domingo, março 25, 2018

“Expresso”


Vou, daqui a pouco, ler o “Expresso”, que ontem foi posto à venda, mas que só hoje adquiri. 

Leio o jornal desde o número 1, em 1973. Em alguns sábados da vida, andei dezenas de quilómetros para comprar o “Expresso”.

Que se passou? O que é que matou a urgência da leitura do “Expresso”? Por que será que tenho a (ainda) inconfessada sensação de que, se perdesse um número do jornal, isso não teria a menor importância? Fui eu quem mudou ou foi o jornal?

Em baixa

Ao ver o Alemanha-Espanha, ainda que “a feijões”, dou comigo a rever “em baixa” as expetativas, que já não eram muito elevadas, sobre as nossas hipóteses no próximo mundial de futebol na Rússia.

Catalunha

Não tenho a menor simpatia pela causa da independência catalã. Mas indo por este caminho, a Espanha vai acabar por criar um bando de mártires e, a prazo, vai pagar um preço caro. Um ato de amnistia daria força moral a Madrid, mas com o rei que não tem tudo tenderá a correr mal.

Prior Velho


Prior Velho não é, embora possa parecer, um sacerdote idoso. Trata-se de um arrabalde depois do Figo Maduro, próximo de Camarate, onde uma ideia peregrina, na noite do dia do Pai, com os restaurantes lisboetas a abarrotar, levou um grupo de que eu fazia parte a ir tentar jantar a um daqueles sítios “onde um amigo me disse que se comia magnificamente”. 

Um instantâneo olhar “impressionista” exterior sobre o local da possível amesendação foi suficiente para percebermos que era um restaurante “inível” (isto é, onde não se podia ir), pelo que regressámos à capital, ainda que correndo o risco de prolongar a fome coletiva.

(“For the record”, diga-se que acabámos numa improvável visita à Churrasqueira do Campo Grande, onde se comeu assim-assim, com um serviço caótico, do género empregado-para-dez-mesas, um modelo agora muito em voga e que satisfaz o bolso no patronato).

Lembrei-me desta frustrada incursão ao Prior Velho ao ver ontem nas televisões as imagens de um restaurante daquela localidade que acabava de ser invadido por um gangue de motards, que ali foi agredir um distinto grupo rival, numa cena de “far-west“ onde também entra um gangster da extrema-direita lusa, não fosse por ali o terreno de eleição (no duplo sentido) do vereador racista de Loures. 

Ficou-me, contudo, uma questão: com tanta e tão distinta frequência, seria afinal o restaurante que foi cenário da pancadaria um local do Prior Velho onde teríamos comido bem naquela noite, ou arriscávamo-nos a “comer” pela medida grande? 

Pelo sim pelo não, e talvez injustamente, não tenho o Prior Velho nas minhas prioridades de visitas gastronómicas próximas.

Portugal e colónias



Estou a ler um livro magnífico, uma obra que, em poucos dias, me ajudou a “juntar” algumas peças políticas que mantinha soltas, há vários anos. É um volume extenso, de mais de 800 páginas, mas é um “fresco” indispensável, e muito bem escrito, para entender um dos períodos mais importantes da história política portuguesa no século XX.

Recomendo vivamente, mesmo com entusiasmo, “Contra o Vento - Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, de Valentim Alexandre, um investigador que produziu já vasta e interessante obra sobre o sistema colonial português. Trata-se de uma edição do “Círculo de Leitores” e, estando longe de o ter terminado, dei por muito bem empregue o que paguei pelo livro.

sábado, março 24, 2018

Fraturas expostas


Tenho 5.000 amigos no Facebook, o limite máximo, não podendo entrar mais nenhum enquanto outros não saírem. Há sempre uma solução fácil para provocar a "abertura de vagas”: abordar, em tom radical, um tema fraturante ou divisivo. Há logo alguns que se zangam e saem porta fora. 

Sócrates e o Acordo Ortográfico são sempre, como temas, um "must". Trazer Salazar à baila dá também imenso jeito. Touradas e República/monarquia é dinheiro em caixa. Falar do Sporting, Benfica ou Porto, em tom sectário, traz muitos 'likes" (e "deslikes") garantidos. Há uns meses era a Catalunha, tema em que metade do país queria abrir trincheiras nas Ramblas, com a outra metade a querer, como titulou Rossif, "Mourir à Madrid". Por estes dias, a Catalunha é tão "sexy" como falar da chuva. Varoufakis já foi tema “fraturante”, quando eu gozava com aquelas camisas “à lavradeira”, a moto “à maneira”, a degustação com a “piquena” e vinho francês, com a Acrópole em fundo turístico. 

