Falemos
claro. Está criado em largos setores da sociedade portuguesa o sentimento de
que José Sócrates é culpado. O “esquema” das ligações financeiras, que alguém
passou à comunicação social para credibilizar a “operação Marquês”, caiu como
“sopa no mel” na convicção de quantos, de há muito, tinham o antigo
primeiro-ministro como um potencial, ou mesmo consumado, delinquente. O que
agora sucedeu só vem confortar aquilo em que sempre acreditaram. Julgo mesmo
que, para essas pessoas, dificilmente é concebível outro desfecho que não seja
a prisão por longo tempo de José Sócrates.
José
Sócrates não beneficia assim da presunção de inocência, em grande parte da
opinião pública. Pelo contrário, há mesmo uma forte presunção de culpabilidade
que o afeta e que, nos dias de hoje, leva muitas pessoas a tentar apenas saber
como se passaram as coisas e, em nenhuma hipótese, se esses factos são ou não
verídicos ou se, sendo-o, pode haver para eles alguma simples e plausível
justificação.
A perplexidade
perante as acusações a José Sócrates atingem também, não vale a pena
escondê-lo, muita gente que tem por ele um real apreço e que valoriza muito daquilo
que fez como governante. Gente que não se revê no labéu de um Sócrates
“coveiro” do país e que tem a sua leitura para o que aconteceu em termos
financeiros até 2011. Inundadas por notícias que remam todas no mesmo sentido, muitas
dessas pessoas mantêm a esperança de que Sócrates seja capaz de clarificar tudo
e desmontar a operação instalada à sua volta. Outros há ainda que, escudados no
que foi a falta de fundamento para outras acusações surgidas no passado,
alimentam a tese de uma cabala urdida pelos operadores judiciários.
Muito se tem
falado sobre o papel da comunicação social neste processo. Grande parte dos
meios de comunicação, confessando-o ou não, já tomou partido e esse partido não
é o de José Sócrates. Não vale a pena negar nos editoriais o que os títulos não
escondem.
Sobre este
assunto eu sei tanto como o leitor, isto é, nada. Como me recuso a deixar-me
cair no “achismo”, vou acompanhando as notícias, sou delas dependente e procuro
pensar friamente.
Tenho,
porém, duas certezas.
Se José
Sócrates fosse culpado por atos que tivesse cometido no exercício das suas
funções de Estado, por ações ou omissões dolosas que pudessem ter traído a
confiança que milhões de portugueses nele depositaram, tratar-se-ia de algo muito
mais grave do que os próprios delitos. A vida pública concede a um grupo
restrito de cidadãos a possibilidade de, por mandato de outros, gerirem o país.
Quem trai este compromisso merece o opróbrio definitivo.
Se o caso
contra José Sócrates não for suficientemente sólido, se do trabalho dos acusadores
viesse a sair apenas um novelo de suspeições circunstanciais, um pacote de
meras convicções, estaríamos perante uma canalhice sem nome, uma ação miserável
sobre um homem, que credibilizaria então todas as suspeições que existem sobre
a instrumentalização do setor da Justiça.
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"