sexta-feira, julho 25, 2014

A ONU em Gaza

Israel bombardeou a escola das Nações Unidas, em Gaza.

Ser secretário-geral das Nações Unidas é um posto ingrato. A história mostra que os diferentes titulares tiveram percursos e resultados muito diversos. De certo modo, pode dizer-se que, nos tempos da Guerra Fria, onde as coisas eram "a preto e branco" num mundo Leste-Oeste, talvez fosse mais fácil exercer essas funções, bastando ser respeitador sem subserviência dos EUA e procurando estar minimamente atento aos direitos e interesses do(s) outro(s) mundo(s). Esse caminho "estreito" foi tentado por alguns SG, com relativo êxito. Nos tempos que correm, as fronteiras são mais fluídas, as certezas são menores e a unipolaridade centrada em Washington, que debilitou a imagem da ONU a um nível nunca antes visto, torna mais complexa a função, tanto mais que a Rússia atual não é "flor que se cheire" e o mundo "do Sul" se transformou numa salgalhada onde há um pouco de tudo.

A questão israelo-palestiniana é, historicamente, o maior "calcanhar de aquiles" das Nações Unidas. Qualquer secretário-geral da ONU o sabe, até porque tem de viver com um "droit de regard" permanente de Washington sobre esse tema que é quase uma política "doméstica" para qualquer administração estadunidense. Israel, que tem "na mão" as administrações americanas (agora de ambas as colorações, no passado mais os democratas, então mais permeados pelo lóbi judaico), sabe que pode contar com o imobilismo das NU e que o que de lá sair nunca afetará excessivamente os seus propósitos. Por isso age com esta impunidade.

Conheço relativamente bem Ban Ki Moon. Durante quase seis meses, demo-nos bastante, ao tempo em que era chefe de gabinete do presidente da Assembleia Geral da ONU e eu era presidente da Comissão de Economia e Finanças, uma das seis comissões permanentes dessa Assembleia. O facto do presidente da Assembleia ser o MNE da República da Coreia obrigava Ban Ki Moon a substituí-lo, com grande frequência, na coordenação do trabalho das comissões. Anos depois, quando fui a Seul representar a OSCE, era ele assessor diplomático do presidente coreano, convidou-me para almoçar e fez-me uma das mais completas e equilibradas leituras sobre o conflito entre as duas Coreias que ouvi até hoje. E recordou-me, com saudade gustativa, um prato de camarão que o nosso cozinheiro beninense fazia muito bem e que uma vez lhe ofereci na nossa residência, em Nova Iorque. Fiquei contente quando vi um homem sereno e respeitável como Ban Ki Moon ser escolhido para secretário-geral da ONU, para substituir Kofi Annan.

Imagino que para Ban Ki Monn estes dias não sejam nada fáceis, embora, à partida, ele devesse ter a consciência clara do que poderia fazer, em especial num terreno tão minado politicamente como é o processo "de paz" do Médio Oriente.

O que se passou ontem em Gaza, com o bombardeamento da escola das Nações Unidas, deveria conduzir Ban Ki Moon a um gesto que poderia ter uma utilidade bem maior do que o mero esbracejar retórico e o estafado apelo ao cessar-fogo que fazem parte da coreografia diplomática da praxe. Se Ban Ki Moon quisesse assumir uma atitude com um mínimo de eficácia, deveria provocar uma crise nas Nações Unidas, demitindo-se. Um gesto desta natureza configuraria um ato de coragem, de desassombro e de grande dignidade. Os Estados Unidos teriam um sério embaraço e o mundo compreenderia.

8 comentários:

Joaquim Moura disse...

Estranho que não refira a falta de iniciativa, omissões e responsabilidades da União Europeia na situação presente na Palestina. É simplesmente vergonhoso que a politica da União Europeia para o Médio Europeia continue prisioneira dos complexos de culpa dos alemães, e não só, relativamente a Israel, deixando o governo sionista de mãos livres para cometer massacres de populações civis indefesas.