Só hoje, com o tema Camilo Mortágua, já tomaram a decisão de se “desarriscar" (como se dizia ao tempo da minha escola primária) lá no Facebook alguns "amigos", da minha valiosa quota conservadora, espécie de que por ali temo a extinção. Já fiz entrar quatro que estavam no "banco", tendo cuidado em que tivessem origem ideológica similar, senão a página fica sem graça e baixa o nível de insultos e de polémica para um "share" preocupante (tenho aprendido imenso sobre isto nas minhas funções na RTP). Não é fácil, a gestão disto, podem crer!

Ah! E nunca acreditem que algo se passa por acaso. Ou será que houve algum inocente que pensou que as ironias anti-esquerda no post sobre o neorealismo estavam desligadas, por contraponto, do tom do post Mortágua? ("Mas ele estará mesmo a falar a sério?"). Como dizia a outra senhora, nos títulos dos seus romances: "Sei lá!". É que "Não há coincidências"...

Toninho Drummond


Tinha 82 anos. Sabia-o doente. Acabam de me dizer que morreu. Quando cheguei a Brasília, em 2005, amigo que ele era de outros amigos meus, recebeu-me de braços abertos. Organizou então um jantar que juntou “meia Brasília”, tudo quanto contava na vida política da capital - desde um antigo presidente da República a ministros, de chefes de importantes órgãos federais a figuras do jornalismo, do empresariado e da advocacia. Numa noite, poupei meses na criação da rede de contactos que é essencial ao trabalho de qualquer embaixador. “Só não consegui trazer o Lula”, brincou então.

António Carlos Drummond, conhecido por toda a gente como Toninho Drummond, nasceu em Minas Gerais e era mineiro de alma e coração. Foi jornalista e, em Brasília, por décadas, foi o homem da Globo, reconhecido por ter ajudado a mudar radicalmente a face do jornalismo televisivo na capital federal. 

Era um homem encantador, uma figura cordialíssima, muito generosa, sempre com aquele sorriso bom, com histórias magníficas de um Brasil que passou por muitos e diversos tempos, de que foi testemunha e ator privilegiado. Guardo noites deliciosas a ouvi-lo, com o Tonico Portugal e o Pedro Borio, no jardim da nossa residência ou da sua belíssima casa junto ao lago. E recordo almoços que tivemos a dois no Piantella, o restaurante onde “tudo se passa” na capital brasileira, onde me apresentava àqueles que eu “também tinha de conhecer”, de deputados a “opinion makers”, refeições onde ele me “traduzia” a complexidade do emaranhado político local. Devo ao Toninho muito do razoável conhecimento de Brasília que consegui criar. Mais recentemente, no “gozo” das nossas mútuas reformas, juntávamo-nos em Cascais, na “multidão” selecionada dos excelentes amigos que por cá tinha.

Vou ter muitas saudades do meu amigo Toninho Drummond. Deixo um beijo de grande pesar à Palmira e a toda a família.

Mortágua


Joana Mortágua escreveu um post infeliz sobre o Cristo Rei. Podemos perceber que a estátua, e a sua simbologia, nada diga à deputada do Bloco de Esquerda. A mim também diz muito pouco, mas sinto-me na obrigação de respeitar quantos - e são muitos, sendo mesmo uma maioria, entre nós - alimentam crenças religiosas, as quais, goste Joana Mortágua ou não, são parte integrante e legítima do património de ideias deste país.

Em reação ao comentário, um menino conservador teceu graçolas no Facebook sobre o pai da deputada, Camilo Mortágua. Fê-lo utilizando o mesmo tipo de argumentário que a ditadura usava para desqualificar quantos lutaram contra ela, no mesmo registo que as folhas-de-couve do fascismo utilizavam para vilificar os lutadores pela liberdade. Lembro-me bem dos turiferários oficiais a espumarem raiva na única televisão, das “notas oficiosas” onde se falava do “denominado partido comunista” e misérias similares. Demos-lhes a resposta devida num certo dia de abril de 1974.

Camilo Mortágua, pai de Mariana Mortágua, foi e é - porque, felizmente, está vivo - um valente lutador contra a ditadura, participou no assalto ao navio mercante “Santa Maria”, no desvio do avião da TAP de Casablanca para Lisboa, no assalto ao Banco de Portugal, na Figueira da Foz, bem como em outras ações revolucionárias com as quais, como português e democrata, me sinto perfeitamente solidário e cuja execução lhe agradeço e louvo - e que isto fique aqui escrito, preto-no-branco, porque é preciso não ter medo de dizer as palavras justas.

