Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.
Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”. Ora eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, cerca de 15 anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por partilhar uma amante com o adido militar soviético.
Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que o nome era Christine Keeler. Ele sabia.
Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.
Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: é um encontro com a História!”.
Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistiu e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.
A minha discreta missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento estusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos.
John Profumo morreu há escassos anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que tem hoje 67 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura londrina. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...