quarta-feira, novembro 24, 2021

As democracias de que a América gosta



Joe Biden tinha anunciado, ainda antes da sua eleição, a intenção de organizar uma Cimeira das Democracias, logo no primeiro ano do seu mandato. 

Assim, nos próximos dias 9 e 10 de dezembro, um grande exercício telemático terá lugar, a convite do presidente americano, envolvendo 77 países.

Dois deles não são membros da ONU: o Kosovo, com independência declarada mas não aceite por muitos, e Taiwan, uma democracia sem o estatuto de membro da ONU, reconhecido por alguns mas que os EUA há muito haviam decidido considerar, formalmente, como sendo um território da “única” China.

As Nações Unidas têm hoje 193 Estados membros. Descontadas as entidades atrás referidas (bem como micro-Estados europeus, pelos visto “invisíveis” para Washington, como Andorra, Lichtenstein, Mónaco e São Marino, ao contrário de muitos outros do Pacífico e Caraíbas), ficou a saber-se que Washington entende que há 118 países que não cumprem os “mínimos” para serem considerados democráticos.

Tem ainda alguma graça constatar que, nessa matriz de escolha, estão as Filipinas de Rodrigo Duterte ou o Brasil de Jair Bolsonaro. 

Atenta a lógica dessas e de outras presenças, é legítimo estranhar algumas ausências, como Marrocos, Bósnia-Herzegovina e Jordânia. Outras, embora esperadas, como a Turquia e a Hungria, não deixam de ser de assinalar, pela relevância política que têm. 

Nenhum país no norte de África figura na lista dos convidados, bem como qualquer monarquia do Golfo. E Moçambique, tal como a Guiné-Bissau e a Guiné Equatorial, são Estados membros da CPLP não escolhidos para representar o mundo democrático.

Há quem pense que Joe Biden só por demagógica precipitação terá entrado neste exercício seletivo, que muitos consideraram, desde há muito, como condenado a ser polémico e com escasso sentido prático. 

Há uma pergunta que, eu sei!, é uma impossibilidade absurda, mas que merecia ser feita: se os Estados Unidos ainda estivessem no tempo de Trump, com um sistema eleitoral “in shambles”, com as estruturas parlamentares sob ataque de uns maluquinhos estimulados pelo próprio chefe do Estado, a América seria convidada para a cimeira?

2 comentários:

Carlos Antunes disse...

Caro Embaixador
Quanto a Moçambique, esteve bem o Presidente Joe Biden em não a ter escolhido para a Cimeira das Democracias, pois não tenho quaisquer dúvidas de que não se trata de um país democrático.
Recupero, a este propósito, um excerto de um artigo do jornalista moçambicano Edwin Hounnou intitulado “Democracia vermelha”, publicado no jornal independente “Canal de Moçambique” (https://canal.co.mz/):
«A introdução do sistema multipartidário, em 1992, sob a força da guerra civil dos 16 anos, não alterou quase nada no modus operandi do partido Frelimo. O país ainda continua a viver uma democracia vermelha, a democracia segundo a vontade e os ditames do partido que se pretende eterno no poder. Teoricamente, estamos num Estado que tolera a existência legal das demais forças políticas da oposição, porém, na prática, tudo se faz para extinguir das demais forças políticas e isso se faz com recurso à persuasão, chantagem e bloqueios, numa clara mensagem de que “quem não é connosco, que se arranje como puder.
Para a Frelimo, não existe, mesmo 44 anos depois da independência e 27 do sistema multipartidário, a fronteira separando o Partido do Estado. Esta é a característica principal do Partido-Estado. O Estado submete-se ao partido no poder e agem de tal modo os partidos libertadores que chegam ao poder por via da luta armada.
São hegemónicos, dominantes e, geralmente, ditadores. Em Moçambique, os que aderem a um partido da oposição são considerados como cidadãos de segunda categoria. Os empresários que se atreverem a prestar apoio material ou financeiro são penalizados por impostos, auditorias e inspecções de toda a espécie e injustificados, alegadamente, para aprenderem como se devem comportar como bons “patriotas e devotos” do partido governamental».
Cordiais saudações


José Figueiredo disse...

Boa, Embaixador.
José Figueiredo

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...