Só a imprensa de uma ditadura que foi culpada por imensos mortos, por uma criminosa guerra colonial, por décadas de perseguições, torturas e prisões que arrasta no seu cadastro histórico, com a PIDE e a censura cobardemente a seu lado, teve o desplante de qualificar como crimes comuns alguns atos justamente praticados, como hoje está mais do que provado, para enfraquecer o regime que iria cair de podre e de ridículo perante a História no 25 de abril. E aproveito o ensejo para prestar uma homenagem a essa outra figura de homem de bem que se chamou Hermínio da Palma Inácio, diabolizado pelos caluniadores anti-democratas.

Alguma direita portuguesa, que nunca conseguiu fazer o exorcismo do Estado Novo, vive ainda uma orfandade envergonhada desses tempos, disfarçada na proclamação da “honestidade” de Salazar, nas acusações, canalhas e comprovadamente falsas, ao desvio das verbas do assalto na Figueira da Foz, numa equiparação miserável das ações da LUAR a delitos comuns - usando precisamente a mesma linguagem que a PIDE utilizava. Aqui pelo Facebook (como se verá em alguns comentários, de forma direta ou ínvia) há ainda muito quem se sinta solidário com a narrativa da António Maria Cardoso.

O meninote que impunenente ataca o nome honrado de Camilo Mortágua não tem culpa, foi provavelmente educado dessa forma. Seguramente que os pais não lhe ensinaram que foi graças a lutadores como Mortágua que hoje usufrui da liberdade que lhe permite escrever as patetices que escreveu. Ou talvez eu esteja enganado: se nada tivesse mudado, ele teria, com certeza, a hipótese de manter exatamente esse mesmo discurso, porque esse era o discurso da ditadura em que se sentiria bem.

Realismo socialista


Houve um tempo da vida em que, como muitos da minha geração e de outras antes, me deixei enternecer pela escola estética do “realismo socialista”, essa arte militante que nos pintava ora figuras prenhes de otimismo ensolarado, caminhando pelas sendas dos “amanhãs que cantam”, ora mostrando as vítimas dos algozes económicos e políticos, desenhadas nos tons sombrios das desigualdades. Na literatura, houve imensos romances maniqueístas, a-preto-e-branco ideológico, que adubaram, por décadas, o nosso imaginário revoltado. E houve imensa poesia, adjetivada de raiva, transbordando de “povo” e de revolução, declamável de peito feito, alimento rimado que nos conclamava a ajustar contas definitivas com o inimigo de classe, ao virar da esquina de uma História que (então) só tinha um sentido. 

Sobraram, é verdade, algumas (poucas) coisas bonitas desse tempo estético, mas outras (muitas) são hoje apenas uns monos que só a afetividade nos inibe de arquivar na prateleira medíocre do património do que, por cá, se chamou “neo-realismo” - porque, “no tempo da outra senhora”, designar isso por “realismo socialista” era insensata ousadia. Com os anos, confesso, passei a achar tanta graça à arte “política” como a alguma “música” militar...

Às vezes, pergunto-me se não teremos mesmo de atualizar a linguagem e se “realismo socialista”, numa “versão” moderna do conceito, não deve também significar, ironicamente, que temos de ser realistas quanto à “quantidade” de socialismo que afinal acabaremos por poder vir a ter...

sexta-feira, março 23, 2018

As soluções e os rótulos


Com assinalável elegância, o deputado europeu do CDS Nuno Melo expressou ontem neste espaço a sua discordância com o que entendeu ser a minha perspetiva “federalista” sobre o processo europeu. E reagiu à “farpa” que eu lhe tinha endereçado, por virtude da sua atitude perante as propostas do primeiro-ministro português.

O senhor deputado está enganado. Nem eu sou federalista, nem a dicotomia europeia essencial, nos dias que correm, opõe os chamados federalistas aos que defendem outras perspetivas sobre o modelo futuro da União. No Parlamento Europeu, uma câmara onde as caricaturas mimetizam o mundo real, alguns desses mitos permanecem de forma retórica. Mas é preciso assumir que há muito mais Europa fora desse areópago viajante entre Bruxelas e Estrasburgo.

A Europa verdadeira já não é assim. Só alguns idealistas acreditam ainda que será possível chegar a uns Estados Unidos da Europa. Só uns escassos dependentes dos esquemas teóricos do passado estão convencidos de que o processo europeu caminhará para o modelo federal, no formato que “vem nos livros”. Os saltos e sobressaltos por que esse processo passou, nas últimas duas décadas, mostraram que o pragmatismo, mesmo no plano do desenho das instituições, é hoje a verdadeira regra do jogo. 

