Não consegui ir à homenagem que a Câmara Municipal prestou a Carlos do Carmo. Mas, ao ler um miserável artigo de opinião ontem publicado no "Diário de Notícias", onde se amesquinha o prémio internacional recebido pelo cantor, apeteceu-me dar nota de algo que tem sido pouco sublinhado, mas que merece ser dito: o papel de Carlos do Carmo na aceitação política do fado.
Como canção identitária do país, o fado foi instrumentalizado com algum cuidado pela ditadura. O Portugal passadista, sentimental, a tanger a pobreza e a desgraça, que muitas letras do fado tradicional espelham, ia bem com o paradigma do regime de então. Enquanto o povo rimasse "amar" com "luar", para usufruto de turistas e salões marialvas, Portugal viveria tão "habitualmente" como Salazar gostava. A genialidade de Amália fazia bem a ponte entre todos esses mundos que apreciavam o fado, embora o sobrolho do regime se tivesse começado a franzir quando ela convocou poetas a sério para usufruto da sua voz. Mas o fado, com Fátima e o futebol do Benfica, era a caricatura popular de um Estado que de Novo já só tinha o nome. Até que caiu.
Chegados a abril, o fado sofreu a ressaca de tudo o que surgia ligado ao tempo que passara a ser um passado demasiado pesado para ser louvado sem risco. A demagogia fácil, que por esses magníficos dias também se instalou, transformou Amália no bode expiatório de todo o mundo fadista, com a canção a ser tida por um verdadeiro hino da reação. Nos meios de esquerda, o fado passou por tratos de polé. Lembro-me bem da condescendência irritada de amigos meus quando, no auge dessa onda, onde só se ouviam trovas revolucionárias e militantes, eu louvava a beleza do "Não venhas tarde" ou o "Nem às paredes confesso". Não me arrependo, claro.
Foi então que surgiu Carlos do Carmo. O fadista era "de esquerda", próximo do Partido Comunista. Fadista e comunista? Assim era e foi assim que, em grande parte pela sua mão e pela sua voz, com José Carlos Ary dos Santos à mistura, o fado se "segurou" nessa criativa mas também destruidora agitação. Em 1975, Carlos do Carmo seria o intérprete único do então importante concurso nacional em que se escolhia a canção que representaria Portugal na Eurovisão. Mesmo assim, alguma esquerda demorou tempo a "chegar" ao fado. Outra, suspeito eu, continua a olhar para ele como um rito alfacinha (um seu setor, de que nunca fiz parte, delicia-se com a napolitana versão coimbrã, salva da "tormenta" de 74 por via de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira), desconfiando sempre da sua perversa influência melancólica, da apropriação aristocrática e sua banalização turística. Coitados, não sabem o que perdem!
A Carlos do Carmo, para além da contribuição para o seu património de algumas belas melodias, o fado deve muito daquilo que hoje é na memória de Portugal e do mundo, como canção que é, tal como os presidentes da República dizem sempre serem, mesmo quando o não são, "de todos os portugueses".
15 comentários:
Caro Francisco
1) Adoro fado;
2) Em "puto" cantei-o com o Carlos Ramos, na "Toca" a apadrinhar-me. Tinha 17 aninhos e já cantava o "Não venhas tarde, dizes-me tu com carinho..."
3) Mas a Dona Glória Ferreira, minha mãe (que administrava justiça com uma colher de pau) calou-me o pio, pois o que eu tinha de fazer era ir para a Universidade e fazer-me "doutor" no que quer que fosse...
4) Perdeu-se, assim, uma vocação que antevia uma grande carreira fadista...
5) O Carlos do Carmo é só o... Carlos do Carmo. Toda a gente o felicitou pelo Grammy mais do que merecido. Só uns escribas tentaram diminuir o êxito da figura maior do fado de hoje - e, quiçá, de sempre.
6) Infelizmente o actual inquilino do palácio de Belém não o felicitou. Que melhor prova do vingativo que o sôr Silva é? O Carlos do Carmo diz que não gosta dele? Então, prontos (sem s) não o felicito como faço a outros cidadões! Se fossem as vacas sorridentes dos Açores o homem felicitava-as...
7) Nem a Virgem de Fátima o ajudou; deve estar cansada de interferir para que corresse bem uma avaliação da troika.
8) Quosque tadem Aníbal abutere patientia nostra?
Abç
De facto há uma dimensão da pequenez que ofusca o discernimento...
Também acho Carlos do Carmo um Senhor da nossa música com uma voz inigualável.
Prémio bem merecido.
O Sr. Embaixador acaba de demostrar que os 3 F nada têm a ver com os regimes, seja a ditadura ou a democracia, e que a inveja e a caturrice são características bem vincadas neste povo!
O Fado é uma canção só portuguesa e o Carlos do Carmo defende-a muito, muito bem. Só por isso deveria ser medalhado no 10 de junho (não sei se já foi). Quanto à política é lá com ele. (adoro “ouver” elton John e o fredy apesar de tudo)
Em Inglaterra já seria Sir Carlos do Carmo há muito tempo!
antónio pa
Para Antunes Ferreira: quousque tandem, não qosque tadem (gralha) Aníbal (Catilina), abusarás da da nossa paciência. Que é vingativo, é. O seu fairplay não existe, tal como está desprovido de sentido de humor
Gostei muito deste texto que nos fala do fado e como ele era visto em tempos recentes naquela trilogia dos "éfes"... Mas para o "F" do Futebol não deve apenas ser restringido" ao "futebol do Benfica"! Apetece-me dizer (apenas neste caso - e não sou Benfiquista) "abaixo o Benfica" !
