quarta-feira, agosto 24, 2016

Cabeçudo


Pediram-me que crismasse um "cabeçudo" da Senhora da Agonia, na minha qualidade, em 2016, de presidente honorário das Festas.

Não tive a menor hesitação: para o futuro, este "cabeçudo" que figura na imagem passará a chamar-se Ignatz. 

Porquê? Sei lá!

Ignatz pareceu-me um bom nome, não acham?

terça-feira, agosto 23, 2016

Histórias de Viana (7)


O Sales era bastante mais velho do que todos nós, embora mais de uns do que de outros. 

Em todas as cidades de província, por esse tempo, era vulgar haver umas figuras com uns anos mais, que acamaradavam com gente mais nova e com as quais se estabelecia uma relação marcada por algum respeito. A diferença connosco era muito clara: enquanto nós éramos estudantes, dependentes da ajuda dos nossos pais, essas pessoas tinham uma profissão estabelecida, muitas vezes eram casadas, usufruindo de alguma liberalidade das cônjuges para acompanhar rapaziada mais nova pelas noites, geralmente em fins de semana.

O Sales tinha uma casa de artigos funerários, creio que na rua da Capela das Malheiras, o que dava um toque ainda mais misterioso a esse nosso convívio. Um mito rezava que, numa noite, deixara dormir num caixão alguém com uma dificuldade pontual de acomodação. 

Num Verão ou dois das minhas férias em Viana, aí com 16 ou 17 anos, foi-me dado o privilégio de integrar um grupo a que, a partir de certa hora da noite, se juntava o Sales. Se a memória não me trai, era um homem na casa dos 40, magro, bem vestido, julgo que de bigodinho fino, bem falante e excelente companhia. Numa idade em que o desbragamento no léxico era a palavra de ordem de uma certa tendência para afirmação, o Sales induzia alguma seriedade ao nosso grupo, sendo que isso em nada era incompatível com a sua jovialidade e uma atitude divertida.

Uma noite, creio que no Bar Oceano ou no Viana Mar, veio à ideia de alguém, eventualmente suscitado por qualquer filme da época, enviar uma "mensagem ao mundo", uma tirada filosófica qualquer, que sobrevivesse no tempo e pudesse ser percebida por outros povos. Quando não há nada para fazer, a imaginação dita-nos iniciativas cujo caráter disparatado só se percebe muito mais tarde. No embalo da noite, com umas cervejas à mistura, o brilho da iniciativa surge-nos como incontestável.

Não sei se foi o Sales que teve a ideia, só me recordo que dela participou com entusiasmo. Dessa reflexão, cujo teor específico não recordo, resultou um texto, que hoje imagino "exemplar", com a tal "mensagem ao mundo", creio que de paz e concórdia, ou coisa parecida. No plano prático, o "papiro", redigido já não sei por quem, seria encapsulado e bem arrolhado numa garrafa. Esta seria lançada às águas do Lima, para que este a conduzisse ao Atlântico e, daí, para o mundos que a fortuna ditasse. A circunstância do texto ir em português nem por um segundo perturbou a iniciativa, seguramente ciente a universalidade do idioma de Camões.

Deitar a garrafa ao rio ali perto do Hotel Aliança ou de algumas ladeiras lodosas para deslizar barcos, na borda riberinha do jardim, não era um cenário que oferecesse uma dignidade mínima ao empreendimento. Creio que rapidamente se consensualizou a ideia de que a operação deveria ter lugar a meio da ponte de ferro, a ponte Eiffel, esse ímpar ícone vienense. 

E lá fomos nós, em bando noturno, de garrafa em punho, comandados pelo Sales, lançar a nossa "mensagem ao mundo", de cujo texto, por imperdoável incúria historiográfica, não cuidámos guardar cópia. Chegados a meio da ponte, depois de uma breve homilia laica e positivista, o Sales encarregou-se da nobre tarefa de projetar o recipiente, com gesto largo, sobre as águas do Lima. Não sem uma certa emoção, vimos a garrafa fazer o seu caminho, chapinhar um pouco na aterragem e, não obstante o breu misterioso das águas, flutuar, graças ao ar que envolvia a "mensagem ao mundo". Um luar vindo dos lados de Darque permitiu-nos um último olhar sobre o objeto deslizante no marulhar discreto do rio.