Por muito que isso desagrade a alguns, constata-se que a Europa, por estes dias, se dedica a uma navegação à vista. Os governos que se sentam à mesa do Conselho dependem, a nível nacional, de maiorias muito diversas, têm uma força relativa muito desigual, para além de serem democraticamente obrigados a ter de representar agendas de interesses ou preocupações muito díspares e, não raramente, contraditórias entre si. 

Por isso, os “mandatos” desses governos, autorizando-os a poderem agregar-se na defesa de políticas ou de desenhos institucionais ousados, são quase sempre muito limitados, muitas vezes gerados “à beira do abismo”, em situações limite de sobrevivência do projeto. Mas, por vezes, os países são mesmo confrontados com a necessidade de fazerem essas opções, se quiserem que a Europa realmente vá funcionando, na defesa daquilo que os protege.

Dentro em breve, ao que tudo indica, Portugal pode vir a ter de decidir se quer ou não vir a associar-se à criação de estruturas cumulativas às que hoje enquadram a gestão da moeda única. Elas acarretarão, naturalmente, novas partilhas de soberania. Também os efeitos do Brexit podem vir a justificar modelos criativos de financiamento do orçamento da União, essenciais para a sustentação de políticas que são vitais para os nossos interesses. É isso um salto federal? Confesso que, nos tempos que correm, estou bem mais interessado na eficácia soluções do que no peso semântico dos rótulos.

quinta-feira, março 22, 2018

So long, Dick Haskins!


Se eu escrever que morreu António de Andrade Albuquerque, um cavalheiro de 88 respeitáveis anos, que hoje será enterrado, quase de certeza que isso deixará muita gente indiferente. No entanto, se alertar para o facto de ter desaparecido Dick Haskins, haverá, provavelmente, algumas pessoas que lamentarão que um prolífico escritor de romances policiais nos tenha deixado.

Dick Haskins era o nome literário de Andrade Albuquerque - tal como Ross Pynn foi o de Roussado Pinto ou Dennis McSchade o de um belo escritor que muitos conheciam como Dinis Machado, o autor do magnífico “O que diz Molero” (com a qualidade, um pouco menos notável, de ter sido meu vizinho). 

A literatura policial, por uma qualquer razão, prestou-se bastante ao uso de pseudónimos. Desde logo, a grande Agatha Christie (Mary Westmacott) e Ellery Queen (os primos Manfred Lee e Frederic Dannay). Mas, tendo eu vivido a minha adolescência “embrulhado” em romances policiais (cheguei a ganhar um concurso da revista “Tintin” nesse âmbito), aprendi que alguns dos meus escritores preferidos nesse género tinham nascido com nomes que, eventualmente, achavam vulgares, optando por isso por coisas mais sonantes como S. S. Van Dine ou Ed McBain.

Dick Haskins publicou 24 romances e foi editado em 30 países, o que o coloca no grupo restrito dos escritores portugueses com grande difusão internacional. Ainda no estrangeiro, foram feitos um filme e uma série televisiva baseados em romances seus. O seu primeiro livro foi publicado em 1958, na coleção Enigma, criada na saudosa Ática (onde li Pessoa pela primeira vez e que recordo ter uma pequena e simpática livraria na rua Alexandre Herculano, em Lisboa). Haskins passou também, com naturalidade e justiça, pela histórica “Coleção Vampiro”, que foi, entre nós, um mostruário ímpar da literatura policial internacional.

Deixei há muito o “vício” dos policiais, não sendo mesmo grande adepto desses que agora vêm “do frio”, dos autores nórdicos. Às vezes, numas férias ou em casa de amigos, acabo por pegar num velho “Vampiro” e, nessas alturas, lembro-me de mim noutros tempos a devorar os Simenon ou um belo Hammett. Mas perdi para sempre, já há décadas, o vício de espiolhar os policiais que iam saindo e que, em Vila Real, procurava quase sempre no Libório. Porquê no Libório, o menos simpático dos livreiros da cidade, numa loja esconsa incrustada nas traseiras da Capela Nova? Nunca me esclareci.

Homenageemos Dick Haskins. Como? Lendo-o. Eu vou fazer isso.

quarta-feira, março 21, 2018

Haja memória!


Foi há quinze anos. Sob um pretexto reconhecidamente falso, sem nenhum mandato internacional legitimador, os Estados Unidos decidiram provocar a queda do regime iraquiano. Era presidente George W. Bush, uma figura política que, nos dias de hoje, face ao que Trump representa, já quase passa por “estadista” aos olhos de alguns.

À carnificina e caos político provocados no país, os EUA somaram uma pilhagem organizada e despudorada dos seus recursos, de que deram algumas “migalhas” a quantos tiveram a desvergonha de os seguir ou apoiar nessa aventura.

