terça-feira, dezembro 16, 2014

A tristeza da Bertrand

Há dias, falei aqui da livraria Férin, na "baixa" lisboeta. É uma das poucas que nessa zona resta de um tempo glorioso de espaços livreiros, que, perto da Trindade, começavam nos alfarrabistas e na "Opinião", e, pelo Chiado, se prolongavam pela "Diário de Notícias", pela "Moraes", pela "Sá da Costa", acabando, na rua do Carmo, na "Portugal" e na "Ulisses".
 
No meio de tudo isso, ficou sempre a "Bertrand", que se diz criada em 1732, tida como a mais antiga livraria do mundo. Sabia bem passar pelas suas diversas salas, espiolhar as estantes, cruzar os "habitués". Teve períodos péssimos em matéria de atendimento e conhecimento livreiro. De há uns anos para cá, reencontrara-se e reconvertera-se numa boa livraria. E estabilizara em matéria de "geografia", isto é, sabia-se onde encontrar o que nos interessava.
 
Passei por lá ontem. Uma estranha "renovada", como dizem os brasileiros, esvaziou-a agora de livros (!), fez desaparecer dezenas de metros de estantes e simplificou a sua oferta a um nível de verdadeira indigência. A "Bertrand" está irreconhecível, com um soalho flutuante medíocre e um ambiente incaraterístico, parecendo apostada em acolher apenas turistas, à cata da Lisboa "típica". Por este andar, além do inevitável "Livro do Desassossego", ainda acaba a vender pasteis de nata e miniaturas de elétricos. Prometi a mim mesmo: à Bertrand da Garrett não volto tão cedo!

11 comentários:

Anónimo disse...

Vender pasteis de nata não sei, mas o "desassossego" vai ser inevitável, resultado da digitalização dos conteúdos e, portanto, da desmaterialização do livro = O desaparecimento dum " lien social": A livraria.
Moins de livres, moins de libraires = moins de ventes.
Moins de ventes = encore moins de livres (réduction des stocks) et moins de libraires... etc.
Si le libraire disparaît, la mort de l'éditeur suivra.
Cercle vicieux, bien loin de la logique du commerçant.
Et pourtant, le livre est un des "produits culturels" les plus vendus via internet
A missa esta dita.

Anónimo disse...

Não tardará muito tempo que esteja a vender pasteis! Olhe-se o caso da "Portugal"... lá estão os "bolinhos" à venda. Há 20 anos atrás, ninguém imaginava estas transformações. Os tempos mudam e dá para nós ainda assistirmos a isto!...
MT

Anónimo disse...

Passei por lá a semana passada e o sentimento foi o mesmo. Um desconsolo. Parece que as livrarias têm vergonha do "produto" que vendem. Acho que se pudessem escondiam os livros, ou colocavam uma maquineta qualquer, como aquelas que vendem tabaco, cheia de literatura "pimba", porque as pessoas acabam os dias cansadas, coitadas, e precisam é de umas coisas "levezinhas" para distrair... Até podia haver uma máquineta dedicada, por exemplo ao josé rodrigues dos santos...

David Caldeira

David Caldeira

Francisco Seixas da Costa disse...

Que fique claro: tinha escrito Roda da Sorte, por erro, e retifiquei graças à informação do comentário.

São disse...

Eu já apanhara um tremendo choque quando, depois de procurar desesperadamente um só livro que fosse em francês, fui obrigada a recorrer ao funcionário que me informou não terem !!!

Agora passei do choque ao desgosto com essa triste nova que nos dá...

Boa noite

Anónimo disse...

Aproveito para homenagear a antiga Buchholz - que não fica exactamente no Chiado - e a D. Katharina Braun, que tinha mau feitio mas que gostava muito de mim e me iniciou (imparcialmente) em muitas leituras internacionais, ainda antes do 25 de Abril. Também havia LPs clássicos. Foi sempre a melhor discoteca de Lisboa (coisa também de outros tempos) a cargo da inesquecivel Isabel Albuquerque. E a galeria de pintura, sob a belíssima responsabilidade de Rui Mário Gonçalves, era também excelente, a par da 111 do nosso saudoso Manuel de Brito e agora da Arlette, sua mulher.
JPGarcia

Correia da Silva disse...

Na Bertrand, existe um "livro de reclamações".

Majo disse...

~ ~ Portugal a saldos. ~ ~

João Melo Alvim disse...

O problema é que os consumidores aceitam ser meros consumidores e não já clientes, não demonstrando sequer curiosidade em ver mais para além dos Top de vendas.

Por outro lado, não deixa de ser curioso que tanta "inovação" passe pela constante venda das mesmíssimas coisas. Nesse ponto, estranho quem vende não perceber que é "alimentando" nichos e gostos diversificados que se conseguem mais negócios. É possível fazer uma analogia com o mercado de séries de televisão que apostou na diversificação e não deixa de fazer chegar todas as temporadas séries com imensa qualidade ao lado de outras mais "comerciais". É certo que muitas vezes cancelam algumas com enorme qualidade devido à falta de audiência, mas continuo a crer que o saldo é sempre positivo.

margarida disse...

Outro obituário...
Não regressarei lá jamais. A mania de mexerem nas casas antigas é devastadora e as consequências tremendas.
Menos um espaço, mais uma memória.

Anónimo disse...

Fui hoje à Bertrand do Chiado e confirmei a desgraça. Lamentável.

LBA

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...