O "F" era um "F" de Futebol Prezado Embaixador! Tire lá aquele "beliscão" ao Benfica porque o "Puorto" o Sporting, o Braga, o Belenenses... merecem o mesmo trato!
Apenas aceitaria distinguir o Lourosa, para recordar o José Mário Branco, senão futebol é futebol...
Agora a propósito de Carlos do Carmo, penso que ele é mais do que um excelente fadista e é um artista a quem o sucesso não embebeda. Não apreciaria mesmo nada que este merecido prémio viesse "bolir" com a sua postura de homem popular. É um grande Fadista, sabe que o é e sabe ser discreto.
Recordo esta sua postura recente na véspera de uma atuação numa associação portuguesa aqui na região de Paris onde tomou acento muito simplesmente numa só cadeira à mesa de um restaurante sem provocar qualquer alarido à sua volta...
E até duvido que a ausencia de felicitações de Cavaco Silva, que não é muito afeiçoado a estas coisas de cultura, tenha afetado o orgulho de Carlos do Carmo tanto como José Saramago exprimiu na altura do seu prémio Nobel...
José Barros
O fado pode ser cantado muito bem sem uma grande voz: Alfredo Marceneiro tinha uma grande voz? Mas no caso de Carlos do Carmo isso não é verdade. Tem uma voz formidável ( sai à mãe). Isso não impede de o julgar um grande parvalhão, passe o exagero literário.
João Vieira
Caro Anónimo das 19.39. Não há nenhuma "bicada" ao Benfica, como não há ao fado. O Benfica mobilizou todos os portugueses nesses anos 60, comigo incluído. O aproveitamento que o regime fez da justa projeção internacional daquele clube é o meu ponto.
Caro Dr. Seixas da Costa, o caracter faz parte da educação que se recebeu do berço e dos ensinamentos adquiridos.
Alguém que se refere ao nosso PR-Cavaco Silva como " aquela coisa em Belém" não tem carácter e é um mal formado e por isso merece desprezo.Mais, é um rancoroso subtil.Infelizmente há sempre quem veja o filme ao contrário.Interesses.
Cumps.
Francisco
Já escrevi no meu blogue sobre a justiça deste prémio dado a Carlos do Carmo. Discordamos politicamente, mas sou amiga da família e fiquei muito feliz com esta distinção. E é ela e o fado que estão aqui em causa. Porém, houve outro fadista de alto gabarito também, que se tem batido pelo fado e por cantar os nossos grandes poetas, que é João Braga. São - dos da sua geração -, dois grandes artistas!
"Anónimo" das 09:47
Tem toda a razão. Foi um lapso do "teclado"... :-) :-) :-)
Muito obrigado
Abç
O Fado:
Será que deixou de ser entendido como "Arte Burguesa" que foi o horror dos horrores em arte??
Na "luta de classes", na qual estamos inseridos, o que interessa é: o campesinato, o proletariado e a classe média assaltarem o poder para ascender à burguesia a qualquer preço ou custo. Se se vão encantar com arte como o Fado, o qual puxa ao sentimento, perdem a garra e antes de lá chegarem já pensam como os burgueses decadentes.
Desculpem-me estas palavras mas tenho uma atenuante: não sou politizado e por isso tenho estes pensamentos deslocados.
amalia e carlos do carmo, agentes da internacionalização do fado, grandes interpretes, magnificas vozes e dicção, digna e boas presenças em palco, boas letras e musicas, mas já agora eu acrescentaria o espanhol carlos saura e a sua pelicula fado, tambem muito importante para a internacionalização, divulgação, tambem a unesco e patrimonio cultural mundial-
carlos protagonizava a pelicula espanhola, parece que foi consultor, ele e marizaa dominaram a pelicula, misia foi ignorada por saura, porquê? pois se já nos anos 90 cantava nas melhores salas europeias, berlim, paris, hamburgo, madrid, fez e faz muito pelo novo fado esta misia que foi pioneira das novas gerações de fadistas.
carlos saura premiado e com mérito, mas o fado é trabalho de todos os bons, antes e depois, marceneiro, herminia, o carlos ramos (lembrado por haf e bem), teresa tarouca, maria da fé, a familia hermano da camara, a propria mãe do carlos, lucilia.
carlos do carmo é o saramago do fado e talvez vice-versa, nobel e grammy, literatura e canção.
sim, caro haf, não venhas tarde é um grande fado, bem escolhido para o cantares...
A minha mãe cantava fado com muita frequência enquanto costurava em casa, não por ser do tempo da ditadura, mas porque ela tinha uma voz muito boa e afinada (e isso é uma característica do fado)
ela expressava os sentimentos que sentia, muito só por o meu pai estar quase sempre ausente!
Sr embaixador
Uma treta essa do Carlos do Carmo Progressista e Não sei que mais. O que lhe posso dizer é que assisti no Sá da Bandeira no Porto, algures em 73 a um espectáculo dele (a 1ª parte) e do Chico Buarque (a 2ª). A grande maioria dos presentes era do reviralho, como então se dizia e fartaram-se de apupar e assobiar este futuro cantor "progressista",que nessa tempo não era considerado como tal, antes pelo contrário. Depois veio o 25 A e virou a jaqueta e o verbo como tantos outros. E mais não digo pois a tal assisti e posso testemunhar. Mas não misturem capacidades canoras com política, pois o homem canta e cantava bem.Cumprimentos Álvaro Silva
À v/compreensão se assim o entender.
O 1º opinador parece destilar ódio e rancôr a Cavaco Silva em todos os seus escritos. Afinal onde mora os seus apregoados saberes? Não será ele o portador de tais defeitos?
Mais, se não sabe construir frases em latim, faça-o em português, com ou sem acordo O.
Cumps.
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