Há dias, ao passar na avenida Carvalho Araújo, em Vila Real, olhei as varandas, cheias de gente nova, com copos na mão, no edifício que alberga o "Clube" (e que já teve por baixo o "Café Clube"), e pus-me a pensar na cara de espanto que fariam os engravatados sócios do passado, se agora vissem a singular "subversão" que o espaço sofreu. (Há semanas, entrei no "Taurino", em Viana, e pensei o mesmo).
O Clube de Vila Real tem uma existência antiga. (Não confundir com o Sport Club de Vila Real, dedicado a outras "artes"). Faz parte das instituições que, pela província, as elites locais organizavam no passado para convívio e lazer. Na cidade, era o contraponto social da "União Artística", uma bela associação popular que, com sabedoria, tem sabido atravessar os tempos.
O Clube esta instalado entre duas artérias centrais da cidade. Tem uma bela entrada principal por uma escadaria de pedra e (pelo menos no passado) dispunha de uma saída para a Avenida, cujo cheiro a cera fresca está na minha memória olfativa.
Os jogos de cartas (mesmo o jogo "pesado" e clandestino) acabaram, em especial a partir de certa altura, por ser a sua (ainda que inconfessada) atividade dominante, o que lhe prolongou a existência mas corroeu em absoluto o prestígio, deixando de servir os propósitos que tinham levado à sua criação.
Mas períodos bem áureos houve, em que, no Clube, os bailes, as festas de Carnaval e outros eventos de "sociedade" marcaram a vida da urbe. Tenho fotografias de mim por lá, com três ou quatro anos, mascarado de campino, no seu (mau) bilhar joguei horas a fio, ia ali ver televisão, numa sala de cadeiras alinhadas, quando por minha casa essa modernidade ainda não tinha chegado. E até lá fiz uma leitura dramática, pelo Teatro Universitário do Porto, de "O homem da flor na boca", de Pirandello.
Ia-se também ao Clube pelos jornais, pelas assinaturas de revistas, porque o Clube tinha então para consulta a "Science & Vie", a "Flama", as "Seleções", etc. Mas não "A Bola", o "Record" ou mesmo "O Norte Desportivo", note-se! Embora os homens quase monopolizassem a atividade do clube, recordo períodos em que as mulheres dos sócios "abrilhantavam" algumas ocasiões.
Nesses tempos, quem tomava conta do Clube era o senhor Fernando. Vivia no andar superior e geria o quotidiano da casa, providenciando cafés (imagino que álcoois) e renovando baralhos de cartas. Por décadas, conciliou os egos locais que por ali andavam, "importâncias" que se contrapunham, feitios que se chocavam. Deve ter estado presente em confrontos, até físicos, de que se sabe que o Clube foi cenário.
O senhor Fernando, porém, foi sempre uma pessoa discreta, como se requer a quem tem de organizar um cenário de intensa passagem lúdica de cavalheiros e de outros tantos que tentavam passar por isso.
Na minha adolescência, o clube foi também um ponto de encontro noturno para os filhos dos sócios, em especial no Verão. Mas isso não se fazia sem uma regular tensão com o senhor Fernando, que nos aturou muitos desacatos, que chegou a ter de queixar-se de nós à direção, a qual acomodava depois as coisas com uma conversa discreta connosco, sob a promessa de não fazer chegar o assunto aos nossos pais.
Porque me lembrei hoje do Clube e do senhor Fernando? Porque leio no Facebook que ele faz agora 90 anos, embora estando longe de o parecer, como eu próprio tive ocasião de lho dizer, há semanas.
Aqui fica o meu abraço amigo de parabéns ao meu amigo senhor Fernando Pinto de Sousa e uma memória pessoal do Clube de que, por muito tempo, foi a alma.
1 comentário:
Falta dizer que o Clube fechou! Acabou! Encerrou!
É mais uma Instituição que acaba! Bem, esta não foi o Estado de Lisboa (digo Central), como fez, por exemplo, com a Casa do Douro. Vá lá! Foram os locais! Também têm direito a dar cabo do que existe não é?...
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