Cavalão, na "Corneta do Diabo", tinha uma pena bem "mais catita". 

Já agora, talvez alguém devesse explicar, lá no jornal, à ilustre plumitiva, que esse tal de Eça de Queiroz escreveu, precisamente na folha que hoje tão generosamente a acolhe no seu seio (como diria A.B. Kotter, personalidade cuja biografia a senhora não conhecerá, pela certa), também "a meias" com Ramalho Ortigão, um folhetim intitulado "O Mistério da Estrada de Sintra" - que, no estilo da "notícia", deveria ser qualificado como um concelho situado a Oeste da Amadora, a qual também já se chamou Porcalhota.

Em tempo: modestamente, eu disse que o texto era "digno das páginas da Wikipedia". E não é que a abertura do mesmo é exatamente tirada daí? 

quinta-feira, maio 23, 2013

Adeus, Moustaki

Morreu hoje Georges Moustaki.

Dou-me conta que não vale a pena escrever nada sobre ele. Quem o conhece, sabe quanto lhe deve e o grande vazio de memória que o seu desaparecimento acarreta para uma certa geração. Quem o não conhece, pronto!, não o conhece e isso já diz tudo.

Cenadores da República

Alguém me comentava, há pouco, que as televisões estão cheias de comentários de figuras políticas que, tendo embora um passado algo "light" em termos de responsabilidades e cargos políticos assumidos, passaram, por uma espécie de "usucapião mediático", a ter um estatuto de "senadores" do país, sendo ouvidos a propósito de tudo e de nada.

Uma outra pessoa, presente à conversa, teve uma boa sugestão: que essas pessoas, as tais que nos enchem os écrans e estão permanentemente em cena dando-se ares de guardiões (e guardiãs) críticos do regime, passassem a ser designadas por "cenadores da República".

Não me parece mal!

Notícias de Lisboa

Tal como os Conselhos de Ministros, os Conselhos de Estado foram, historicamente, locais reservados, de cujas discussões raramente transpirava algo para o exterior. Com o tempo, iam-se sabendo alguns "fait-divers", mas o secretismo dos debates era a regra e muito raramente, nos tempos imediatos à reunião, se sabia o que lá se tinha passado, em particular as posições assumidas por cada conselheiro.

O último Conselho de Estado rompeu com essa prática, imagino que pelo facto de alguns dos presentes se terem sentido menos bem representados no relato que transpareceu do comunicado final - do qual, contudo, não terão discordado.

Não é nada saudável (mais) esta degradação das regras de Estado. 

Notícias de Madrid

É muito curioso, e até algo surpreendente, o ressurgimento de José Maria Aznar na vida política espanhola (onde, recordo, ainda não há presidenciais...). Mas há quem pense que se trata apenas de ganhar "estatuto" para um elevado cargo europeu, quando o último companheiro ativo da fotografia das Lages tiver de mudar de ares (porventura para um país onde há presidenciais).

A tentação de um regresso é forte, mas os factos provam que raramente os "remakes" ficam à altura das expetativas. 

Noutro jogo, Mourinho irá também testar isso no Chelsea.

quarta-feira, maio 22, 2013

Mediterrâneo

Coube-me falar da dimensão política da parceria mediterrânica, durante uma conferência na tarde de hoje, no Grémio Literário, em que foram igualmente abordadas as vertentes económica e de defesa e segurança dessa nossa importante vizinhança geopolítica.

A propósito do modo como o mundo europeu, e ocidental em geral, olha para a instabilidade em alguns países marcados pelas "primaveras árabes", dei comigo a dizer que "temo que, daqui a uns tempos, comecem por aí a emergir discursos de "realpolitik", assentes na seguinte questão: é preferível um mundo árabe dominado por governos autoritários, mas que se revelem capazes de combater o extremismo islâmico e travar ações terroristas, ou valerá a pena continuar a apoiar a emergência de modelos de expressão democrática, através de cujas eleições acabem por chegar o poder correntes fundamentalistas que transformem essas sociedades em regimes religiosos radicais?".