E foi então que, num segundo, a desilusão se instalou nas hostes. Afinal, ninguém tinha cuidado de pensar no ritmo das marés e, nessa noite, o mar Atlântico subia pelo rio acima. E a nossa garrafa, com a "mensagem" definitiva que o mundo por certo tanto apreciaria, que já imaginávamos nas costas americanas ou num percurso oceânico que não era de excluir que pudesse ir tão longe como as Caraíbas ou, com sorte, o Índico ou o Pacífico, afinal acabaria encalhada no lodo sem nobreza das Azenhas do Dom Prior, logo ali à Argaçosa ou, com sorte, pelo Pinheiro ou lá para o Barco do Porto.

Nem quero imaginar as imprecações suscitadas pelo infortúnio! Apenas recordo que, face ao inevitável, optámos por completar o trajeto da ponte, descer ao Cais Novo e ali, à vista difusa da Senhora das Areias, pouco antes dos "temíveis" acampamentos de ciganos, que as árvores escondiam no impensável trajeto a essa hora para o Cabedelo, aportámos à padaria para adquirir alguns pães, para o que a fábrica prudentemente proporcionava já venda de manteiga. E assim, desiludidos e enfarinhados regressámos à outra margem. Se o mundo tinha ficado mais pobre e ignaro sem a nossa mensagem, ao menos que o nosso estómago pudesse ser reconfortado com uns cacetes mornos, geradores de sede que, na noite vianense, e por essa hora, talvez já só pudesse ser saciado no Bar Astúrias.

Eram tão simples e prosaicos esses tempos...   

segunda-feira, agosto 22, 2016

Os portugueses e as Nações Unidas


A história da relação portuguesa com a Organização das Nações Unidas (ONU) é complexa e interessante.

Os equilíbrios internacionais posteriores à 2ª Guerra mundial não permitiram que Portugal, sob ditadura, integrasse a organização desde o seu início. Curiosamente, isso não se iria aplicar à entrada portuguesa para a NATO, onde o “mundo livre”, pelos vistos, não teve reticências em incluir Portugal como país fundador.

O Estado Novo desconfiava do multilateralismo e tinha boas razões para isso. O tempo subsequente à admissão de Portugal na ONU, que ocorreu apenas em 1955, acabou por se revelar penoso para a nossa diplomacia. Neste caso, já menos pelas credenciais democráticas do regime e, muito mais, pela sua recusa em aceitar o direito de autodeterminação do “ultramar”, como Portugal passara a chamar às suas colónias. Num tempo em que a onda descolonizadora, pós Conferência de Bandung, estava na ordem do dia, a subsistência de um Estado que, com falsa ingenuidade, falava “do Minho a Timor”, surgia como um imenso anacronismo.

E aqui, perdoe-se-me o corporativismo, a diplomacia portuguesa esteve à altura daquilo que lhe foi pedido. Com escassos meios e lutando contra um mundo adverso, os diplomatas portugueses fizeram o seu melhor, com enorme competência. Pode parecer estranho que eu destaque aqui a figura de Franco Nogueira, mas a verdade é que, titulando ele uma política errada, o modo capaz como a soube desenhar e implementar, mobilizando a nossa pequena máquina oficial, configura um modelo profissional notável – embora eu saiba que muitos leitores não perceberão que eu escreva isto.
Isolada e acossada nas agências especializadas da ONU, a ditadura portuguesa ia tentando sobreviver num mundo onusino que, crescentemente, lhe era hostil. À diplomacia, repito, competia atrasar o inevitável. E fê-lo tão bem quanto soube e pôde.

O inevitável aconteceu num certo dia de abril de 1974. De um momento para o outro, de “pária”, Portugal passou a “enfant chéri” das Nações Unidas. A boa vontade face ao nosso país apenas ficou condicionada pela indefinição que se vivia em Portugal.

Spínola enviou Veiga Simão para Nova Iorque, para tentar fazer a “ponte” entre a face aceitável do “marcelismo” e a onda democrática e proto-descolonizadora que se vivia em Lisboa. O sucesso da iniciativa foi escasso. José Manuel Galvão Teles, segundo representante democrático português na ONU, titulou depois um Portugal ainda em convulsão.   

Só a normalização política no final dos anos 70 permitiu a Portugal aproveitar em pleno a “montra” que a ONU proporcionava. 

