Conheço e sou amigo do Carlos da Veiga Ferreira há muitos anos. Era ele então um pouco ortodoxo funcionário do Ministério da Indústria onde, num gabinete dirigido por essa saudosa figura que foi Aurora Murteira, estabelecia, lado a lado com o Frederico Alcântara de Melo, uma operativa ponte com as Necessidades, onde eu acabara de entrar. Lisboa é uma grande aldeia e, logo que nos conhecemos, percebemos que tínhamos amigos em comum, o menor dos quais não era esse federador de afetos que dá pelo nome de António José Massano.
Pouco tempo depois, vim a conhecer o outro lado do Carlos: o editor. Primeiro com o Carlos Araújo, depois tendo a seu cargo exclusivo a magnífica Teorema, uma editora culta e de bom gosto, onde brilhou a obra de Jorge Luis Borges, mas onde também publicou outros grandes autores, como Martin Amis ou Saul Bellow. Em noites de conversas com ele, pelo mundo, aprendi a apreciar o seu raro "feeling" para a descoberta de nomes que viriam a ser êxitos editoriais em Portugal. Apesar das minhas promessas, nunca o acompanhei numa visita à feira do Livro de Frankfurt, um dos meus (poucos) sonhos não concretizados de vida.
Há uns anos, num restaurante de Lisboa, vi o Carlos à distância, muito engravatado, numa conversa de onde me pareciam transparecer negócios. Eu estava a jantar com amigos, entre os quais o empresário e homem da imprensa João Amaral e recordo-me de ter comentado: "O Veiga Ferreira está com ar de quem está a vender a Teorema". O João Amaral não conhecia então o Carlos. Fui ter com o Carlos. Estava, de facto, a vender a Teorema, editora que, no entanto, continuou a dirigir.
O tempo passou e a vida deu algumas voltas. A Teorema, e o Carlos com ela, acabaram absorvidos no imenso conglomerado editorial da Leya, onde, curiosamente, o João Amaral é hoje uma figura proeminente. Mais tarde, soube que o Carlos Veiga Ferreira abandonou a Teorema e a Leya, que hoje a tutela. Por acasos da vida, ainda não falámos, desde então.
Há dias, num noticiário cultural, vi que o Carlos criou, há meses, uma nova editora: a Teodolito. Perguntado, por alguém, sobre a razão do nome, o Carlos respondeu, desconcertante como sempre: "Havia um poeta meritório, que já morreu há muito tempo chamado António de Sousa e mostrou vários poemas ao Herberto Helder. A determinada altura, havia um verso que dizia qualquer coisa ‘noite inconsútil’ e o Herberto perguntou-lhe: O poema é giro mas António você sabe o que é ‘inconsútil’ ? E o António respondeu: ‘Não sei nem me interessa mas é uma palavra muito bonita.’ Eu sei o que é um teodolito e foi por causa disso e também remete para um texto brilhante do Luiz Pacheco que se chamava ‘O Teodolito’ ".
Da Teorema à Teodolito, vê-se que o "bichinho" editorial do Carlos da Veiga Ferreira não desarma. E o seu humor também.
4 comentários:
a silaba/raiz "teo" passa de teorema para teodolito e representará a continuidade da nova editora de CdVF em relação à original que já não lhe pertence.
O morfema teo pertence-lhe ainda, não o vendeu
Apesar da existencia dos grandes grupos empresário-editoriais que absorveram várias e importantes editoras, continua a haver uma proliferação e aparecimento de pequenas editoras, algumas com um interessante catálogo.
Tem o caro Patrício Branco toda a razão. Na edição, ainda acontece o "small is beautiful"!
Senhor Embaixador fez-me comover com a lembrança da Aurora Murteira, essa admirável mulher de quem tanto fui amiga!
Senhor Embaixador, em boa hora falou de Veiga Ferreira e António Massano, dois grandes comuns amigos.
"Federador de Afetos", absolutamente genial, e assenta, que nem uma luva, ao TÓ-Zé.
Respeitosos cumprimentos, um abraço amigo e Festas condimentadas com alegria.
O Teodolito é um instrumento óptico de medida utilizado na topografia, na geodésia e na agrimensura para realizar medidas de ângulos verticais e horizontais, usado em redes de triangulação.
A definição, retirada da Wikipédia, assenta que nem uma luva na nova editora.
Parabéns ao Veiga Ferreira pela coragem e pelo nome que lhe atribuiu.
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