1. Não se pode dizer que a sua cara reluza seriedade. O homem tem um esgar estranho, de alguém que se situa à entrada do desequilíbrio. Trata-se do falso "estripador", uma figura que, para obter popularidade e "ajudar" à do filho, envolvido num "reality show", anunciou que era o autor do assassinato de algumas mulheres, um mistério antigo por resolver, nos anais da nossa polícia. Ontem, lá estava ele na televisão, dizendo-se semi-arrependido pela mentira que espalhou em entrevistas, perante um jornalista que não se ria, informando que vai pedir uma indemnização (claro!) ao Estado, pelo tempo que esteve preso, pelo crime que "confessou" e que, afinal, não tinha praticado.
2. O cenário era-me bem conhecido, o assunto também. Um funcionário da embaixada portuguesa em Brasília reclamava ontem, na televisão, uma indemnização milionária ao Estado português pela "degradação" do seu salário. E um juíz "trabalhista" recomendava o arresto de um avião da TAP. Tudo isto porquê? Em 2004, foi feita uma reavaliação em alta dos salários dos funcionários que prestam serviço nas estruturas diplomáticas portuguesas no Brasil. Havia duas opções, à época: o salário futuro ser fixado em reais, a moeda local, ou ser tabelado em dólares. A livre escolha, assinada com alegria pelos funcionários, foi a do dólar, que, ao tempo, estava a valorizar-se progressivamente face ao real. Recordo-me de uma funcionária administrativa que chegou a ganhar um montante mensal superior ao salário nominal do presidente da República brasileira. Depois, as coisas mudaram: o real foi-se firmando no mercado e os dólares recebidos passaram a representar cada vez menos reais. (Nada que não tivesse acontecido a imensos funcionários do MNE, incluindo eu próprio, ao longo de décadas, um pouco por todo o mundo). Chegados a este ponto, aqui del-rei! O Estado português deve indemnizar os funcionários pelas "perdas" salariais, retroativamente, a partir do momento em que o real começou a subir face ao dólar. E se o movimento tivesse sido ao contrário? Estariam os funcionários - os quais, repito, optaram livremente pelo dólar - dispostos a devolver o diferencial ao Estado? Ou isto é "sol na eira e chuva no nabal"?
3. O ar dela é "standard". É o tipo puro de algumas "piquenas" da Linha, com a voz a caminhar para aquela rouquidão que, por um mistério traqueio-social, algumas mulheres "bem" adquirem depois de Paço d'Arcos (a doutrina divide-se, mas eu defendo, há anos, que no Alto da Barra começa a verdadeira fronteira, que se reproduz, do outro lado, numa linha muito irregular que vai da Malveira da Serra ao Vassoureiro), que aprendeu a falar com o lábio de cima quase imóvel (os britânicos chamam a isso o "stiff upper lipp"), a acompanhar o débito de um léxico restrito que vai bem com a "Caras", que deve ter à cabeceira, ao lado das obras completas da "Guida" Rebelo Pinto, que ela conhece "de toda a vida". Ela, a Pepa, nome da "piquena", que já tem blogue e tudo, explica num anúncio, que anda no "Youtube", que tem, para 2013, o objetivo de vida de comprar uma "carteira" Chanel (não é "mala", porque isso é "possidónio", no universo "pepal", onde só há "presentes" e não "prendas", "moradias" e não "vivendas", "telefonias" - a ler sempre sem o "l" - e não "rádios", e coisas assim, "tá a ver?") da Dior que custa 5 mil euros. É o verdadeiro "regresso aos mercados", versão Pepa. Apetece-lhe, coitada! Porquê? "Sei lá!", dá "imenso jeito"! Diz isto sentada num sofá (deve ler-se como se o "ó" tivesse acento), com uma candura pateta, recheada de bordões de expressão do social "bem". Uma delícia! Mas, diga-me uma coisa, Pepa: o anúncio não lhe terá rendido já os 5 mil euros? Quer que leve a "carteira" aqui se Paris? Não me custa nada, a Chanel "tá li no faubourg", logo à mão, querida! Um beijinho (mas só um!), Pepa!
4. Desta vez, foi mesmo o cão a morder humanos a ser notícia em Portugal, prova de que já batemos no fundo em matéria de originalidade mediática. O cão é o Zico, um pitbull que matou uma criança sem nome. Em lugar de recomendar prisão imediata para os donos do cão e para quem teve a irresponsabilidade de deixar a criança ao seu alcance, o país divide-se sobre se o Zico deve ser abatido ou reeducado. Colunistas políticos, ferozes, indignam-se, associações protetoras dos animais, com canina solidariedade, mobilizam-se. Num país onde metade dos desempregados deixou de ter subsídio de desemprego, onde as pessoas arrastam doenças por longas horas nas urgências dos hospitais, a notícia são as aventuras do Zico. Exemplar!