Progressivamente, e a partir daí, o nosso país foi-se destacando em várias áreas do universo nas Nações Unidas, através de qualificados técnicos e diplomatas. Assumindo o risco da injustiça por defeito, mas apenas a título de exemplo em áreas especializadas, deixo aqui a referência a nomes como Marta Santos Paes, Paula Escarameia e Catarina Albuquerque, como personalidades que, mais recentemente, ajudaram a firmar o compromisso de Portugal com setores importantes da ONU. 

Em 1979/80, o nosso país seria finalmente eleito para um lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança, sob a liderança do embaixador Futscher Pereira. Poucos saberão que, em 1960, ainda antes das guerras colonias, Portugal ensaiara uma tentativa frustrada no mesmo sentido. 

Todas as prestações no CSNU foram sempre altamente prestigiantes para a imagem de Portugal, nomeadamente em 1997/98, com o embaixador António Monteiro e, em 2011/12, com o embaixador Moraes Cabral.

Pelo meio, ficou ainda o feito diplomático de ter conseguido eleger Freitas do Amaral para a presidência da Assembleia Geral, uma posição que, não obstante o seu caráter não executivo, tem forte significado. E, “last but not least”, é de justiça destacar as notáveis prestações das nossas Forças Armadas e policiais em operações de paz da ONU.

Portugal tem hoje a imagem justa de um “honest broker” no mundo da ONU. É essa imagem que seria agora importante reforçar com a eleição de António Guterres para secretário-geral da organização.


(Artigo hoje publicado no "Diário de Notícias")

domingo, agosto 21, 2016

Histórias de Viana (4)

Viana do Castelo é uma terra à qual o nome de Pedro Homem de Melo ficará para sempre ligado, quanto mais não seja pelo poema que Amália cantou.

O poeta tinha uma casa em Cabanas, perto de Afife, a poucos quilómetros da cidade.

Hoje, ao passar na praça da República, lembrei-me de uma história que o meu pai, testemunha presencial, sempre contava.

Pedro Homem de Melo passeava-se com amigos. Do outro lado da praça surgiu José "Rancheiro", uma figura conhecida da cidade, senhor de palavra fácil e de uma voz forte. E que, alto e bom som, fez ecoar pela praça o seguinte poema (cito de cor), que está num azulejo em Cabanas, junto à casa de Homem de Melo:

"O rio passa em Cabanas 
por entre fragas 
tão lindo
que mesmo que vá descendo
parece que vai subindo".

Acabada a curta declamação, José "Rancheiro" acrescentou, também bem alto: "Belo poema!". Ao que Pedro Homem de Melo, visivelmente lisonjeado, reagiu, com aquela voz rouca que tinha: "... dito por Vossa Excelência!".

Não deixava de ser bonito um certo cavalheirismo de um certo Portugal.

sábado, agosto 20, 2016

Histórias de Viana (2)


Estão a ver a pequena janela ao lado da Igreja de Nossa Senhora das Candeias, no Largo Vasco da Gama, em Viana do Castelo? Pertencia a uma casa minúscula, com entrada lateral para o largo que hoje se chama Amadeu Costa - que foi meu professor de natação e muito escreveu sobre Viana. 

Àquela janela assomava, na minha juventude, uma rapariga avantajada, de cabelos longos e ar desafiador. Tinha uma voz estridente, que se ouvia bem em todo o largo, quando falava para os conhecidos que passavam. A voz da jovem irritava-me supinamente e, na crueldade dos meus 10 ou 11 anos, gritava-lhe da varanda da casa da minha avó (fora da foto, à direita): "Cala-te, gorda!" 

A miúda - porque era uma miúda, pouco mais velha do que eu - respondia-me, furiosa, com impublicáveis impropérios com que me mimoseava, assentes num léxico muito "rico", bem próprio da Ribeira, que ali perto começa. A cena repetiu-se pelo menos por dois Verões. Depois, deixei de ver a minha interlocutora.

Lembrei-me dela hoje, ao passar pela janela fechada. Ainda será viva? A sê-lo, terá hoje cerca de 70 anos. Gostaria de pedir-lhe desculpa pela minha irreverência de há bem mais de meio século. Só tenho uma curiosidade: ainda usará os palavrões que, com sotaque bem vianense, ecoavam pelo largo, de um "nível" que fazia corar a estátua do Mercúrio que por lá há?

sexta-feira, agosto 19, 2016

Histórias de Viana (1)


Hoje, ao ver cair a chuva que atrasou o cortejo da Mordomia, na abertura das Festas da Senhora da Agonia, lembrei-me do "Santirso".