Naquele que constituiu o momento mais lamentável da história da política externa portuguesa em democracia, o governo de então, com pretextos que oscilaram entre o patético e o obsceno, deu o seu aval à operação americana e protagonizou, nas Lajes, um momento vergonhoso de subserviência.

A invasão do Iraque, como é hoje unanimemente reconhecido, foi o rastilho que lançou uma imensa tragédia na região, que proporcionou o surgimento do Estado Islâmico e que sacrificou um número incontável de vidas, agravando fortemente a instabilidade no Médio Oriente.

Convém não esquecer! Nunca.

terça-feira, março 20, 2018

Dez anos


Sarkozy acaba de ser detido. Lula da Silva, a quem se imputam vários crimes, estará, ao que tudo indica, prestes a sê-lo. José Sócrates já o foi e enfrenta uma pesada acusação. 

Há uma década, Sarkozy era um líder central no processo europeu. Lula estava no auge da sua popularidade. José Sócrates liderava nas sondagens e tinha ainda o país aos seus pés.

Dez anos é muito tempo, cantava Paulo de Carvalho, com razão.

3ª Conferência de Lisboa


Nos dias 3 e 4 de maio, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, terá lugar a 3ª Conferência de Lisboa.

As Conferências de Lisboa, promovidas pelo Clube de Lisboa, realizam-se cada dois anos e têm como objetivo colocar a capital portuguesa e o país no centro dos grandes debates internacionais sobre as questões de desenvolvimento.

Algumas dezenas de especialistas, nacionais e estrangeiros, intervêm como convidados, nos dois dias de debates. 

O presidente da República, o ministro dos Negócios Estrangeiros, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa e, naturalmente, a presidente da instituição que nos acolhe, a Fundação Calouste Gulbenkian, estarão presentes em momentos da abertura e fecho da Conferência.

A conferência de 2018 tem como tema "Desenvolvimento em tempos de incerteza".

A incerteza é hoje a regra do jogo internacional. Com uma administração americana que faz da imprevisibilidade a sua imagem de marca, com uma Europa atravessada por dúvidas e receios, ainda sem instituições à altura dos seus desafios, com uma Rússia desafiadora dos equilíbrios do pós-Guerra Fria e uma China com uma inédita ambição global - estamos hoje perante um panorama de grande incerteza.

Além disso, a guerra prossegue no Médio Oriente, ameaça também no Nordeste Asiático e está apenas contida na fronteira russo-ucraniana. A paz nuclear está de novo em risco, a corrida aos armamento nunca foi tão grande, desde a Guerra Fria.

Na Conferência vamos discutir tudo isto. 

E vamos analisar os riscos dos extremismos, as ameaças terroristas, os desastres humanitários.

Vamos falar da Globalização e discutir o seu futuro, com o surto protecionista a ameaçá-la, com o questionamento dos tratados de livre comércio e as muitas ameaças que pairam sobre o multilateralismo.

Vamos falar da sustentabilidade, da transição energética, das alterações climáticas.

Vamos falar da pobreza, das ansiedades das classes médias, das migrações e dos receios de muitos perante aquilo que é diferente, facilitando a emergência de ondas populistas e xenófobas.

E, claro, vamos dar muita atenção à Europa, tentando perceber qual o seu papel no mundo diferente que aí vem e as linhas de força que podem dar um sopro de esperança ao seu projeto.

As incertezas que nos rodeiam, sendo preocupantes, tornam este debate muito rico e desafiante. 

Na qualidade de presidente das Conferências de Lisboa, deixo um convite para que se junte a nós nos dias 3 e 4 de maio, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa

Visite o site do Clube de Lisboa (clique aqui) e faça a sua inscrição. 

Gostávamos de contar consigo na 3a Conferencia de Lisboa.

O peso do tempo

Hoje, numa consulta de rotina, o médico especialista que visitei informou-me de que, de acordo com os seus ficheiros (que coincidem com a minha memória), eu havia recorrido aos seus serviços, pela primeira vez, em 1978. 40 anos! É obra! Até ver, médico e paciente encontram-se bem...

Na conversa, fez-me contudo notar que a minha condição física se tinha alterado significativamente desde então. Como sou hipocondríaco, quis tirar a limpo o que ele pretendia dizer com isso: “É simples! Tem mais dez quilos do que então tinha...”

segunda-feira, março 19, 2018

António Champalimaud


António Champalimaud foi uma figura muito importante no mundo empresarial português do século passado. Com fortes interesses nas colónias e em Portugal, construíu o seu próprio “império” industrial e financeiro, numa luta de afirmação que nem sempre foi cómoda para o regime de então. Quem o conheceu fala do seu mau feitio e de uma atitude permanentemente marcada por alguma aspereza comportamental. O 25 de abril viria a trocar-lhe as voltas, obrigando-o a recomeçar no Brasil a vida empresarial. Mais tarde, como sucedeu com outros grupos capitalistas nacionais, foi-lhe dada a possibilidade de retomar posições nos seus antigos interesses, na privatização de muito do que a Revolução tinha nacionalizado.

