quarta-feira, outubro 17, 2018

Remodelar


É curiosa a expressão que, entre nós, qualifica as mexidas nos governos. “Remodelar” parece significar a adoção de um novo “modelo”, literalmente uma retificação do anterior, como se as mudanças configurassem, não a descoberta de pessoas para melhor servir o modelo que já lá estava, mas sim construir, com as recém-chegadas, um formato renovado.

Em inglês, “reshuffle” parece mais divertido: é tornar a “baralhar”, numa lógica de um novo conjunto para um novo começo, como num caleidoscópio. Em francês, o conceito é mais burilado: “remanier” acarreta um “manuseamento” por quem detém os cordelinhos dos atores da peça. Mas, no fundo, é tudo a mesma coisa.

As remodelações, ocorram pelos motivos que ocorrerem, fazem parte do dia a dia dos governos. A imprensa fica furibunda quando as não prevê, mas adora-as: especula sobre elas, aponta-lhes candidatos, para as saídas como para as entradas. Uma remodelação é uma festa mediática, presta-se a intrigas, os lóbis funcionam nos seus bastidores. E, entre nós, tem uma regra quantitativa: substituir um ministro ou dois não configura uma remodelação. Nem mesmo três. Mas quatro, já é! Exatamente como as “goleadas”, no futebol.

Sempre entendi que uma remodelação nem sempre é a confissão de uma aposta falhada. Alguns ministros podem ter correspondido ao que deles se exigia. A mudança pode significar apenas que se esgotou o seu tempo útil na governação e que, perante uma fase subsequente na aplicação das políticas públicas para o setor, uma cara fresca permite ganhar tempo, suscitar expetativas, diluir temporariamente a pressão. É que as caras “gastam-se”, os discursos cansam e, mesmo sem o registo cínico do “Leopardo”, às vezes é preciso que alguma coisa mude para que tudo continue na mesma.

Ficou célebre, no Brasil, a história de um não-convite para um governo, numa anunciada remodelação. Alguém havia alimentado a esperança de integrar o executivo. A imprensa já dava o convite em letra de forma, os amigos do visado felicitavam-no por antecipação. Só falhava um “detalhe”: o diabo do convite tardava em surgir. O potencial governante decidiu não fazer esperar a sorte e foi falar com o titular do poder. Este, franco, disse-lhe que, na realidade, nunca tinha pensado nele para o tal cargo. O homem caiu das nuvens! Ia ser um vexame! A família, os amigos, que horror! O chefe do executivo sugeriu uma solução: à saída da audiência, o nosso homem diria à imprensa que tinha sido convidado mas que decidira recusar... E assim foi!

7 comentários:

Anónimo disse...

Esse era quase o drama do Alípio Abranhos. E quem não se lembra da mítica entrevista do PSL aí por volta de 1993 ou 94 com o título "Já não devo chegar a ministro".

Anónimo disse...

Muito bom. "... Uma remodelação é uma festa mediática, ...".
" ... às vezes é preciso que alguma coisa mude para que tudo continue na mesma...".

Afinal uma festa. O colocar-se em bicos de pés, de um poder político, sem poder, político. Á primeira vista até parece a sério.
E será continuadamente assim enquanto o centralismo do todo poderoso € Euro governar os PMs por essa dita União fora.

Anónimo disse...

Pronto já fui Ministro!

Anónimo disse...

Na sequência das ultimas duas remodelações Portugal ja perdeu três Embaixadores no Serviço Diplomático Europeu. A questão é saber se ainda é aposta do governo de Portugal. Ou não.

Anónimo disse...

Mas o Abranhos foi a Ministro e o cura lá de casa, quando teve a notícia , disse “estamos no poleiro “
Fernando Neves

Anónimo disse...

Lido.

Despacho:

Antigamente dizia-se de alguém:
Um dia.... sobe a Ministro.
Hoje já não sei....

Deferido por ter-me lembrado disto.

Anónimo disse...



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