O "Santirso" era o nome de um barco espanhol de transporte que, na minha infância, aportava com alguma regularidade à doca de Viana do Castelo, em frente à casa da minha avó. Isso nada teria de especial, num porto que, à época, era bastante movimentado, se não se desse o caso da presença desse barco estar associada, no imaginário das pessoas da pesca vianense, à chegada de mau tempo. Por isso, e porque a coincidência se repetia com demasiada frequência, era voz corrente que as mulheres da ribeira apupavam os marinheiros do "Santirso", que olhavam como responsáveis pelas condições climatéricas que não permitiam a saída da barra dos pescadores.

O "Santirso" já não anda por cá e, neste ano em que sou o "presidente de honra" das Festas de Viana, espero que, definitivamente, a querela climática entre São Pedro e a Senhora da Agonia tenha ficado resolvida até domingo. Depois, pode chover à vontade... 

Imunidade diplomática

Surgiu hoje nas notícias um caso que evoca a questão da imunidade diplomática. É um tema fascinante do Direito internacional público, que ressurge de quando em quando, em especial se, nesse domínio, se registam novos abusos.

Desta vez, ao que parece - e será preciso confirmar que assim foi exatamente - dois filhos do embaixador iraquiano em Portugal terão agredido barbaramente um cidadão em território português. A polícia, atentas as regras da imunidade diplomática, foi obrigada a soltá-los.

Pelas redes sociais vai já uma onda de indignação com a possível impunidade dos agressores, reclamando a sua punição pelas leis portuguesas.Convém parar um pouco para pensar.

É verdade que, a confirmar-se a agressão, os seus responsáveis poderão ficar impunes? É verdade. Isso só não aconteceria em duas circunstâncias:

         - se as autoridades iraquianas levantassem a imunidade dos jovens e permitissem que eles fossem julgados em Portugal pelo crime,

ou

             - se essas mesmas autoridades repatriassem os jovens e os julgassem no seu país.

Qualquer destas duas circunstâncias não depende da vontade do Estado português e não cabe a Portugal suscitá-las.

Esta situação tem laivos de injustiça objetiva e é natural que seja sentida como tal pela opinião pública. Mas ela é o "preço" a pagar pela salvaguarda da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, um acordo internacional datado de 1961 e que regula a vida diplomática à escala do planeta, sendo considerado quase unanimemente como uma excelente Convenção.

Por que razão a Convenção protege estas "barbaridades"? Para evitar, por exemplo, que em países com alguns regimes sinistros, onde a proteção jurídica é muito frágil, onde a lei e a ordem estão raptadas por agendas de discricionariedade e arbítrio, contra qualquer diplomata estrangeiro possa ser montada uma "operação", na base de falsas alegações, acabando por ser julgado sem garantias, eventualmente fazendo-o passar anos na prisão ou mesmo sujeitando-o à pena de morte, se ela acaso ali vigorar.

É para a salvaguarda da liberdade de atuação e trabalho de uma esmagadora maioria dos diplomatas, cujo comportamento se processa dentro das regras, que a comunidade internacional paga o preço de ter de aceitar não punir os abusos que surjam, no âmbito das legislações nacionais.

O essencial da lógica da Convenção, em termos gerais (e sem entrar em preciosismos e particularismos aqui descabidos) é este: todos os titulares estrangeiros de cargos com acreditação diplomática, bem como os seus familiares (exceto se, por serem nacionais desse país, estiverem sujeitos à jurisdição local), estão isentos de responsabilidade penal por atos praticados nos países onde estão acreditados. (Não refiro aqui a questão complexa da responsabilidade civil).

Mas, então, Portugal não pode fazer nada neste caso?  Pode.

Se considerar que se confirmam os indícios de que aqueles cidadãos praticaram atos que configuram abusos da imunidade diplomática que lhes havia sido concedida, o governo português tem a possibilidade de considerar esses titulares de imunidade "personae non grata" e obrigar à sua saída do país, num dado prazo.

Uma coisa é clara e importante referir: Por exclusiva vontade própria, Portugal não pode julgá-los de acordo com as suas leis. Isso significaria colocar-se à margem das regras gerais que se comprometeu a observar. Nenhum país o faria, aliás.

quinta-feira, agosto 18, 2016

Cristas redentora

Assunção Cristas, líder dos democrata-cristãos, deixou-se fotografar numa pose insinuante, tendo como fundo uma Lisboa estival, com um vestido branco, curto, com motivos de kiwis.