Há terceiras "vias" para este falso dilema. Por exemplo, o trabalho que fazemos no Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, que tenho o gosto de dirigir desde Fevereiro, pretende, à sua muito modesta escala, contribuir para a criação de plataformas de diálogo no seio da sociedade civil dos Estados do norte de África, em especial pelo diálogo intercultural, inter-religioso e sobre temáticas como o ensino da História. Trabalhamos e promovemos iniciativas com redes de organizações que se batem pelos direitos das mulheres - acesso à política, combate à violência contra as mulheres e ao tráfico de seres humanos -, e pela participação ativa dos jovens na vida cívica, desenvolvendo "universidades" e cursos (nomeadamente informáticos), tendentes à aprendizagem da cidadania democrática, à promoção da liberdade dos media e à utilização intensiva das redes sociais.

Ao longo dos 25 anos da sua existência, o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa envolveu já largos milhares de pessoas, de muitos países, num conjunto muito alargado de atividades destinadas a consolidar a democracia, a promover os valores da liberdade e as garantias do Estado de direito. É apenas uma "gota de água" perante o oceano das perturbações que atravessam o mundo? Será, mas se não persistirmos em multiplicar este tipo de iniciativas nunca chegaremos a nenhum resultado. Quem tem a razão consigo, na política como na vida, só é derrotado se desesperar.

terça-feira, maio 21, 2013

Insultos cultos

Nos tempos que correm, a vontade de chamar nomes a algumas pessoas é um sentimento quase intravável. A língua portuguesa é muito rica nesse tipo de qualificativos mas, por vezes, eles soam demasiado pesado e vulgar.

O capitão Haddock (no meu tempo do "Cavaleiro Andante", chamava-se capitão Rosa), figura maior da constelação Tim-Tim, é um conhecido criador de qualificativos depreciativos, somados a expressões que marcaram o imaginário de muitos (fui pela primeira vez a Brest motivado pela sua famosa exclamação "tonnerres de Brest!").

Uma opção possível a chamar a alguém "paralelepípedo batizado" ou "pedaço de asno", como alguém dizia, será usar nomes saídos do léxico colérico de Haddock. Isso torna-se agora mais fácil com este "gerador de insultos do capitão Haddock" (abra o link e carregue na imagem que aparece), que alguém me mandou. As vantagens são óbvias: só percebe quem fala francês e dá um ar muito mais culto...

E não é bem óbvio quem, por cá, merece ser chamado de "ostrogoth" ou "bachi-bouzouk"?

O Estado do Conselho

Ainda bem que foi possível aos conselheiros de Estado dedicarem-se, durante sete horas, à importante questão da união bancária e da coordenação das políticas económicas no seio da União Europeia. De facto, já tardava esse debate.

Pena é que, como resulta evidente do comunicado sobre a reunião que foi distribuído há minutos, não tenha havido tempo para analisar a situação política, económica e social que o país atravessa. Às tantas, fica para outra vez.

segunda-feira, maio 20, 2013

Dias

Há dias privilegiados. 

Ontem, tive o gosto de estar num almoço de amigos com Eduardo Lourenço, uma voz cuja lucidez cresce com a idade - ele que fará 90 anos dentro de alguns dias. Vale bem a pena ler a entrevista que, também ontem, concedeu ao "Público", excelentemente conduzida por Teresa de Sousa. Eduardo Lourenço é, de certo modo, a nossa consciência nacional, em particular no meio das dúvidas que o presente nos traz.

À noite, "agarrei" uma recém-publicada antologia de Manuel António Pina, figura que nos deixou há pouco tempo. Tem por título "Crónica, saudade da literatura" e recolhe textos publicados entre 1984 e 2012. A mesma lucidez, outras perplexidades e reflexões imperdíveis sobre a difícil arte de ser português. Horas de leitura bem ganhas.