São disse...

Seria uma óptima atitude!

Mas duvido que seja tomada e assim nem os EUA nem os sionistas respeitarão nada...como sempre têm feito.

E , fazendo um paralelo, Cavaco e Passos deveriam ter saído da sala quando , sem sequer os terem informado, chamaram para a mesa o ditador da Guiné Equatorial.

Talvez esteja a simplificar muito a questão , mas não vejo razão pela qual tenhamos que passar por semelhante humilhação pública ...e muito menos que tenhamos que vender a alma ao diabo e aceitar na CPLP um tirano , cujo regime tem pena de morte e anuncia em várias línguas a sua entrada na organização, mas não em português!!

Quem não se faz respeitar, não será nunca respeitado!!

Os meus cumprimentos.

Anónimo disse...

Uma amiga advogada disse-me precisamente num destes dias (a propósito de outro assunto) que demitir-se é fugir as suas responsabilidades.
É uma decisão para a qual é preciso muita coragem.
As responsabilidades, quando somos responsáveis, é preciso assumi-las. Mesmo se para a aplicação das decisões é preciso a intervenção da policia.
E se a policia não obedecer...
Então não podemos assumir as responsabilidades.
José Barros

Anónimo disse...

AS NU são uma correia de transmissão dos interesses políticos norte-americanos. E o seu SG um administrador daqueles interesses. Ponto. Israel é um país que nunca o deveria ter sido e agora temos de aturar esta porcaria infame.

Anónimo disse...

Nem sei se diga: Meu Deus; ou Deus meu!
Ha muitas e muitas semanas que não abria o unico blog que tenho lido com gosto. Não foi por motivos de saude, o que ja é muito bom de dizer. Foi por motivos de obras em casa de "alguns" livros...
Venho aqui, e, dou de caras com uma pessoa realista e atinada como o nosso embaixador. Porque nunca é demais dizer: que se mantenha assim, pois o resto "do pessoal" bem podia ser representado por Cantinflas, alias Mario Moreno, no "Sobe e desceé!

JS disse...

No presente estado dos interesses em jogo, a uma teatral demissão do SG Ban Ki Moon -atendendo às actuais escolhas para as "comissões" na ONU- corresponderia, certamente, uma não menos espetacular eleição de algum sinistro personagem para o cargo de SG.
Infelizmente é a realidade. Na actual ONU "crise", como muito bem menciona, é "business as usual".

Ps. Como não estava lá -na escola da ONU bombardeada- e atendendo aos relatos "biased" e incompletos de ambos os lados, já sabemos o que realmente se passou?.
E a também propagandeada -com testemunho do SG- existência material bélico e munições, noutra escola da ONU, re-entregues ao seu "legítimo" proprietário?.

Não que isso altere o que se possa pensar, há muito tempo, deste, e de outros, artificialmente criados e mantidos, conflitos.
Como sempre as "guerras" -em ambos os lados- são, simplesmente, úteis para uns, e são horrivelmente dramáticas para outros....

Mônica disse...

Sr Francisco
Um ato horroroso que poderia parar nele, Mas em todos os países ha atos assim. Ate em cidades pequeninas; Uma pena que tem que haver uma maneira de parar estes atos;ataques em escolas, ataques na sociedade, ataques nas ruas, ataques dentro de casa. Vamos rezar?
com carinho Monica

Anónimo disse...

Caro Francisco

Fui duas vezes à sede da ONU - em serviço. Parafraseando um anúncio que teve grande sucesso aqui em Portugal, a ONU já não é o que era...

Gostei da comparação que a Ção, ups, São fez com a vergonhaça em Timor. Porque, cada vez mais penso que quem não tem petróleo não tem vícios. Ou seja quem tem petróleo está-se marimbando para quem o não tem.

Se o senhor Ban Ki-moon se demitisse (que era, na verdade o que devia fazer) o pessoal assobiava para o lado e prontos, sem s. A ONU já não é o que era.

Abç

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...