No final da vida, António Champalimaud surpreendeu Leonor Beleza, ao confiar-lhe a aplicação, numa fundação que agora leva o seu nome, de uma muito elevada quantia. Em relativamente poucos anos, com a ajuda de Daniel Proença de Carvalho, foi erguida uma obra notabilíssima, que hoje é um centro de referência na luta contra o cancro. Uma obra que orgulha e prestigia o país.

Se fosse vivo, António Champalimaud faria hoje 100 anos. Faz parte da História deste país e, com a sua Fundação, passou a fazer parte do nosso futuro coletivo.

domingo, março 18, 2018

Fechem as embaixadas!





“Não vale a pena tentar explicar, está criado na imprensa um ambiente adverso contra os diplomatas”, foi o que ouvi de antigos e atuais colegas, quando me propus escrever este texto, aproveitando a simpática abertura do CM, a propósito do artigo aqui publicado no passado dia 12, que tinha por título “Diplomatas ganham mais do que Marcelo”. Mas eu sou teimoso.

Desde logo, talvez nos devêssemos interrogar por que razão, se efetivamente há um “escândalo”, o Presidente da República e o Governo não atuam para lhe pôr cobro. Ou será porque, afinal, não há escândalo nenhum? Posso explicar, se o eventual leitor estiver de boa fé e disponível para ler para além dos títulos.

Comecemos por Portugal, embora essa não tenha sido a questão central do artigo do CM. Um diplomata português recebe, ao longo da sua carreira, um salário próximo de um qualquer outro técnico do Estado, embora a sua entrada na profissão o obrigue àquele que é, sem a menor dúvidas, o mais exigente concurso de toda a nossa Administração Pública. Aliás, acabam de ser recrutados novos diplomatas, depois de provas que se estenderam por quase um ano e para as quais se inscreveram 1800 candidatos. Entraram… 30! 

A carreira é longa e, nos casos escassíssimos dos diplomatas que conseguem atingir o seu topo, ao final de 40 anos, o máximo que podem conseguir vir a receber serão 4.362,00 euros ilíquidos - para valores de 5.011,00 para os militares, 5.401,00 para os professores universitários, 5.664,00 para os médicos e 6.130,00 para os magistrados. Se o leitor tiver uma explicação para estas disparidades, gostaria de conhecê-las.

Na situação de reforma, no seu regresso a Portugal, não conheço nenhum embaixador, mesmo no topo da sua carreira, que receba um montante líquido mensal que atinja os 3.000,00 euros. E alguns desses embaixadores de topo recebem bem menos. Imagino que os leitores não saibam. E que até não acreditem. Mas é pura verdade.

Mesmo assim, dirão alguns, não é mau. Repito: estou a falar dos lugares mais elevados da carreira, atingidos por muito poucos. Uma carreira que, no total, não chega a 400 pessoas, num Ministério que gasta bem menos de 1% do OGE. 

Talvez o leitor deva saber que, se acaso um diplomata for casado, o cônjuge terá tido, provavelmente, de abandonar o seu emprego para o poder acompanhar nas longas permanências no estrangeiro. O que significa que, quando a carreira do diplomata chegar ao fim, apenas levará para casa uma única reforma e o seu cônjuge ficará numa total dependência. Sabiam que isto acontece muitas vezes? Tem já havido situações dramáticas de viúvas de diplomatas, vivendo em condições de grande dificuldade.

Mas falemos do estrangeiro, onde os montantes recebidos levantaram o tal “escândalo”. 

Começaria por lembrar que, quando é colocado no estrangeiro, o diplomata não deixa de ter necessidade de manter uma casa em Lisboa. E de a continuar a pagar ao banco. Depois, no posto onde for colocado, salvo se for embaixador, vai ter que alugar uma nova casa, aos preços de arrendamento locais, num mercado para expatriados geralmente bastante caro. Recebe, naturalmente, um abono específico de ajuda para tal fim. Os embaixadores, claro, não recebem esse abono.

O diplomata representa o seu país. No estrangeiro, tem obrigatoriamente de convidar pessoas, para casa ou para restaurantes - colegas de outras embaixadas, figuras locais, portugueses de passagem. Tem de fazer aquilo a que se chama “representação”, essencial para a sua atividade, e, por lei, deve explicar detalhadamente como e por que gastou um montante que, para esse fim, lhe foi destinado. 