Há dias assim. Ainda bem.

domingo, maio 19, 2013

A bola

O Futebol Clube do Porto acaba de ganhar o campeonato. O Benfica, que, sem a menor dúvida, mostrou no campo um melhor futebol do que o de qualquer outro clube, ao longo de toda a época, ficou em segundo lugar, aquele que alguns consideram ser "o mais parecido com o último". O meu Sporting teve uma classificação historicamente modesta, mas bem merecida pela mediocridade do futebol que praticou.

Estou a ouvir na televisão os adeptos dos dois clubes que hoje mais estiveram em evidência. Para alguns, de um lado e de outro, estas coisas parecem ser o mais importante das suas vidas. Provavelmente, são mesmo! 

sábado, maio 18, 2013

Identidade germânica

Foi dom João VI quem decidiu a criação de Nova Friburgo, uma cidade no Estado do Rio de Janeiro onde se estabeleceu aquela que foi a primeira colónia estrangeira no Brasil. O nome adveio-lhe da localidade originária dos colonos, Friburgo, na Suíça alemã.

O orgulho nas origens germânicas faz até hoje parte da identidade da cidade, que sempre as sublinha e releva aos visitantes. Por maioria de razão, naquele ano, a visita do embaixador alemão constituía um momento importante para a urbe, com o prefeito a querer destacar essa dimensão histórico-cultural. Uma grande corrente de simpatia dominava a conversa entre o edil e o diplomata, no gabinete do primeiro, na visita de cortesia que o embaixador lhe fazia. A certo passo do encontro, o prefeito quis dar conta de que, também no plano religioso, as relações com a origem se mantinham, com uma presença germânica na igreja local:

- Sabe? Nós temos por cá um pastor alemão.

A resposta do embaixador ficou nos anais do corpo diplomático estrangeiro no Brasil. 

A "doutrina" divide-se, até hoje, sobre se se tratou de uma ironia rápida ou se foi o natural interesse em ser simpático, correspondendo à indicação sobre o que entendeu ser a raça do cão da Prefeitura, revelando a natureza do seu próprio animal doméstico:

- Nós, lá em casa, temos um schnauzer.

sexta-feira, maio 17, 2013

Portugal

Foram em número de algumas dezenas as pessoas que, na chuvosa e fria noite de ontem, na Fundação Engº António de Almeida, no Porto, se juntaram para ouvir o professor Alberto Castro e eu próprio falarmos de "Diplomacia e comércio externo", no contexto de um ciclo de conferências sobre o novo "Conceito estratégico de Defesa nacional". Foi um debate muito interessante, com ativa participação do público, que, durante mais de duas horas, nos levou a alinhar ideias sobre diversas temáticas que se ligam a questões essenciais para o destino do país.

O processo de preparação do "Conceito", como fiz questão de contar na sessão, não foi linear nem isento de alguma polémica criativa. Uma equipa dirigida pelo professor Luís Fontoura, empossada pelo primeiro-ministro e convidada pelo ministro da Defesa, trabalhou, durante alguns meses, para produzir um documento que refletisse linhas prospetivas para enquadrar o nosso futuro coletivo. Nesse grupo de duas dezenas de pessoas, do qual tive a honra de fazer parte, as sensibilidades eram bastante diferentes, embora comum fosse o interesse em colaborar numa tarefa  de reconhecido interesse nacional. 

Luis Fontoura - as melhoras, Luís! - conduziu o exercício dando-nos total liberdade, sem tabus que não fossem algumas linhas de óbvio consenso apriorístico: a preservação da independência nacional, a preeminência da soberania do Estado, a integridade do território, a defesa dos valores democráticos e um conjunto de outros valores essenciais. O texto que produzimos foi oportunamente entregue ao governo, que dele extraiu, com a legitimidade que o mandato democrático lhe confere, o que considerou ser essencial e politicamente desejável. Entre o texto elaborado pelo grupo e o documento aprovado pelo governo há algumas diferenças. Naturais e legítimas.  

