O que é uma coluna regular num jornal? Um espaço privado ou público? É a vida do autor que aqui interessa ou o modo como ele trata os temas que são relevantes para o leitor, que possam induzir este a manter o seu interesse na publicação, a comprá-la com regularidade, porque um jornal é também um negócio?
Provavelmente, as duas coisas não estarão desligadas. Quem por aqui escreve é uma pessoa, mais ou menos conhecida, com quem, ao longo da leitura regular, o leitor se vai habituando a conviver. Às vezes sob um contraste de opiniões, outras numa aberta cumplicidade de ideias, estabelece-se um vínculo que acarreta consigo uma carga de confiança. Nem sempre quem nos lê concorda connosco, nos lê e nós próprios, mas “sabemos do que a casa gasta”.
Um dia, surge a surpresa. Tal como, numa esquina ou num café nos falam subitamente de alguém em moldes insólitos, também em outro local, numa televisão ou noutro jornal, de súbito ouvimos ou lemos, a propósito da pessoa com quem nos habituámos a conviver através da escrita, coisas menos simpáticas, insinuações, que, no limite, nos abrem espaço à dúvida sobre se, afinal, conhecíamos aquele nosso interlocutor habitual. Para alguns, a reação é o “espera lá! Isto não pode ser assim tão simples!”. Para os adeptos do “não há fumo sem fogo” isso passa logo a ser decisivo. E a dúvida, com naturalidade, fica instalada.
Nesse instante, para estes últimos, a “história” do autor começa ali. Décadas de vida impoluta, a sua honorabilidade, o serviço à comunidade prestado e eventualmente reconhecido, a carreira profissional sem mácula, tudo isso desaparece. Num segundo, tudo se torna despiciendo perante aquele emaranhado súbito de insídias, embrulhadas na testada eficácia do “não é por acaso que”.
Porque nada é provado e tudo é apenas insinuado, a lógica mais primária deveria questionar: a haver alguma verdade, no todo ou apenas em parte, por que será que não houve consequências - políticas, judiciais, outras? Uns, mais prudentes, pensarão: isto está mal contado, não há aqui contraditório. Outros, porém, sensíveis às apelativas teorias conspirativas, passarão a alimentar, pelo menos, a dúvida. Era esse o efeito pretendido.
Que fazer, perante isto? Nada. A justiça da sociedade moderna não condena a difamação de quem anda na praça pública. O peso das meias verdades é suficientemente poderoso para se impor. Perante todos? Não, perante quem acredita mais em quem difama sem provar do que no alvo casual das insídias. As pessoas acreditam naquilo e em quem querem acreditar, no que lhes conforta os preconceitos, as inseguranças. Esta é a sociedade da dúvida. A calúnia sabe isto. George Bernard Shaw dizia: “não devemos lutar com porcos. Sujamo-nos e, ainda por cima, eles gostam”.
(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")
11 comentários:
Curioso este seu texto.
No tempo em que havia censura, V não teve dúvidas de que importava lutar contra esse estado de coisas e militou nessa causa; agora, perante as novas formas de cerceamento da liberdade que por aí vão proliferando como corolários da disseminação daquilo a que Eco chamou "u-fascimo", V diz-nos que não há "nada" a fazer!
Não vejo as coisas assim. Essa via de não fazer nada perante coisas tão fundamentais como o direito ao bom nome, só pode desaguar numa variante qualquer do poema de Niemoller.
MRocha
O seu texto está correto; pena é que a sua prática não corresponda ao que escreve, quando por sua mão. ou mão emprestada, Você coloca em causa a honerabilidade de terceiros. Agora o problema bateu à sua porta!
O Anónimo das 9.45 deve concretizar sobre a pessoa cuja honorabilidade coloquei em causa. Vamos lá! Nomes...
No fundo, anda tudo à volta do mesmo: um que diz, outro que diz que disse e eu que digo que não sei do que tudo isto se trata porque ninguém diz coisas de forma clara.
A censura rosa é limpa e transparente....Não existe, pois claro !
Tens toda a razão. Voltou a inquisição. Alguém insinua que o cristão novo continua práticas judaicas e lá arde ele. No caso próximo parece-me porém que tendo em conta as carateristicas dos delatores a calúnia é quase um elogio
Fernando Neves
Permita-me a intrusão, sr. Embaixador, mas se a citação que refere era de Shaw, dramaturgo irlandês, ele não era John, mas George (Bernard Shaw).
Isto anda tudo muito críptico.
E isso demonstra ainda mais vasta a crise que existe seja ela política ou intelectual. O que cada um diz já só é para alguns.
Pois que assim seja.
Neves,
Os delatores eram os autores das Notas Verbais.
" O que cada um diz já só é para alguns."
sempre assim foi
Em tempos houve um sr chamado Hitler que nem tinha olhos azuis nem o cabelo loiro , bastava olhar-se ao espelho para entender que as suas ideias eram fruto do drogado louco que era.
Quasnto aos galinaceos que implementavam as ideias, alguns desses acreditavam piamente, outros eram cobardes, outros oportunistas e por ai fora...
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