Das caras e dos comentários das pessoas que vou encontrando ao longo do dia ressalta um sentimento difuso de inquietação. A crise política, que se soma à crise económico-financeira, tem agora uma expressão mais concreta. O dia de hoje está a ser visto, por muitos, como uma data que inaugura uma viagem para o desconhecido, para um mundo onde já nada é seguro, a não ser as dificuldades da vida - que ninguém, contudo, sabe ou pode medir em toda a sua plenitude. Para quem tem compromissos, para quem tem pessoas a cargo, para quem não tem emprego ou o vê já precário, para quem estuda não se sabe bem para fazer o quê - estes dias devem ser angustiantes. Não se diga que a crise é para todos, porque os seus efeitos são assimétricos, pelo que diferentes são os graus de inquietação de quem a sente. E de quem a comenta, claro.
Pode parecer um sentimento estapafúrdio, mas acho que, se todas as coisas más têm um lado bom, talvez o dia de hoje tenha a virtualidade de levar muitos portugueses a refletirem um pouco mais no país, deixando, por uma vez, a ideia de que essas coisas da política são para os outros, de que há um "jogo" em S. Bento e em Belém para o qual somos convocados, de tempos a tempos, para dar uma opinião cruzada num papel branco.
E, contudo, somos um país feliz - e alguns leitores devem achar isto uma heresia. Somos felizes por sermos uma sociedade democrática, com instituições que, por mais de uma vez, deram provas de serem capazes de enquadrar fortes tensões económico-sociais. Somos felizes porque temos liberdade, porque podemos exprimir as nossas opiniões, porque temos o direito de escolher quem queremos que nos governe. Somos felizes porque, não obstante todas as suas inesperadas limitações, estamos inseridos na União Europeia, que nos trouxe muita prosperidade e nos fornece ainda algumas das chaves essenciais para abrir as portas do nosso futuro.
A inquietação e o desespero não são bons conselheiros. Pelo contrário: são o pasto dos demagogos e dos paladinos do finis patriae, dos promotores das soluções que radicam fora do sistema, como se um salto para o desconhecido nos pudesse trazer qualquer súbita panaceia salvadora.
A inquietação e o desespero não são bons conselheiros. Pelo contrário: são o pasto dos demagogos e dos paladinos do finis patriae, dos promotores das soluções que radicam fora do sistema, como se um salto para o desconhecido nos pudesse trazer qualquer súbita panaceia salvadora.
Os tempos estão tensos, as pessoas tendem a radicalizar posições, os antagonismos podem aumentar. É nestas alturas que temos de ser mais vigilantes sobre nós mesmos, em que devemos parar para pensar, para decidir, para optar. É nos tempos difíceis que se mede a serenidade de um país, a sua maturidade como nação. Temos quase nove séculos, passámos por crises muito mais graves e, com esforço, fomos capazes de as superar. Este é talvez um dos momentos em que se pode aplicar a frase de John Kennedy: "não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta o que tu podes fazer pelo teu país".