5. No final deste post, neste blogue já quase à beira-tejo plantado, apetece-me que ouçam o magnífico "Portugal, Portugal", de Jorge Palma, talvez porque, por mais algum tempo, não ouse ainda colocar aqui o "FMI", de José Mário Branco.
20 comentários:
bons temas, e o estilo satirico ou irónico mais realça o fundo das questões expostas.
Deliciosa. Que galera!
Melhor não podia estar. Os assuntos encadeados são pitorescos, retratando uma realidade - que, não fosse a ironia do Senhor Embaixador seria - mesmo triste.
A carteira desejada era Chanel e custa um bocado menos.
E a moça até trabalha na moda..
Também conheço um caso desses, de opção livre e cuja responsabilidade não é assumida. Neste caso com a agravante de ter um percurso académico semelhante a certo político muito conhecido.
Ontem, a polícia carregou sobre uma manifestação de estudantes do Secundário em Braga, com gás pimenta , para os "proteger de uma intervenção mais musculada"!!Só quero ver se as criaturas que se indignaram contra o possível abate de um cão perigoso ( ainda por cima, nas mãos de pessoas irresponsáveis) vêm agora também rasgar vestes e cobrir a cabeça de cinzas...
O falso assassino deveria era indemnizar o Estado , jamais o contrário!!!
A Pepa é uma gaiata tonta , que nem merecia tanto sururu.
Desejo-lhe um fim de semana com bem melhor tempo do que aquele que aqui está!
Ao ler o final do seu poste, prezado embaixador, senti por uns segundos aquela emoção que destroi barreiras de separação social e ia saltando do relativo conforto do meu sofá para o abraçar. Claro que do meu 'salão' ao seu a distância é muito grande. Mas as emoções às vezes não se controlam. Desculpe o que possa ser inadequado ou inoportuno mas alegra-me a sua visão do mundo e a sua liberdade.
José Barros
Uma delícia este texto!
Sr. Embaixador
o seu texto relembra as aventuras e cenários de uma revista à portuguesa!
poderão voltar a estar na moda de novo, produto nacional
Angela
Carissimo Senhor Embaixador,
Subscrevo mot-à-mot o comentario de José Barros. Também tive uma grande vontade de o abraçar pela sua coragem, pela sua lucidez, pela frescura da sua "verve", por tudo o que diz e escreve! C'est un bonheur de vous lire, très cher ami!
Caro Francisco
Hoje vai assim de liberdade consigo.
Caramba, belíssimo texto.
1. Como é que Felícia Cabrita não "testou" a veracidade dos factos?!
2. Abstenho-me, mas estou a pensar pedir ao BdP uma actualização da pensão que me paga depois da circular em que fica 90% do meu 14 mês.
3. Para mim essa debilidade fonética começa na Parede e vai-se acentuando até à Gandarinha.
Acrescento, apenas, que só lhe faltou referir a arrepiante "explicação" dada pela tal de Pepa,à Maria João Ruela, na Sic ...
Um Post inspirado! Palavras como punhos, oportunas - e certeiras. Nem mais!
Biscaia
Caro Embaixador
O seu País precisa de pessoas como o
Senhor e, mais meia duzia que ainda os há! Regresse. Precisamos de si,cá!
Leio-o regularmente e direi, com verdade, que aproveito sempre alguma coisa dos seus escritos, ou porque desconheço o que faz o favor de nos contar, ou porque aborda uma vertente, que me dá pretexto para uma nova reflexão.
Acho-lhe graça, ainda, porque os seus temas são muito variados, (até nem o futebol falta - btw o seu Sporting está a entrar nos trilhos, e isso é bom, porque não sendo o meu clube, respeito-o) e pega-lhes sempre bem, fazendo jus a uma cultura ampla que retira a monotonia e a 'seca' que caracteriza, habitualmente, os seus pares.
A tudo isto, junta-se o talento da escrita, que também ajuda: pensa muito, pensa bem e di-lo ainda melhor, mostrando, por vezes, uma enternecedora humanidade, que o aproxima de nós.