(Poderia colocar aqui a fotografia, que está a atravessar o país das redes sociais, mas prefiro não o fazer. Por duas razões. A primeira é porque a não apresentação da fotografia, mesmo para os leitores que já a conhecem, permite-me alimentar imageticamente esta narrativa (e isto não é despiciendo para a lógica expressiva deste espaço, desculpem lá!). A segunda razão é porque isso me permite concretizar um sonho: entrar num exercício idêntico à daquele programa da SIC, aos domingos, sobre futebol, construído com "paleio", sem imagens.)

A fotografia é tirada do miradouro de S. Pedro de Alcântara, em Lisboa. Do piso superior, não do jardim de baixo, onde Fernanda de Castro, mulher de António Ferro, criou, com a complacência do ditador, um ramo da sua obra de assistência infantil. Desse nível, a perspetiva seria menos boa e a imagem decadente das estátuas, decapitadas ou mutiladas pela javardice das ressacas do Bairro Alto, não ajudaria. E, já nem no CDS deve haver muita gente que conheça a escritora, podendo ser assim sensível ao toque subliminar de uma referência conservadora.

Cristas (ou Líbano Monteiro ou Luís Paixão Martins ou António Cunha Vaz, dependendo da agência de comunicação avençada) quis ter Lisboa do alto. Mas não escolheu o vidro modernaço do terraço do Hotel Bairro Alto ou do Park bar ou da varanda do Insólito, por detrás da fotógrafa. Quis ter como base um peitoril sobre uma grade clássica, que esperou por uma excelente luminosidade para refletir uma cromia serena, nem excessivamente anoitada (inconveniente, na proximidade dos fados e do Bairro Alto), nem ensolarada de luz quente (que induziria nota de alguma lubricidade).

A pose é "casual", mas muito estudada. Por um lado, isso é bom. Um perfil totalmente natural induziria relaxamento, quiçá volúpia, abrindo portas (salvo seja!) a leituras liberais, nos usos e nos costumes. Ora Cristas é tudo o contrário disso, é uma senhora casada, mãe de família, com um rancho de crianças, num recorte muito tradicional. Fazer pose é, assim, de rigor.

Não se esperaria, porém, naquele cenário (com o Caldas ao fundo, para além do Condes) um "tailleur" cobrindo o joelho, como o fariam Ferreira Leite ou Teodora Cardoso, se lhes passasse pela cabeça deixarem-se retratar assim em frente à antiga FAUL, onde nasceu o PS lisboeta. Por isso, e porque é o elemento provocatório do conjunto, o vestido é toda "uma história". Tipo "saco", com meia manga larga, tem uma altura que não é chocante naquilo que revela, sem deixar de ter um toque ousado na sua contemporaneidade. Os motivos frutais têm tons de verde seco que acompanham os ramos do arvoredo por detrás da retratada, num conjunto que induz um tom algo intimista, de jardim, no mundo do recorte urbano. Os pés displicentemente cruzados, com sandália de tacão muito alto, assentam numa calçada dita portuguesa, embora verdadeiramente apenas lisboeta, reconduzindo a líder ao solo reconhecível. O relógio, negro, pouco clássico, rompe com a brancura da veste.

O olhar de Cristas é para a direita ("what else?"), para os lados do Paparrucha (outro belo possível cenário, para a próxima) ou do saudoso Pedro Quinto. O esgar é impecável, neutro, um toque de sobranceria que não fica mal, de destino assumido, auto-confiança, talvez com um excesso ligeiro de artificialismo na luz induzida. Há por ali firmeza, alguma distância, visão, uma determinação acentuada pelos tendões do pescoço, que revelam maturidade cruzada com a juventude adulta que se procura exaltar. Sobre os kiwis não me pronuncio, embora preferisse peras ou melões. Tudo menos laranjas!

Restam os joelhos. A decisão de mantê-los sem retoques de "photoshop" revela uma forte personalidade. "Chapeau"!

Que pensarå o PP sobre esta voluntária exposição da sua líder? E o velho CDS? E Portas, cujas poses eram em geral os seus piores retratos, porque ficava com ar de alguém que ironizava com a situação e tinha algo a esconder?