Finalmente, se tiver filhos, tem de os colocar em escolas internacionais, mais caras que as restantes, por forma a permitir que, nas sucessivas transferências, haja a possibilidade de prosseguimento dos estudos. O Estado comparticipa naturalmente alguma coisa para esta despesa obrigatória e excecional.

O tal montante “escandaloso” atribuído ao diplomata é, assim, o somatório de tudo isso: do seu salário de base, do subsídio para aluguer de casa (que raramente cobre a totalidade da renda), do montante para representação social (repito, que tem de justificar caso-a-caso) e da ajuda às despesas de educação dos filhos (também parcial face às despesas). 

Se o leitor, o leitor de boa fé, chegou a esta parte do texto merece também que lhe seja explicado que esta é uma carreira que implica sucessivas mudanças de país, às vezes vivendo em cidades simpáticas, outras vezes em lugares insalubres e perigosos, por razões de saúde ou insegurança. Não existe, na Administração Pública portuguesa nenhuma profissão que obrigue a tão drásticas mudanças de vida, de climas, de continentes, a tão grande instabilidade das famílias, todos os quatro ou cinco anos. 

É talvez por saber muito bem tudo isto que o “Marcelo”, referido no título “Diplomatas ganham mais do que Marcelo”, não se cansa de elogiar fortemente o trabalho desta carreira de servidores do Estado, como também o fazem muitos empresários e portugueses espalhados pelo mundo. 

Então, leitor? Fecham-se as embaixadas?

(Texto publicado no “Correio da Manhã”)

Aos domingos


Lembrei-me ao passar por lá, há pouco. Exatamente no local onde fui agredido, por uma primeira e única vez, pela polícia da ditadura (sou um “antifascista” sem história de repressão: foi uma simples bastonada num ombro, que nem uma “negra” deixou), no funeral de Ribeiro Santos, nasceu agora um “Subway”. É no largo com o nome desse estudante, assassinado por um “pide”, em 1972, aqui em Lisboa.

Mas o que é que isso tem de notável? É porque estamos na madrugada de domingo e, em todas essas madrugadas de sábado tardio e domingo a despontar, em Londres, no início dos anos 90, aí pela uma da manhã, eu saía de casa e ia invariavelmente a uma loja da “Subway”, perto da estação de metro de Gloucester Road. Comprava uma braçada de todos os semanários (já) de domingo, acabadinhos de chegar para venda: “Sunday Times”, “Independent on Sunday”, “Observer” e “Sunday Telegraph”. E, sempre, uma bela baguette de pão francês, crocante, acabada de sair do forno. O indiano de turbante que me vendia tudo aquilo olhava-me com um sorriso divertido, estranhando os meus gostos (cumulativos) de imprensa.

Regressava deliciado a casa, sacava do frigorífico uma cerveja, e ali ficava eu “na engorda”, com uma pilha de quilos de jornais, a ouvir música e a ler pela noite dentro, no andar de baixo da minha casa em Elvaston Place. Tenho uma memória boa das noites desses dias.

A imprensa dominical britânica era muito interessante, viva, com “caixas” e extraordinários comentários, numa bela escrita. A vida política local era então movimentadíssima, com Thatcher em declínio, Heseltine e Major à espreita, o “Labour” de Kinnock e depois de John Smith a tentarem a sua sorte no pós “block vote”, que só viria a sorrir anos mais tarde a Tony Blair, acomodado que foi Gordon Brown, com o liberais-democratas de Paddy Ashdown no seu eterno caminho das pedras. E havia o Iraque, e a Bósnia em chamas, e o IRA, com Adams e McGuiness por detrás, a pôr bombas, e a Escócia a pedir ”devolution” e Joe Bossano a berrar em Gibraltar. E a “bloody” Europa, com o odiado Delors, a guerra dos “opt out”. Uma festa! 

Passado o tempo do “respeitinho” a Buckingham, a contenção informativa foi-se diluindo e a imprensa - particularmente a de domingo - “soltou-se” face à família real, começou a tratar das escapadas de Diana, das gaffes de Fergie e, finalmente, dos amores de Charles e Camilla. Foi muito curioso ver essa mesma imprensa hebdomadária - a que correspondiam, respetivamente, na ordem atrás mencionada, nos dias normais de semana, o “The Times”, o “The Independent”, o “The Guardian” e o “The Daily Telegraph” - começar a posicionar-se, no estilo e na ousadia jornalística, já um pouco entre os tablóides e o estilo mais sóbrio dos “jornais-mãe”. Muito iria mudar, nos anos seguintes, nesse mundo em crise dos jornais de papel.

