terça-feira, janeiro 22, 2013

"Et pourtant..."

Por ocasião da saída do seu posto, os embaixadores escrevem, em geral, aos restantes colegas estrangeiros colocados na mesma cidade ou organização, cartas de um modelo tipificado, em que, para além de anunciarem a sua partida, fazem referência às "relações, tanto oficiais como pessoais" mantidas com os colegas, que sempre "refletem as excelentes relações entre os nossos dois países e missões". Acrescenta-se mesmo que foi "um privilégio e um prazer" manter esse relacionamento.

Verdade seja que estes salamaleques, que muitas vezes nada têm a ver com a realidade das coisas, são apenas almofadas de retórica que ajudam a tentar preservar a fluidez do relacionamento entre os agentes diplomáticos, para além de todas as conjunturas políticas. Como embaixador de Portugal, país que tem uma rede muito estável de relações externas, nunca senti necessidade de ser hipócrita ao assinar estas coisas, embora o gongorismo da carta assuma, em muitos casos, um evidente exagero em termos de proximidade no relacionamento. Casos há em que nem me lembro bem da cara do colega, quanto mais da "excelência" das relações com ele mantidas. É que estamos a falar de cerca de 300 pessoas, somados os embaixadores bilaterais em Paris com os da UNESCO. Como, em relação aos mais próximos, é de bom tom deixar uma palavra adicional à mão, fácil é perceber o tempo gasto. Já tive de mudar de caneta...

(Diga-se que os meus colegas estrangeiros que são embaixadores junto da UNESCO devem estar um tanto perplexos: contando desde fevereiro de 2009, o meu sucessor irá ser o quinto chefe de missão português que vão conhecer. Em quatro anos!)

Mas, hoje, a curiosidade deste tipo de cartas prende-se apenas com facto de uma das que assinei ter sido dirigida a Charles Aznavour. É que ele é o embaixador da Arménia junto da UNESCO. "Et pourtant", nunca o cruzei nos corredores da organização ou em alguma reunião. Fica a ideia de que dá apenas o nome e muito menos a honra da sua presença. Mas não deixei de achar graça ao facto de ter tido o ensejo de me corresponder, com presunçosa intimidade, com o grande Aznavour.

14 comentários:

Isabel Seixas disse...

É hora de partir, meus irmãos, minhas irmãs
Eu já devolvi as chaves da minha porta
E desisto de qualquer direito à minha casa.
Fomos vizinhos durante muito tempo
E recebi mais do que pude dar.
Agora vai raiando o dia
E a lâmpada que iluminava o meu canto escuro
Apagou-se.
Veio a intimação e estou pronto para a minha jornada.
Não indaguem sobre o que levo comigo.
Sigo de mãos vazias e o coração confiante.
Rabindranath Tagore

Anónimo disse...

Ou seja, é ele quem fica com um autógrafo seu...

Francisco Seixas da Costa disse...

Bem visto, Catinga!

gherkin disse...


“Et pourtant” …OSSOS DO OFÍCIO! Restos “mortais” de mais outro duplo, e, talvez, (ou não!), inesperado capítulo de uma longa e BRILHANTE CARREIRA! Pergunto: quem é que se pode dar ao,luxo de ter exercido simultaneamente duas importantes atividades diplomáticas? Gilberto Ferraz

Anónimo disse...

Ocorre-me perguntar porque é que desde 2009 já existiram quatro embaixadores portugueses junto da UNESCO.
Quanto ao Aznavour digo apenas que fez parte dos meus favoritos na década de 60. Nunca esquecerei a belíssima interpretação de "Que c'est triste Venise" que trauteei vezes sem conta pela vida fora.

Julia Macias-Valet disse...

Nota 10 para o comentario de Catinga ! :)

Anónimo disse...

Não acho muito estranho o Aznavour ser embaixador da Arménia junto da UNESCO. Mais estranho será nunca lá ter posto os pés!
Estranho, estranho é o facto de Portugal já ter tido 4 embaixadores em quatro anos. Ou não?
Ainda quanto ao Aznavour lembro com muita saudade o "Que c'est triste Venise" de boa memória.

patricio branco disse...

Un beau matin je sais que je m´éveillerai
Sans un remords, sans un regret je partirai
Je marcherai vers d´autres cieux, d´autres pays
et pourtant...

Anónimo disse...


Dado que o Aznavour é também embaixador da Arménia na Suiça , a acumulação parece lógica .
Se nunca lá pôs os pés ou se apenas não coincídiu com os nossos representantes é que não sei .

Mas se de facto não pôs lá os pés devia ter posto .
Seja como fôr e tendo em conta o que este descendente de arménios nascido em Saint-Germain-des-Près fez ao longo da sua vida pela Arménia , bem se lhe pode perdoar o eventual pecadilho .

RuiMG

Anónimo disse...

O último dos grandes
Shahnour Vaghenag Aznavourian = Charles Aznavour.
Além de falar fluente o armênio, com em mais cinco idiomas, são constantes suas visitas à Armênia. Nos seus 88 anos ainda é muito activo tanto na música como na política.
Il Faut Savoir.

Anónimo disse...

Catinga dixit!

Helena Sacadura Cabral disse...

Mesmo nessas funções "Il faut savoir"...se retirer!

Helena Sacadura Cabral disse...

Catinga no seu melhor!
:-))

Angie disse...

Vers les docks où le poids et l'ennui
Me courbent le dos
Ils arrivent le ventre alourdi
De fruits les bateaux

Ils viennent du bout du monde
Apportant avec eux
Des idées vagabondes
Aux reflets de ciels bleus
De mirages

Traînant des senteurs poivrées
De pays inconnus
Et d'éternels étés
Où l'on vit presque nus
Sur les plages

Moi qui n'ai connu toute ma vie
Que le ciel du nord
J'aimerais débarbouiller ce gris
En virant de bord

[Refrain] :
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil

Dans les bars à la tombée du jour
Avec les marins
Quand on parle de filles et d'amour
Un verre à la main

Je perds la notion des choses
Et soudain ma pensée
M'enlève et me dépose
Un merveilleux été
Sur la grève

Où je vois tendant les bras
L'amour qui comme un fou
Court au devant de moi
Et je me pends au cou
De mon rêve

Quand les bars ferment, que les marins
Rejoignent leur bord
Moi je rêve encore jusqu'au matin
Debout sur le port

[Refrain]

Un beau jour sur un rafiot craquant
De la coque au pont
Pour partir je travaillerais dans
La soute à charbon

Prenant la route qui mène
A mes rêves d'enfant
Sur des îles lointaines
Où rien n'est important
Que de vivre

Où les filles alanguies
Vous ravissent le cœur
En tressant m'a t'on dit
De ces colliers de fleurs
Qui enivrent

Je fuirais laissant là mon passé
Sans aucun remords
Sans bagage et le cœur libéré
En chantant très fort

Adorava isto...

Angela

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...