Esta é uma fotografia reveladora de uma certa imagem que Cristas procura fazer passar: ousada, firme, insinuante, conservadora moderna.

À atenção do PSD!

quarta-feira, agosto 17, 2016

Vigarice (2)

Com a ajuda de amigos que fizeram uma denúncia ao Facebook, ficou resolvida, num par de horas, a questão do perfil falso criado com o meu nome.

Fico muito grato a quem me avisou atempadamente e a quem tomou a iniciativa de denunciar o abuso.

Correr o risco de ver coisas assinadas por "nós", sem delas ser autor, é algo preocupante.

Felizmente que as redes sociais têm estas salvaguardas e que elas são eficazes.

Tudo está bem quando acaba bem! 

Vigarice

Um espertalhão qualquer criou no Facebook uma conta em meu nome, com uma imagem idêntica à da minha conta original. Já fiz queixa ao Facebook.

Assim, peço a quem receber um pedido de "amizade" em meu nome o favor de ignorar ou, se acaso inadvertidamente jâ tiver aceite, de "desamigar" ou bloquear essa conta, que se distingue por ter apenas umas dezenas de "amigos".

Conversas no Pereira (5)

- Estou furibundo! Só tenho duas contas bancárias e não é que me mudaram, nesta época, precisamente as minhas duas gestoras de conta?

- Não estranhes! Este é o período das transferências...

- Fico irritado com estas mudanças. Já tenho saudades do tempo em que, atrás do balcão dos bancos, por anos, havia sempre o mesmo sr. Almeida ou o sr. Gonçalves...

- Tu não tens saudades desses empregados. Tens é saudades do tempo em que havia bancos...

Meia dúzia de tweets desportivos

- Nestes jogos olímpicos o Bahrein está cheio de Obikwelos.

- Na hora na morte, é costume abaterem-se as bandeiras. Havelange foi um modernizador da FIFA, mas foi outras coisas menos boas.

- As Caraíbas tiraram muitas medalhas aos EUA em especialidades de velocidade. Não é novo, mas é notável.

- Tanta se reza no início das provas olímpicas! Lá em cima, deve ser uma confusão para "arbitrar"...

- Foi lamentável a vaia ao saltador de vara francês pelo "caseiro" público brasileiro. E parva a comparação feita com Berlim em 36.

- Portugal perdeu nas disciplinas com raquete apenas por culpa própria: os melhores ficaram na minha praia a dar-me cabo do juízo.

terça-feira, agosto 16, 2016

Medalhas

Acho alguma piada à desilusão nacional pela falta das medalhas olímpicas!

É claro que seria muito melhor obtê-las, mas fico bastante satisfeito pelo facto do país mais pobre da Europa ocidental, que hoje faz um investimento mínimo no desporto de alta competição (tirando o futebol, porque aí mete "massa da grossa"), consiga, apesar de tudo, ter alguns atletas que se qualificam nos dez primeiros do mundo. 

E fico orgulhoso por muito desse Portugal ser das cores da diversidade (não apenas étnica, mas também social) de que hoje, cada vez mais, é feito este meu país.

Eça agora




Eu pensava que Eça de Queiroz era um dos poucos consensos nacionais (verdade seja que não consultei nem Vasco Pulido Valente nem Alberto Gonçalves, esforçados profissionais nacionais do dissenso). Porém, há uns meses, um amigo surpreendeu-me. Trata-se de alguém bastante conhecido e que, tendo eu feito uma citação qualquer de Eça, me disse: "Eça, sendo um excelente escritor, reduziu o país a algumas caricaturas autoflagelatórias com que hoje nos comprazemos de forma comodista".

Devo dizer que percebo esse amigo, embora discorde dele a 1000%. Eça fez um retrato a preto e branco de um país em decadência. Uma decadência que não parou, desde então. Foi um retrato escrito ao longo de anos, o que significa que esse próprio esquiço de Portugal também não deixou de acompanhar a evolução do próprio Eça, o modo como a sua relação com o país se foi alterando - e esta é uma realidade que frequentemente não é tida em conta, como se tivesse havido apenas um "único" Eça.

