segunda-feira, dezembro 29, 2014

Pergaminhos

Há dias, procurando na internet dados sobre uma determinada pessoa, fui conduzido, num cruzamento de dados, a uma estranha autobiografia de um antigo colega da carreira diplomática, com quem aliás julgo que nunca me cruzei. Essa figura viria a ter um final de carreira algo atribulado, a contas com a Justiça, que não lhe terá perdoado o facto de ter colocado no mercado alguns passaportes que tinha a seu cargo e que acabaram por surgir nas mãos de cidadãos estrangeiros, que lhos terão comprado por avultadas quantias. O diplomata em questão foi devidamente condenado e passou algum tempo na prisão. Foi uma das escassas manchas de uma profissão honrada que, em geral, é constituída por pessoas de bem, com elevado sentido de serviço público. Por isso, o seu nome é, simultaneamente, para lembrar tristemente entre nós e para esquecer em público, como farei aqui.

Falo disso hoje apenas para notar uma das perversidades da internet: quem ler o texto auto-elogioso assinado por aquele meu ex-colega, e não conhecer o vergonhoso final profissional que teve, é levado a pensar estar perante um funcionário qualificado, com uma carreira merecedora de encómios, tanto mais que ele recheia o texto de prosápias em que ninguém da profissão o reconhece. E, naturalmente, essa tal figura, que nem sequer sei se ainda é viva, não diz uma linha sobre o período negro da sua vida, embora gaste laudas a alindar o seu estatuto nobiliárquico. 

Este é um dos graves problemas do mundo informático: poder servir de veículo fácil à mentira e às fantasias. 

8 comentários:

Anónimo disse...

Chico

Por simples acaso sei quem é o figurão. Por isso nunca te doam as mãos.

Por intermédio do meu falecido tio e padrinho de casamento Dr. (ele gostava de ser assim chamado) Afonso Henriques Antunes, do MNE, mas não diplomata, conheci muitos destas. E normalmente eram homens de bem.

Esse meu tio (da primeira fornada da licenciatura em Económicas) também fora secretário pessoal de um tal Esteves/Botas durante oito anos.

E tinha na sala de-visitas dele um retrato pintado em tamanho natural do gajo de Santa Comba... com moldura dourada.

Quando veio o 25 de Abril, o retrato foi retirado para a cave e, pelo sim, pelo não, voltado para a parede.

Dele (do meu tio, claro, não do tipo do retrato, figas, canhoto) guardo a afirmação em sussurro: "Que pena, hoje há uma quantidade "deles" que são "daqueles". E antes que eu disse alguma inconveniência (já bastara o que comentara sobre o "tal" retrato): Já sabes a que me refiro e como não gosto de usar palavras "feias"...

Bom homem, o Dr. Afonso Henriques - Antunes, licenciado pela ainda Escola Superior do Comércio... E muito bem educado.

Abç

ignatz disse...

o autoelogioso portas fez o mesmo com os vistos gold e não foi preso. mais uma vez história da velhinha/champô/pingo doce vs portas/submarimos/ prescrição.

Anónimo disse...

"com quem aliás julgo que nunca me cruzei"

Muito bem. Nós cruzamo-nos COM pessoas. Não cruzamos pessoas, como é seu hábito escrever.

Anónimo disse...

Também vi e concordo.
JPGarcia

Anónimo disse...

Mal, Senhor Embaixador! Para que serve a "internet"? Para construirmos uma "persona", uma figura pública na rede social, que se interponha oportunamente entre nós o mundo. Tenho lido muito Kierkegaard aqui no Golungo e, desde que me vi rejeitado para o jantar de Natal que ofereceu generosamente aos seus amigos, decidi passar a criticá-lo sem piedade, a exemplo dos seus correctores gramaticais (salvé, anónimo das 10.58!), mas numa perspectiva mais filosófica.

a) Feliciano da Mata, o peripatético do Golungo

Anónimo disse...

O jantar «do Procópio» já passa por jantar oferecido pelo Embaixador aos seus amigos...

Francisco Seixas da Costa disse...

O comentário anónimo das 21.14 tem razão. De facto, na notícia de um jornal, com a qual obviamente nada tenho a ver, o jantar da Mesa Dois do Procópio (e não "do Procópio") surge titulado por mim, quando todos sabem que sou um mero organizador do repasto e, no tocante à tertúlia, sou até um frequentador relapso. Mas, já agora, podias ter assinado o comentário...

Carlos N.Ferreira disse...

Ainda conheci a criatura,que era um ser penteado e franzino,de postiça boa educação e usava um anel de brazão que lhe transbordava do dedo. Era na altura Secretario-geral o embaixador Themido ,muito maltratado no texto ,algo que nāo me repugna excessivamente, tendo sido vítima de uma sua "deslealdade", que envolveu essa grande figura da diplomacia a quem uma imaginativa colega, em Paris, chamava "o pépin de la vallée".
O que na época se murmurava pelos corredores das Necessidadesera que esse percursor dos vistos gold,que guardava para si a contrapartida do investimento,tinha sido denunciádo pelo seu sucessor no posto, quando este foi abordado por um visitante chinês que lhe disse vir buscar o passaporte e estarar ali o envelope,como combinado com o seu amigo Fuman Chu (nome fictício).Tendo a ďenuncia sido feita por escrito,com abundancia de provas credíveis e precedentes identicos encontrados nos arquivos do Consulado, não era possível varrer o assunto para debaixo do tapete. O que se dizia pelos corredores era que o SG tinha oferecido ao putativo delinquente a alternativa de ele abandonar a Carreira ou de se confrontar com uma queixa-crime. Ele teria escolhido a renuncia, acolhida com presteza e alvoroço. Mas alguém terá dito que a natureza de crime público do delito cometido vedava o seu apagamento, e avançou a queixa à Judiciária. Percebe-se a amargura que prepassa no texto/memória.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...