segunda-feira, dezembro 15, 2014

Os chatos da plateia

São temíveis! Raramente escolhem a primeira fila dos auditórios, embora isso aconteça com alguns mais vaidosos. Pela minha experiência, a terceira fila costuma ser o seu lugar de eleição, de preferência junto às coxias, por forma a facilmente poderem obter o microfone das mãos dos ajudantes volantes que circulam pela sala.

Falo, naturalmente, dos chatos interventores, dos falsos perguntadores, sempre presentes em colóquios, palestras e conferências, que aproveitam o momento da abertura do debate à audiência para fazerem longas dissertações, para as quais ninguém os convidou.

Pressinto-os, mal me sento numa mesa, com um simples olhar pela sala. Conheço alguns de ginjeira, sei que estão à coca do momento oportuno, de dedo imediatamente esticado para pedirem o microfone (chegam a fazer sinal prévio aos ajudantes de sala, quando prevêem próximo o período de perguntas). Mas o seu objetivo quase nunca é exercerem o legítimo direito de colocarem uma questão aos oradores. Se o fazem, trata-se de um mero gesto formal, mas só no fim de uma imensa exposição pessoal. Aliás, e pela minha experiência, o que é dito pelos interventores é-lhes praticamente indiferente. Trazem a lição estudada de casa, uma ideia fisgada, as mais das vezes embrulhada em fórmulas confusas, quase sempre com tonalidades radicais. A sua grande finalidade é intervir, opinar, dizer o que pensam, por mais indiferente que isso seja a quem foi ali para ouvir outros. Os mais hábeis, quando pressentem que o moderador da mesa se prepara para os interromper, têm duas técnicas: uma delas é citar, a meio da fala, ainda que obliquamente, um dos oradores oficiais, para dar a falsa perceção de que se encaminham para a formulação de uma pergunta; outra é recorrerem à vetusta figura do "só gostaria agora de acrescentar, para terminar..." ou coisa do género - o que lhes faz ganhar uns minutos mais.

Há tempos, num cenário de um qualquer colóquio, ao ver atuar uma dessas personagens, lembrei-me de que poderia ser interessante organizar uma sessão onde se pudesse colocar na mesa, como oradores, precisamente um grupo selecionado desses chatos  mais conhecidos, dando-lhe, finalmente, o palco que tanto procuram. A dificuldade residiria apenas em encontrar, para o debate, um tema que lhes fosse comum... E convocar uma plateia de voluntários para os aturar, claro.

(post de 2010 "reciclado", num dia em que a agenda aperta)

8 comentários:

patricio branco disse...

uma magnifica ideia, pô-los no podium e expor e a responder...
o fenómeno acontece e é irritante, não passa duma balofa exibição desses personagens

Albino M. disse...

Eu punha-os no ... pódio. E bastava...

ignatz disse...

poizé, a coisa só se resolve com uniformidade de pensamento, mas para isso é preciso regime de partido único. para lá caminhamos, mas enquanto não chega é seleccionar os convidados e controlar as entradas de forma a garantir o cinzento da coisa.

Anónimo disse...

Julgo que esse problema se resolveria se, em todos os colóquios, conferências,etc, antes da abertura da sessão de perguntas, fosse informado por quem de Direito que "o orador tal" só responderá às perguntas que entronquem na matéria exposta pelo orador convidado.
Todas as outras ficarão por responder. E passa-se à pergunta seguinte.
2, 3 colóquios aqui, mais 4, 5, acolá e estou certo de que a notícia se espalharia por entre os assistentes de colóquios e que são sempre os mesmos.
Muito em breve a linha de perguntas teria em conta que " se for ao lado" ele/ela não me responde.
É só uma ideia. Vale o que vale.

Guilherme Sanches disse...

19 de outubro. Posso parecer invisível, mas sempre atentamente presente.
Um grande abraço

Luís Lavoura disse...

Excelente descrição de um fenómeno que já observei por repetidas vezes.

É mais uma exibição de duas caraterísticas interligadas do povo português:

(1) A má educação ou falta de civismo. O chato da plateia dá-se a liberdade de ser mal educado.

(2) A grande liberdade que está associada à falta de autoridade. Ninguém tem a autoridade para calar o chato e portanto este tem absoluta liberdade de ser incívico à discrição.

domingos disse...

Apenas acrescentaria uma característica que identifica esse tipo de interventores: é esquecerem-se quase sempre de dizer quem são ou o que fazem. E quando o conferencista lhes faz a pergunta é óbvio o seu embaraço. Pior ainda quando no final se lhes inquire: mas afinal qual é a sua pergunta?
Outra técnica que tb irrita esses chatos é a mesa decidir juntar 3 ou 4 perguntas e só então o conferencista responder a todas em conjunto. Claro que muitas vezes essas longas e confusas intervenções não passam de um exercício catártico próprio de um tipo de personalidade que "Feud explica".

rui dias disse...

mas está a falar de quem? E a que propósito?. Cptºs, RLD

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...