Foi o realismo, às vezes quase maniqueu mas sempre com algum traço afetivo, com que Eça nos serviu uma multiplicidade de "characters", que fez com que o país passasse a dispor, projetados numa escrita genial, de uma multiplicidade de figuras-limite que, a partir de então, "colamos" às sucessivas realidades do país. Aos Conselheiro Acácio ou os Dâmaso Salcede continuamos a encontrá-los pelas esquinas e, olhando para a comunicação social de hoje, quantos Melchior ou Palma Cavalão não andam ainda por aí! Ou alguém tem dúvidas que "A Corneta do Diabo" era a premonição evidente de um tablóide matinal de cujo nome, como diria Cervantes para um certo lugar na Mancha, não me quero lembrar?

O meu colega de profissão José Maria Eça de Queiroz morreu faz hoje, dia por dia, 116 anos. Com 54 anos. Em Paris, seu último posto diplomático, como sucedeu a outras figuras portuguesas admiráveis, como Mário Sá Carneiro, Afonso Costa ou Gérard Castello-Lopes. Morrer deve ser chatote, mas Paris é, com toda a certeza, uma bela cidade para se morrer.

segunda-feira, agosto 15, 2016

A Moagem e eu


Um amigo atento ao que escrevo - tenho outros que me chamam a atenção sobre aquilo que não escrevo - disse-me há pouco: "Isso de tratares o Diário de Notícias como o "quotidiano da Moagem" não é muito bonito!". Confesso que não sei se foi o mesmo que, há alguns meses, me chamou a atenção por ter designado o Público como "a estimável folha da Sonae".

Ora bem! Que fique claro que o facto de eu poder criticar, aqui ou ali, o trabalho de alguns jornais só prova, desde logo, que os leio. E revela, em especial, a minha estranheza por encontrar, por vezes, nesses mesmos órgãos de comunicação social, aquilo que tenho por falhas ou imprecisões, que acho menos dignas da qualidade a que me habituaram. 

Quanto à Moagem, desculpem lá! Era o nome popular da Companhia Industrial de Portugal e Colónias a qual, por muitos anos, foi a proprietária do jornal. Creio que foi em Artur Portela Filho que li, pela primeira vez, essa referência. Eu sei que hoje já não há colónias (embora ironicamente as ex-colónias tenham regressado ao DN...), que se tivesse sido concretizada a vontade de alguns figurões, que ainda andam por aí algarviar lérias, já quase não havia Portugal, mas a imagem da Moagem ainda me atrai. Tal como me atrai esta deliciosa imagem de Stuart, que retrata a sede do DN na Avenida da Liberdade, aliás creio já passada a patacos para mãos estrangeiras. 

Assim, nesta confortável inimputabilidade de leitor (e de ocasional colunista convidado do DN), apetece-me hoje dizer: que pena que o DN já não seja da Moagem! 

Rigor

Há-de haver alguma diferença entre a "Voz de Sanguinhedo" e o "Diário de Notícias"!

No primeiro periódico, se acaso existisse, era desculpável que algum plumitivo amador atribuísse a Jorge Sampaio a expressão que ele nunca proferiu: "há mais vida para além do défice".

Mas a uma senhora jornalista profissional, com uma coluna de opinião com foto sorridente numa página ímpar do "Diário de Notícias" (recordo que, nos jornais, as ímpares, salvo a última, são mais importantes do que as pares), não é admisível essa referência (mesmo que atenuada com o "atribuída a") que, além de rotundamente falsa, tem de injurioso tudo quanto alguns têm com ela procurado fazer ao longo de anos. Injúria que este novo artigo prolonga e assim aduba, por muito que possa não ter sido essa a intenção. É que, no jornalismo, ao contrário do que dizia o manholas de Santa Comba para a política, o que é parece.

Se a "silly season" na redação do quotidiano da Moagem não der tempo para ir ao Google, pode sempre ler aqui (e não tem nada que agradecer)

O mês de 40 dias

Na minha cabeça, tenho o ano dividido em dois períodos, muito desiguais em dimensão: de setembro a dezembro e de janeiro a julho. Estes são os meus dois "semestres". Agosto é a pausa.

Para mim, o ano começa, verdadeiramente, em setembro. É um mês diferente de todos os outros, com menos "eventos" mas não com menos compromissos, bem pelo contrário. Arrumo (ou penso arrumar) nele muitas coisas, no caminho para os onze que se seguem. Depois, outubro e novembro são meses cheíssimos. Só lá para 20 de dezembro é que tudo estaca. A pausa natalícia prolonga-se até à primeira semana de janeiro, quando tudo rearranca, de novo bem a sério. Fora o período da Páscoa, todo esse segundo "semestre" é muito intenso, apenas com as festividades em junho a atenuar o ritmo, mas com as aulas a reforçá-lo. Como já estou muito longe do tropismo obsessivo para o turismo, fico a ver os meus amigos, entre maio e junho, a avançar para "as viagens".

