sexta-feira, dezembro 26, 2014

A propósito de Brasília

Já tive esta discussão mil vezes.

De novo, há dias, ouvi a alguém: "Não gosto de Brasília. Não gosto daquela ideia orwelliana que Niemeyer tem do urbanismo, de organizar a cidade em espaços estanques, querendo "controlar" a dinâmica humana. Aquilo é uma forma de estalinismo, é produto do facto de Niemeyer ser comunista, de ter um espírito de "engenheiro social". Niemeyer pode ser genial, mas não consegue ultrapassar, por vício ideológico, o racionalismo extremado que o levou a desenhar uma distribuição dos espaços que é contrária à natureza. Olhando para as "asas" de Brasília, nota-se que aquilo é produto de alguém que, como Niemeyer, não tem nenhum amor à liberdade, que usa a autoridade do seu risco para impor um modo de distribuição das pessoas pelos espaços. Volto a dizer: Niemeyer é um grande arquiteto, mas tem a alma de um ditador social."

Quantas vezes já ouvi isto, dito de forma mais ou menos sofisticada. E, no entanto, Oscar Niemeyer, o tal arquiteto genial, não teve, contrariamente à mitologia popular, nenhuma influência no desenho espacial da capital brasileira.

Chamava-se Lúcio Costa o também genial arquiteto que "inventou" Brasília, que desenhou o "Plano Piloto" da cidade, vencedor do concurso aberto para o modelo da nova capital. Coube a Niemeyer, que tinha sido seu aluno, desenhar os edifícios que são a imagem de marca da cidade (a catedral, os ministérios, o congresso, o palácio do Planalto, o palácio da Alvorada e tantos outros), "plantando-os" nos espaços que Lúcio Costa definiu. Pode hoje dizer-se que a projeção das obras de Niemeyer acabou por abafar, no plano internacional, o papel de Lúcio Costa. Mas o seu a seu dono! E, já agora, se é possível encontrar uma raíz teórica no traço organizativo da cidade, ele está no urbanismo funcionalista de Le Corbusier e na "carta de Atenas". E, para esta escola arquitetónica, contribuíram muitas influências, sendo que o racionalismo socialista é apenas uma delas.

Mas esta é uma discussão perdida, como já concluí.

(Deixo uma fotografia de Lúcio Costa. Pode ser que contribua para que o seu desconhecimento diminua, pelo menos junto dos meus amigos.)

5 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem lembrado, mas o que se questiona justamente e a "carta de Atenas" e os seus pressupostos e consequências. E houve muitas outras arquitecturas de raiz socialista: as cidades-jardins dos fabianos ingleses, por exemplo.

a) Henrique de Menezes Vasconcellos (Vinhais), monárquico sempre, mas agora convertido ao socialismo democrático coroado...

ARD disse...

Tenho tido conversas semelhantes.
Paciente e pedagogicamente tento esclarecer os meus interlocutores, contando-lhes a história do "X" que Lúcio Costa teria traçado no mapa para marcar a localização exacta da cidade e como esse X se transformou no desenho primordial, no "avião" constituído pelo Eixão e pelas Asas Sul e Norte.
Nunca consegui confirmar sem margem para dúvidas a veracidade desta história.
Mas todas as cidades têm o seu mito fundador e o X de Lúcio Costa vale bem Ulisses ou a Loba romana.

patricio branco disse...

pois desconhecia, para mim brasilia, casas ou ruas, arquitectura ou urbanismo, era nimeyer

Anónimo disse...

Não é uma cidade muito bonita, mas sonhada sem peões? Isto é, incómoda para quem não se desloca de carro

Janus disse...

Uma cruz. As asas Norte e Sul são estruturadas pelo Eixão e pelos Eixinhos. O outro eixo, "perpendicular" a este, é o Eixo Monumental, onde se situam grande parte dos edifícios ex-libris de Brasília como, p. exp. a Catedral, a Esplanada dos Ministérios, o Itamaraty, a praça dos 3 Poderes, o palácio do Planalto, etc.

João Miguel Tavares no "Público"