O Instituto de Defesa Nacional, uma estrutura a cujo trabalho os portugueses muito devem, sabiamente conduzido nos últimos anos pelo general Vitor Viana, tem vindo a ser o impulsionador de um trabalho de reflexão sobre o nosso futuro coletivo que, praticamente, não tem hoje par no país. Agora - e muito bem! - decidiu trabalhar com o público as grandes linhas do novo "Conceito" (que substitui um trabalho de idêntica natureza elaborado em 2003), num esforço para ajudar o país a olhar serenamente em frente, desconstruindo as suas fragilidades, dando pistas para a superação das suas insuficiências e, no essencial, tentando pôr-nos a trabalhar sobre o nosso destino comum. Pense cada um o que pensar sobre o novo "Conceito", julgo que seria de grande utilidade que os portugueses o lessem. O que podem fazer aqui

quinta-feira, maio 16, 2013

Postal do ajustamento

Para quem não saiba, a rua Sá da Bandeira foi, por muitos anos, uma das artérias comerciais mais conhecidas da Porto. Recheada de boas lojas e com um comércio de qualidade, lado a lado com lugares mais populares, era um dos eixos mais importantes da capital nortenha.

Passei por lá há pouco. Aqui fica um retrato da atual rua de Sá da Bandeira. Se não tivessemos a abertura de espírito para acreditar que, graças ao processo de ajustamento em curso, os "amanhãs" vão trazer por ali Vuitton, Armani e Hermès, até podíamos ter a tentação de pensar que era apenas a pobreza que vinha aí. Qual quê!

Futebóis

Por regra, apoio todas as equipas portuguesas que disputam jogos internacionais. Porquê? Porque entendo que é bom (talvez agora mais do que nunca) ver o nome de Portugal associado a sucessos e porque sei o que representa para os portugueses que vivem no exterior poderem exprimir orgulho nas vitórias nacionais. Contudo, com honestidade, confesso que já cometi exceções a esta regra. 

Por um imperativo de agenda, não pude ontem ver a transmissão televisiva do Benfica-Chelsea. Estava num jantar com amigos estrangeiros, num restaurante do Porto. A meio, consultei discretamente a net no iPhone e vi que o resultado estava em 1-1. Mais tarde, voltei a olhar o telefone e dei-me conta do 2-1 a favor do Chelsea. Porque da notícia se não se deduzia se o jogo já tinha acabado, perguntei isso mesmo a um dos empregados que nos servia. Era um ferrenho portista, como logo se deduziu pelo largo sorriso. E pela resposta:

- Não acabou, não! "Quer-se dizer": com o Chelsea eles já "andaram". Mas ainda falta "levarem" com o Guimarães na taça...

O futebol acaba por extremar tudo. Verdade seja que, se acaso fosse o Porto a jogar e o empregado fosse do Benfica, a atitude era, com toda a certeza, simétrica. Ou não? 

quarta-feira, maio 15, 2013

A minha freguesia


Aprendi ontem, num jantar de amigos, que a minha freguesia se chama agora Estrela. Ando desatento a estas realidades bairristas e, por isso, não tomei nota da fusão das velhas freguesias dos Prazeres, Lapa e Santos-o-Velho.

Não tenho opinião formada sobre esta ideia modernaça de fundir freguesias, embora me pareça um pouco estranho que essa tenha sido essa a simplória opção alternativa ao - já de si bizarro! - compromisso assumido no "memorando" assinado com a "troika" de reduzir os municípios. (Já agora, sabiam que não há uma tradução oficial portuguesa desse texto quase "paraconstitucional", salvo a versão que aqui ficou acessível há quase dois anos?). Como, politicamente, isso "doía" mais, a caminho de eleições autárquicas, as freguesias acabaram por ser o "elo mais fraco". Gostava de conhecer números realistas sobre a poupança que isso gerou...