A maior diferença que senti entre os anos de vida em que estava numa atividade profissional oficial, "from nine to five", e a atípica "aposentação" que se aproxima dos quatro anos, são os meses e julho e dezembro. No passado, esses eram meses de transição para tempos de férias, já de um relativo "phasing-out" laboral. Hoje, não: verifiquei que a atividade privada acelera fortemente na última quinzena de julho e na primeira de dezembro. Foi uma descoberta interessante.

Quando vivi na Noruega, ouvia dizer que o dia de hoje, o 15 de agosto, era "o início do inverno". Também convém não exagerar! Mas há pouco, ao acordar, confesso que senti, como dizia o poeta", que já "cheira a setembro". Aliás, confesso, ando a preparar esse mês há largas semanas. São muitos os amigos com quem já troquei o clássico "então, combinado!, almoçamos lá para setembro!". Se acaso todos esses almoços de "rentrée" viessem a ter efetivamente lugar, setembro seria um mês de 40 dias. Úteis, claro.

domingo, agosto 14, 2016

Fidel

Julgo que por uma questão etária, a Revolução cubana nunca fez parte das mitologias políticas a que fui particularmente sensível. A mim, disse-me sempre muito mais, por exemplo, a guerrilha vietcong no Vietnam do que a aventura da Sierra Maestra. Mesmo as peregrinações posteriores de Guevara, do Congo à Bolívia, levei-as à conta de um voluntarismo romântico, simpático mas algo inconsequente.

Dito isto, é impossível, para alguém da minha geração, não ter tido alguma afetividade pelo movimento que conduziu ao derrube de Fulgêncio Baptista e pelo desafio orgulhoso aos Estados Unidos em que Cuba se erigiu, em especial num tempo em que Washington, à luz de uma cínica realpolitik motivada pela Guerra Fria, se tornou protetor de várias sinistras ditaduras, um pouco por toda a América Latina.

Li o que julguei necessário sobre Cuba e, um dia, passei por lá uns dias, bem fora das zonas turísticas. E, devo confessar, não gostei muito do que vi. Chocou-me a desesperança triste de alguma gente com quem falei. 

Já não vivo num mundo maniqueísta que me leve a justificar a flagrante ausência de liberdades e a vida miserável - repito, miserável - daquela gente como contraponto óbvio das pressões externas, nomeadamente com os malefícios do ridículo bloqueio americano. 

Por tudo isso, os 90 anos de Fidel, ontem completados, não suscitaram em mim qualquer particular emoção.

sábado, agosto 13, 2016

Conversas no Pereira (4)

- Acho que não vamos ter mais nenhuma medalha nos Jogos Olímpicos.

- Que pessimista! Por que é que dizes isso?

- Porque o Marcelo já regressou do Brasil.

- Ora essa! Que tem uma coisa a ver com a outra?

- Tem tudo! Não é ele que distribui medalhas pelos portugueses?

Desordens

Não sei como hei-de dizer isto sem ofender algumas classes profissionais, mas não posso calar o sentimento de que, em certos setores, as Ordens parece terem caído a pique no nível dos dirigentes que nos dias de hoje elegem. 

É talvez a "proletarização" de certas atividades que a isto conduziu, mas faz-me confusão ver eleitas para cargos de bastonário pessoas que, por exemplo, foram objeto de processos por conduta profissional incorreta.

Tinha-me habituado a ver num bastonário, não uma espécie de "duplo" dos dirigentes sindicais da classe, mas figuras referenciais na profissão, personalidades prestigiadas junto dos seus pares, sempre contidas na palavra, com a utilização desta a revelar peso, com prestígio que facilitasse a interlocução com os poderes. O que se vê mais por aí (com exceções, diga-se) são figuras de terceira ou quarta linha, truculentas, sem autoridade moral, de palavra vulgar.

Se acham que esta nota foi suscitada por um artigo que acabo de ler no "Público" sobre a Ordem dos Advogados, não se enganaram.

Uma nota para os tristes

Há vários anos que, quando penso (e penso muitas vezes) ir comer ao restaurante "Salsa & Coentros", não longe da Avenida do Br...