A democracia criada pelo 25 de abril entregou grande parte do exercício do poder político aos partidos. No pós-Revolução, as « internacionais » inundaram de dinheiro, através de disfarçadas fundações ou por outras vias, os seus protegidos no espetro político português, com isso vindo a fixar o essencial do leque partidário que aí está. Depois, o condomínio partidário encarregou-se de colocar o orçamento do Estado a financiá-lo, atento o monopólio consagrado na Assembleia da República. E assim chegámos aos dias de hoje.
Não sei se houve alguma racionalidade subjacente a esta opção, que aliás não se afasta muito de modelos congéneres lá de fora. É normal que, atenta a diabolização a que a ditadura sujeitara as forças políticas clandestinas, estas, logo que estruturadas em liberdade, quisessem garantir-se como os principais mediadores da vontade cívica dos cidadãos. E também pode ser compreensível que, tendo sido aprendida a lição da fulanização caciquista da I República, as forças políticas tivessem adotados mecanismos de proteção centralista, que evitassem o “rapto” da representação política por personalidades capazes de controlar os “sindicatos de voto”. A experiência, contudo, veio a provar que esse meritório objetivo nem sempre foi conseguido.
Uma coisa é certa: o monopólio parlamentar pelos partidos, no eixo de quem gera e gere os governos, criou entidades fechadas, sujeitas a regras próprias, feitas de mecanismos de cooptação que, como não podia deixar de ser, estruturaram aparelhos de capilaridade política. Nos partidos com ambições de governo, as “jotas”, as assessorias de governantes e a mão-cheia de lugares nas empresas públicas e no aparelho de Estado deram pasto às ambições carreiristas e aos “jobs for the boys”, e cada vez mais, “girls”.
Podia ter sido de forma diferente? A democracia não existe sem partidos e, com todas as suas disfunções, e contrariamente à opinião de alguns, acho até que o modelo funciona basicamente bem, desde que permaneça sujeito a “accountability” e a um forte e transparente escrutínio, nomeadamente mediático.
Domingo, vamos ter a possibilidade de escolher os nossos autarcas, um dos mais notáveis factores de democraticidade e proximidade política que o 25 de abril nos trouxe. Sei que não é simpático para ouvidos partidários ouvirem isto, mas entendo saudável que esta dimensão do Estado envolva, cada vez mais, cidadãos vindos de fora dos partidos – embora não necessariamente os trânsfugas deles. Olhando para a campanha que aí anda, não me agrada esta visível acaparação da vida autárquica pelas máquinas partidárias, numa espécie de “remake” daquilo que é uma eleição legislativa. Há mais vida cívica para além dos partidos.
7 comentários:
As autarquias, certas autarquias de grande importância, são a rampa de lançamento de grandes ambições nacionais. Os partidos geram estas ambições. Quantos primeiros-ministros e mesmo presidentes da republica passaram pela ante câmara da municipalidade para se lançar ao assalto do lugar cimeiro da Republica.
Para ganhar uma eleição, devia haver uma receita única: - Carisma, Credibilidade, Honestidade e Diplomacia.
Mas os partidos querem sobretudo alguém que seja capaz de reunir eleitores vindos de todas as franjas da população à volta das ideias do seu partido. O que supõe um certo talento oratório, no sentido positivo. Isto é que não deve ser utilizado para maquilhar a pobreza dum projecto…
E aqui chegamos ao ponto importante: a honestidade, uma das qualidades essenciais. Ou dizendo-o doutra maneira: a coragem de dizer a “verdade”. Cessar de fazer promessas irrealistas…
E se dissermos que o candidato deve mostrar que é competente, que mediu as consequências das suas proposições e será capaz de as pôr em execução…e que saberá: -
• Banir a xenofobia e a discriminação
• Pensar na importância da ecologia
• Pensar em todo o eleitorado e não num eleitorado particular.
• Aplicar a noção da justiça social
Chegamos à conclusão: MISSAO IMPOSSIVEL.
E então será o mais hábil que chegará ao poleiro. E os povos avançam assim (ou recuam), de experiência em experiência, até à próxima vez. E por vezes, quando o retrocesso é fatal, os partidos desaparecem.
Não vejo que a democracia tenha melhorado com a chegada dos movimentos de cidadãos que tantos disseram ser a panaceia para descréditos partidários.
Até estará pior em muitas coisas (que não no governo e assembleia, que, justamente, têm lá apenas os partidos).
Causa-efeito? Não me parece, mas ainda assim...
O que mudaria a "situação" seria os votos brancos e nulos contarem.
Enquanto isso não acontecer a abstenção será sempre o maior partido porque, como está, nada muda.
Até o Presidente Marcelo "proibiu" os abstencionistas de participarem...
O Sr. Freitas é mesmo um catedrático da "bola",....enganei-me da "política"...
Entretanto, na Catalunha, o espaço aéreo sobre Barcelona vai estar condicionado para que não haja imagens aéreas do povo tentando... votar.
Estes catalães são mesmo estranhos: a tentarem... votar!
Texto corajoso. Fluente catarse ?.
Sim, o poder de mexer a sério nos dinheiros públicos, esse, continua a ser um exclusivo, incontrolado, dos partidos da alternância, PSD e PS. Taticamente protegem-se, em mútua consonância de interesses, pelo que apesar do muito teatro o presente formato político, tão cedo, não vai evoluir.
As autarquias em Portugal, por seu lado, no que respeita aos dinheiros públicos, só "manuseiam" migalhas. Claro que há quem se mate e esfole por conseguir, repetidamente e para si, tão altruísta missão. O poder é viciante. JS
Com o que li neste "post" é que se demonstra que este regime, tão parecido com a 1ª República, não funciona pois ainda é mantido, como desde o ínicio, por subvenções. As quais algumas da Europa, mas outras não se sabe muito bem a que obrigam.
Isto era preciso uma democracia,tal como na 1ª República, que com a urgência, foi um pouco feita a martelo.
Enfim isto tem mudado pouco mesmo com mais dinheiro.
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