Uma amiga, mais atenta a estas coisas, porque nativa de uma área onde, como morador, eu não passo de um simples "paraquedista", revelou-me o seu desagrado pelo facto de se não ter optado por nome bem mais sugestivo: Santos Prazeres da Lapa. 

Ela tem imensa razão: esta imaginação lisboeta anda pelas ruas da amargura...

A importância de se chamar Ernesto...

Ver os dourados das Necessidades encherem-se para ouvir Jorge Sampaio falar de Ernesto Melo Antunes foi um momento muito agradável do final da tarde de ontem. O antigo secretário de Estado da Cooperação externa de Melo Antunes - Jorge Sampaio tinha então 36 anos - fez um magnífico bosquejo sobre o percurso diplomático daquele que, na minha perspetiva, foi a mais importante personalidade militar do processo político que, com todos os sobressaltos do tempo, nos conduziu da ditadura para a democracia.

Jorge Sampaio desfez alguns mitos instalados, explicando, muito em particular, certas opções diplomáticas feitas em direção ao que então se chamava "terceiro mundo", passo político essencial para recentrar a política externa portuguesa, saída de uma época em que estava "coincée" pelo colonialismo e necessitando de ganhar espaço para um novo posicionamento em tempos democráticos, marcados pelo "regresso" à Europa e pelo direito à palavra respeitada pelo mundo multilateral.

Gostei muito de ouvir Jorge Sampaio, subliminarmente evocando Oscar Wilde, relembrar "a importância de se chamar Ernesto" Melo Antunes um dos homens que mais lucidamente soube interpretar o destino estratégico de um Portugal em liberdade.

terça-feira, maio 14, 2013

Brasil

Soube-me bem, devo confessar. Receber a notícia de que entidades luso-brasileiras do Ceará decidiram convidar-me para ir a Fortaleza, por ocasião do 10 de junho, a fim de me ser entregue um prémio anual com o nome do português fundador do Estado, Martim Soares Moreno, representa para mim um "atestado" de que o tempo que passei no Brasil, aos olhos de setores da nossa Comunidade, não foi em vão. E essa é a melhor recompensa que um diplomata pode desejar.

Nesta ocasião, apetece-me ecoar um dito que o cearense e antigo embaixador brasileiro em Lisboa, António Paes de Andrade, sempre fazia questão de repetir: "o Brasil é grande, mas o Ceará é maior".

"Ex"

Há dias, numa notícia a propósito de um qualquer tema sobre diplomacia, divulgada por uma agência noticiosa e retomada por vários jornais e blogues, o meu nome apareceu antecedido do epíteto de "ex-embaixador".

Não contesto a opção qualificativa do jornalista, mas já avisei um conhecido general do nosso Exército do destino que, por este andar, espera as suas estrelas.

Não sei se vem a propósito, mas isto lembra-me a gargalhada que um dia dei, ao deparar, na esquina de uma rua da capital de uma antiga colónia portuguesa, com uma placa que indicava "rua ex-Adriano Moreira". Só espero que, a este meu antigo mestre, a imprensa não passe a tratar, um destes dias, por "ex-professor".

segunda-feira, maio 13, 2013

OCDE

Gostei de ver a "inflação" de notícias que, nos últimos dias, surgiu sobre as projeções e recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) sobre Portugal. Fico muito confortado com a importância que Portugal dá às atividades e os pareceres desta relevante organização.

Resta-me, contudo, uma interrogação que, pelos vistos, não suscitou nunca a menor perplexidade à nossa atenta comunicação social: a razão pela qual Portugal deixou a sua representação junto da OCDE sem titularidade, de maio de 2011 a fevereiro de 2013.