Hoje, então, o seu post foi giríssimo: quase que fiquei com inveja da 'piquena', por ela ter tido assim 'tipo' espaço de antena de uma pessoa que eu tanto aprecio. E que bem que lhe pegou: consigo escutar o 'menino' a 'fálar' assim, 'tipo' pecébe? Muito, muito, muito bom...
Olhe, amigo, tenha muita saúde e disposição para continuar a premiar-nos com este excelente espacinho de partilha diária, ok?
E bem haja!
Magnólia aka Tita
Uf! Senhor Embaixador: fiquei sem folgo! No fim de tanto uma verdadeira crónica de costumes não há nada mais a dizer.
A imagem que ilustra o post é bem apelativa passivel de psicanálise, que nos dizem os espelhos...
Gostei imenso das reflexões,quase todas elas convergem para uma necessidade absoluta de protagonismo sem importar como e na base dos fins justificam os meios...Rondando a deformação de valores.
A miuda não me impressionou, até
achei que é bem "espertinha"(decerto não caçará ratos) e conseguiu um mediatismo(desejado)célere, não me estranharia nada que a Chanel depois de uma manifestação tão comovente não planeie uma dádiva à menina, que aumentará de imediato o seu Valor comercial.
Ah e o jorge Palma sou suspeita porque gosto muito, mas fiquei com
Portugal Portugal
de que é que tu estás à espera?!!
Portugal Portugal
Enquanto ficares à espera ninguém te pode ajudar.
Crónica semanal "Portugal, Portugal", pelos seus vividos e vívidos olhos, exige-se...
N371111
Vou fazer como o Patricio Branco, aqui ha dias :
1 - Eu prendia-o outra vez e ainda o obrigava a pagar as custas dos processos todos.
2 - Quando é que inventam uma moeda planetaria e acabam com todas as outras ? Assim como um Esperanto da Economia ?
3 - a) Deem-lhe mas é ja a mala !!!
Eu so para nao ouvir o timbre da voz dela até pago.
b) Caro escriba, aquela paralisia do labio superior é toleima : )))
c) Eu chamo a isto Marketing Solidario : ou como a Samsung ofereceu uma campanha à Chanel !
d) Dear Helena, eu vi a entrevista na SIC...nos olhos da piquena falta aquela faisca a que eu chamo inteligência ;)
4 - Maggie vou decepciona-la : Nao gosto de caes !
5 - E porque não esta : https://www.youtube.com/watch?v=3LiCjRRiO2E
6 - Nao ha 6 !?? Nao faz mal eu comento na mesma : Portugal no seu melhor !
Senhor Embaixador, com todo o respeito que tenho pelo senhor, o caso da funcionária da Embaixada em Brasília é bem mais complexo do que o simples reajuste dos seus retroactivos. Segundo declarações do advogado da própria a acção incide também sobre descontos que não teriam sido feitos para a Previdência Social, caso semelhante que ocorreu com o funcionário José Roberto Moreira do Consulado de São Paulo que só percebeu que os descontos não eram feitos quando tentou se reformar. Na audiência conciliatória que aconteceu ontem a Justiça brasileira concedeu 90 dias para o assunto ser resolvido e levantou a penhora ao avião da TAP. Com os meus cumprimentos Eulalia Moreno
Senhor Embaixador, com todo o respeito que sempre tive pelo senhor mas esse tema da funcionária da embaixada de Brasília, segundo tenho acompanhado na imprensa local é bem mais complexo do que o simples recebimento de retroactivos. Teria a ver com descontos que nunca terão sido feitos a Previdência Social brasileira ( INSS e FGTS), caso semelhante ao de José Roberto Moreira do Consulado Geral de Portugal em São Paulo que só se apercebeu disso quando tentou se reformar e que é um dos casos que ainda aguardam solução. Os valores devidos pelo Estado portugues em mais de 20 processos que já se encontram em andamento rondam algo em torno de 3,8 milhões de euros, fora os honorários dos advogados. Ontem na audiencia conciliatória a justiça brasileira revogou a penhora do avião da TAP e concedeu 90 dias ao Estado portugues para resolver o imbróglio jurídico. Com os meus cumprimentos, Eulalia Moreno
Cara Eulália Moreno: estamos a falar de coisas diferentes. Eu apenas me referi à questão dos salários em dólares ou em reiais. No tocante à Previdência, o meu antecessor conseguiu um acordo com a esmagadora maioria dos funcionários nas estruturas diplomáticas e consulares no Brasil. Houve quem não aceitasse, mas esses são a exceção. A regra foi o acordo e a satisfação com o excelente resultado obtido. Aguardemos, pois. Um abraço de Paris
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