terça-feira, outubro 13, 2009

Solidão

O corpo de um cidadão português de 62 anos foi ontem encontrado, numa casa, nos arredores de Paris, dois anos após a sua morte natural. Nenhum familiar, amigo, conhecido ou vizinho deu, entretanto, pela sua falta.

Pode haver algo mais triste do que isto?

11 comentários:

anamar disse...

Muito forte!Há que evitar...
Saudações

Helena Sacadura Cabral disse...

Meu caro Embaixador, permita-me que hoje o trate assim, para lhe expressar quanto me tocou este seu post.
Lembrou-me uma amiga que, poucos dias antes de falecer, me dizia" se não fossem os teus telefonemas e as tuas visitas passava meses sem falar".
Meu Deus, como é possível tamanha solidão?

ECD disse...

Em Paris e arredores deve haver dezenas e dezenas de portugueses totalmente isolados. Muitos são antigos refractários e desertores da guerra colonial que, nunca tendo estabelecido verdadeiramente laços em França, pela ordem natural da vida foram perdendo todos os laços com a família em Portugal. Há cerca de quatro anos morreu num foyer do 19ème uma antigo habitué do café Le Mahieu. G., desertor, não pôde retomar os estudos em França, teve uma vida familiar agitada e toda a vida empregos merdiques...e acabou por viver mais de 10 anos num foyer para celibatários. Terá vindo a Portugal duas vezes. Vi-o por mero acaso perto do foyer um ou dois anos antes de morrer. Na altura disse-me que já não tinha ninguém em Portugal e que em França ninguém queria saber dele. Terrível. Embaixador ponha os serviços sociais da embaixada à procura desta gente.

Força Espinho disse...

E morre-se de solidão... e com solidão!

margarida disse...

Será um lugar-comum evocar-se a máxima que afirma podermos estar sós no meio de uma multidão, mas tal é uma realidade.
Morre-se antes de se morrer, tantas vezes…
Existe uma crescente e natural (?) desatenção ao próximo, fruto do império do egoísmo que impele a sobrevivência nas novas selvas.
O núcleo familiar desagregou-se, os laços desfizeram-se, as amizades esboroaram-se; a realidade concreta das pessoas tornou-se o uno.
O só.
Morrer longe da pátria parece ser ainda mais penoso.
E a passagem do tempo nesse silêncio ignorado, essa falta de existência numa língua estrangeira, é um filme mau; a tragédia agiganta-se e mói mais um pouco a consciência, arranhando o coração.
E no entanto…
No entanto, todos os dias desviamos o olhar de olhos suplicantes e mãos estendidas e não é de pedintes de moedas-para-pão que falo.
Falo da esmola da ‘simples’ atenção.
De todos os seres que existem em nosso redor e que vamos ‘ignorando’, de quem não queremos saber as histórias, ouvir os lamentos, enxugar as lágrimas ou dar colo.
Temos o colo demasiado preenchido pela nossa auto-comiseração. Somos forçados a isso, porque também nós, tantas, tantas vezes, fazemos parte desse silencioso clube de solitários, de independentes orgulhosos, mas tristes. Sobretudo, tristes.
Na oficina onde passo com o meu vetusto Renault, há um ucraniano cansado que sonha regressar ao seu país. Eu ouço-o (e abraço-o não o abraçando) pensando que a dada altura, somos todos estrangeiros e sós, mesmo no nosso próprio país.
E muitos correm esse risco: tornarem-se tão diáfanos, tão porosos, tão calados, que um dia se sumirão sem qualquer registo.
Ou glória.

Anónimo disse...

Também há casos de pessoas que foram elas mesmas que optaram pela solidão. Conheci, ao longo da vida, uns dois ou três casos destes, de pessoas que se isolaram, preferiam viver sós, evitavam contactos e assim viveram até morrer. Porquê uma opção destas? Nunca soube. Teriam uma explicação seguramente. Mas qual? Amarguras da vida o mais provável. Não deixa de ser igualmente triste. Como que morrer lentamente. Um desses casos deixou-me uma particular e aguda impressão. De um homem, idoso, numa aldeia remota na Beira, que já nem falava por quem passava quando, raramente, tinha de vir até à aldeia.”E lá vai aquela alma penada, coitado!” assim se lhe referia o povo da aldeia. Valeu-lhe a caridade de quem o conhecia, pois quando morreu, no mesmo dia alguém deu conta e alertou o padre da aldeia. É trágico como se pode viver rodeado de gente e viver só. Como o caso aqui descrito no Post. Faz-nos pensar.
P.Rufino

margarida disse...

Querido 'P.', existem mais situações como as que relata. E em gente bem mais jovem do que imagina.
E existem razões.
Dolorosas e privadas.

José Martins disse...

Senhor Embaixador,
É o drama da "diáspora" Lusa ao longo de mais de cinco séculos e de quando os portugueses se espalharam pelos cinco continente do Globo em procura do Eldorado que poucos o acharam.
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Quantos, como esse nosso "patrício", que se finou nos arredores de Paris, morreram sós, sem bens materiais e roindinhos de saudades da Pátria onde nasceram.
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Há 47 anos que saí de Portugal estou bem dentro do drama ( a que nós nos pesa e dá pena), dos "ossos" lusos que há por todo o universo.
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Inclusivamente um tio meu, que morreu na Argentina na década 20, do século passado, que por mais esforços que já fiz não consigo descobrir onde o pobre homem faleceu...
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Ficou por lá e certamente na "vala comum" sem certidão de óbito.
José Martins

Afroluso disse...

E há casos de idosos (alguns ainda têm a sorte de ter lugar em qualquer lar da Mairie) que continuam por aí, sem que ninguem se preocupe com eles...
Em Amiens, está lá o Ti Zé Matos, alentejano de Barracos, que "chora baba e ranho" para voltar à sua terra. Bom será que os consulados, para além de promoverem leilões de venda de instalações devolutas, como as de Versailles e Nogent-sur-Marne também se preocupem com estas pessoas.

Helena Sacadura Cabral disse...

Margarida e P Rufino meus virtuais amigos,há almas que escolhem estar sós ou mesmo viver sozinhas. Sem drama. Fazendo, afinal, uma aprendizagem para algo que a todos nós, um dia, sucede.
Mas não acredito que alguém escolha deliberadamente a solidão. Essa, infelizmente, acontece...

Paulo M. A. Martins disse...

Caríssimo Embaixador,

Essa solidão, não deliberada, infelizmente, acontece...

E por culpa de quem?...

Será que cada um de nós, sobretudo, os que detém mais responsabilidades de natureza social passam a vida a olhar demasiado para o seu próprio umbigo?...

É um drama a que urge acorrer, numa luta sem tréguas!

Hoje, por eles. Amnhã, por nós próprios, pois não estamos livres de tal desidério!

Paulo M. A. Martins
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