A imagem de um país

Como diplomata, dediquei-me frequentemente ao estudo da situação interna de diversos países, com vista a tentar perceber as respetivas instituições e os seus sistemas jurídicos e políticos. Nesse trabalho, preocupava-me em tentar perceber se havia, nesses Estados, uma estabilidade e um ambiente gerador de confiança que os pudesse recomendar aos nossos agentes económicos, como espaço futuro para o seu trabalho e negócios.

São vários os fatores que importam a quem olha um país como um potencial parceiro. Um investidor estrangeiro não valoriza apenas o custo e a formação da mão-de-obra, as imposições fiscais sobre as empresas e trabalhadores, a legislação e o modelo vigente nas relações laborais, o peso da burocracia, os riscos de corrupção, o caráter mais ou menos expedito do funcionamento do serviço da Justiça, os incentivos fiscais ou os estímulos financeiros aos projetos que apresenta. Importa-lhe também o grau de estabilidade política e a possibilidade da sua alteração no tempo, as tensões sociais, as questões de segurança, a existência ou não de uma real equidade no tratamento dos operadores económicos nacionais ou estrangeiros, etc. Mas, tanto ou mais importante do que tudo isso, um empresário procura ter a certeza de que aquilo que é subscrito pela administração do Estado que com ele lida não vai ser, em nenhuma circunstância, unilateralmente posto em causa por uma legislação posterior elaborada por esse mesmo Estado. Chama-se a isso segurança jurídica e a colocação dos países no "ranking" internacional de confiança tem esse elemento no seu centro.

O mais importante e sacrossanto princípio da segurança jurídica, como aprende qualquer aluno de Direito, é a não retroatividade das leis. Em termos simples, isto significa que, num Estado de direito, nenhuma lei pode vir a alterar o quadro de relações jurídicas pré-estabelecidas. Porquê? Porque se assim não for, nenhum cidadão sentirá confiança no momento em que estabelece uma nova relação jurídica, porque existe o perigo de a ver alterada por uma lei futura. E, quebrada a confiança, o investimento retrai, porque ninguém quer correr riscos estúpidos, se acaso pressente que tem à sua frente um parceiro que é capaz de mudar as regras a meio do jogo.

Mas, perguntará o leitor, como é que se poderá ter essa certeza? Não pode, em absoluto. Porém, pode sempre olhar-se - e a comunidade internacional fá-lo - para o comportamento dos Estados, no tocante ao respeito face àquilo a que se comprometeram, na observância das leis em vigor, e daí extrair as necessárias ilações para o futuro. Se um país coloca em causa, na sua ordem jurídica interna, o princípio da não retroatividade das leis, então a possibilidade desse desrespeito pelos princípios do Estado de direito poder vir a ocorrer com parceiros estrangeiros não pode deixar de ser seriamente considerada. Um investidor estrangeiro pensará duas vezes antes de colocar dinheiro num país cujas autoridades, num ato de desrespeito pela palavra dada, comprometeram seriamente a relação de confiança entre o Estado e os seus cidadãos. E legitimamente poderá pensar que, se esse Estado o faz face aos cidadãos que elegem os seus titulares, muito mais facilmente o poderá fazer face a entidades oriundas do mundo exterior. É assim que, ao afastarem o Estado da sua imagem de pessoa de bem, as autoridades podem comprometer decisivamente a credibilidade do seu país à escala internacional. Para a perda dessa credibilidade, basta um único ato político-jurídico. Para a voltar a recuperar é preciso muito mais tempo. E, claro, outras pessoas.

domingo, maio 12, 2013

PSG

Há quase duas décadas que o Paris Saint-Germain (PSG) não vencia o campeonato francês. Curiosamente, a França é um dos poucos países do mundo cuja capital não teve, até hoje, um clube com grande expressão nacional. O reerguer do PSG, com capitais árabes a ajudar, pode ser um sinal de inversão desta tendência.