O nosso “Subway” de Santos nem deve ter o “Expresso”, ou mesmo o clandestino “O Sol”. Mas, verdade seja, a julgar pelas sondagens, com isto por cá está transformado numa pasmaceira política, só animada pelo inacreditável grupo de que Rui Rio se rodeou, para que é que são precisos jornais?

sábado, março 17, 2018

Ó vizinha!



Há um belo e muito lisboeta hábito que é chamar ao vizinho ... “vizinho”! Esta prática era e é muito comum nos bairros populares, mas aquele onde eu vivo tem pouco dessa qualidade. Com escassas embora magníficas exceções, a gente que vive nas minhas vizinhanças é, em geral, distante, não se cumprimenta entre si e tem um limitado sentido de solidariedade gregária. Pelo contrário, noto que algumas dessas pessoas, à medida que o tempo lhes foi entrando na vida, se tornaram mais azedas, mais trombudas e visivelmente menos amáveis. Que se há-de fazer?!

Imediatamente ao lado da porta de uma garagem, há um espaço que, nas mais de duas décadas em que por aqui vivo, foi sempre um lugar de estacionamento. Quem quer que ali coloque um carro, não prejudica nunca ninguém. Quando a EMEL, há meses, marcou a zona, esse espaço adquiriu o estatuto de zona “cinzenta”. Seria usável? As pessoas continuaram a colocar lá os carros, sem o memor problema, naturalmente desde que pagassem o estacionamento ou tivessem selo de residente. Já nos bastava a EMEL e um parque diplomático nos terem privado de uma boa dúzia de lugares...

Há semanas, de repente, mas só para mim, as coisas mudaram. Coloquei lá um carro e ele foi bloqueado e rebocado. Paguei a multa. Nos dias seguintes, vi que toda a gente voltou a ali estacionar. Pensei que tivesse sido um infeliz acaso. Por lapso, o meu carro voltou a estar lá umas horas e... surgiu de novo bloqueado. Chamei a EMEL e paguei nova multa.

Na conversa com o homem da EMEL, ficámos a saber: trata-se uma vizinha que telefonou e se queixou de que aquele espaço não é para estacionamento. Terá descoberto isso agora, depois de décadas. O funcionário da EMEL, que reconhece a absoluta inoquidade do uso do lugar, terá interrogado por que razão só se queixava da presença do meu carro, dado que nunca isso acontece aos muitos outros que por lá param. A mulher não o esclareceu sobre esta sanha persecutória, personalizada em mim. O homem da EMEL comentou-nos: “será alguma coisa política?” 

Nã sei, nem quero saber, nem sequer quero conhecer a cara da ácida mulher que, pelos vistos, me “tomou de ponta”. Até para não ter de lhe chamar outras coisas, para além de “vizinha”...

Como as cerejas...


O “Betanzos”, nome de uma simpática vilória da Galiza, é também o nome de um barco que esteve encalhado até há dias junto ao Bugio lisboeta. Agora, resgatado do problema, regressa à sua viagem para Marrocos, com a sua carga de ... areia! Areia para Marrocos? É verdade! É assim a modos como mandar migas para Elvas...

A areia a viajar entre países faz parte de uma das historietas que sempre ouvi na minha família. 

Era o episódio sobre um fulano que, todas as manhãs, se apresentava numa fronteira, de bicicleta, com um saco de areia às costas. Os guardas fronteiriços faziam sempre uma vistoria muito cuidada ao saco, na expetativa de aí encontrarem algum produto de contrabando. Mas nada! Sempre e só areia. E, ao final do dia, lá regressava o tipo, sem o saco, com a cena a repetir-se no dia seguinte.

Terão sido anos a fio nesta saga. Até que, um dia, um dos guardas fronteiriços se reformou e decidiu tentar pôr fim ao mistério que, por tanto tempo, o assaltava. Falou com o misterioso transportador de areia e, garantindo-lhe segredo absoluto, perguntou-lhe o que é que aquilo significava, por que diabo levava ele, dia após dia, um saco de areia para o outro lado da fronteira.

O homem, garantido no seu segredo, explicou. E era muito simples. O saco de areia servia apenas para distrair as atenções. Ele contrabandeava, na realidade, bicicletas. Levava de manhã uma bicicleta velha, que já nada valia, e trazia, à noite, do outro país, uma bicicleta nova, “em folha”, que vendia com grande lucro.

Isto (não) veio a propósito da areia do Betanzos. Porquê? Sei lá! Isto é como as cerejas...

Depois de amanhã!