Pedro Pauleta, uma figura modelar de desportista, unanimemente considerado o maior jogador da história do clube, ajudou muito os portugueses em França a passarem a apoiar o PSG. Recordarei sempre a impressionante homenagem que o clube lhe prestou, em 2010. 

No dia de hoje, muitos portugueses, em especial na região de Paris, estão seguramente muito felizes com a vitória do seu clube francês. (E digo "francês" porque, em todos e em cada um deles existe sempre um outro clube português de adoção). E eu também estou, porque o PSG é o "meu" clube em França. 

A bomba

O facto de um passageiro ter sugerido, numa graça de duvidoso gosto, que uma sua mala poderia conter uma bomba, fez há dias atrasar, por cerca de quatro horas, um avião que trazia um ministro português de S. Tomé.

Há já bastantes anos, no aeroporto de Lisboa, dentro de um avião, pertencente à companhia de um país para o qual viajaria um ministro português que eu acompanhava, o voo não partia e ninguém era capaz de explicar as razões do atraso. Uma estranha agitação atravessava idas e vindas para a cabine de pilotagem e induzia um ar preocupado à generalidade dos tripulantes. A certo passo, argumentando com a presença do ministro, tentei saber o que se passava. Foi então que me disseram que se tratava de uma ameaça de bomba. Exigi que saíssemos, de imediato, do aparelho, enquanto o assunto não fosse esclarecido em definitivo. Assim aconteceu, mas apenas para a comitiva oficial, que foi colocada na sala VIP. Os restantes passageiros, para nosso grande espanto, foram mantidos no avião, enquanto as buscas sobre a possível bomba prosseguiam.

Lembro-me de que não deviam ter decorrido mais de 20 minutos quando fomos convidados a regressar ao aparelho. A viagem iniciou-se e estávamos já a voar há mais de meia hora quando o comandante do avião, com grande simpatia, veio pedir desculpa ao ministro português pelo atraso provocado. Inquirimos pormenores sobre o que se passara e foi-nos dito que uma chamada telefónica anónima desencadeara o alarme. Todos ligámos o incidente à morte violenta em Portugal, na véspera, de um opositor do regime do país que íamos visitar.

O comandante do avião, explicou então ao nosso ministro:

- Este atraso foi lamentável, mas nós tentámos que ele fosse o menor possível, tanto mais que fomos informados que o senhor ministro tem um programa muito sobrecarregado, logo à chegada. Por isso, muito embora as regras habituais neste tipo de situações obriguem a uma busca muito mais rigorosa e a um tempo de espera de cerca de quatro horas, posso revelar-lhes que recebemos instruções da nossa capital para apressar as buscas. E assim fizemos. Espero que estejam satisfeitos!.

Entre os membros da delegação, olhámos uns para os outros, siderados. Vi um pânico nos olhos de alguns, chocados com a "simpatia" que levara à ligeireza no rigor da vistoria feita. No que me toca, devo confessar que me custou bastante começar a dormir...  

Em tempo: para quem aprecia a precisão factual, e se interrogou quando à veracidade dos factos, posso informar que a viagem teve lugar no dia 22 de abril de 1988. E mais não direi.

sábado, maio 11, 2013

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Aquele casamento estava a ser uma coisa interminável. O baile abrira com os noivos a convidarem todos os convidados para um pé-de-dança. O velho diplomata hesitou um pouco mas, a certo ponto, para ajudar a passar o tempo, lá se decidiu convidar uma senhora que lhe pareceu um pouco solitária.

Em jeito de início de conversa, perguntou o nome à sua parceira:

- Juliana Sardinha Carneiro, respondeu a senhora.

- Ó minha senhora! Isso é uma refeição completa!, foi a reação imediata do seu par.

Com pequenos pormenores de diferença, esta é uma história verdadeira.

Bebinca

Há já um tempo que não comia bebinca. Imagino que tenha sido por me ouvirem dizer que tinha saudades desse doce goês que tive o privilégio d...