segunda-feira, setembro 28, 2009

À distância

Será inevitável? Não sei, mas lá que é profundamente irritante ver o "Le Monde" tratar nas suas colunas as eleições em Portugal pela pena do seu correspondente em Madrid, lá isso é! Parece que voltamos ao tempo do Estado Novo, quando era isso que acontecia.

Por que não fazer os artigos na redacção, em Paris, com base nos "takes" das agências? De Madrid vê-se melhor Lisboa?

sábado, setembro 26, 2009

Reflexão

É obra!

Este blogue chega à véspera das eleições legislativas em Portugal com um orgulho que não pode disfarçar.

Nos últimos meses, a política encheu a esmagadora maioria da "blogosfera" portuguesa. O acentuar do debate interpartidário, no caminho para as eleições europeias e, mais recentemente, na aproximaçao da dupla jornada de eleições legislativas e autárquicas que aí vêm, deu alento aos espaços informáticos que trataram esse mesmo tema, de forma mais ou menos "engajada", mas sempre tendo-o no centro das suas atenções. Por isso, muitos blogues portugueses, muitas vezes colectivos, reflectem uma elevadíssima frequência diária de visitantes-leitores, a qual, manifestamente, representa também o interesse que a vida política tem suscitado entre nós. O que não deixa de ser saudável e traduz mesmo um sintoma de uma forte vitalidade cívica.

Mas, então, porquê o orgulho que este nosso blogue ostenta? Porque, não obstante, pelas razões que são óbvias, nos furtarmos a colar a nossa escrita às temáticas da polémica política, e tratando-se ademais de um blogue com um único autor, foi-nos possível manter uma muito apreciável "clientela" de fiéis leitores. E isso, indiscutivelmente, é obra - essencialmente dos nossos leitores, claro! O que prova essa coisa tão simples de que há mais vida para além da política.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Voto

Este fim de semana, por óbvias e cívicas razões, este blogue regressa a serviços mínimos, embora sempre regulares.

A actualização dos comentários sofrerá, contudo, algum atraso.

2ª feira, cá estaremos. É que a vida continua, sabem?

Chiado

A disparidade dos padrões culturais tem consequências curiosas, embora nem sempre cómodas.

Precisamente há uma semana, no Chiado, decidi engraxar os sapatos. Era uma bela tarde e, aí durante dez minutos, lá estive a ler o jornal, num engraxador que costuma parar em frente à Bénard. Na altura, lembrei-me - juro! - do poema do O'Neill: "O senhor engenheiro hoje não engraxa? Engraxo na Baixa".

A meio da função, levantei os olhos e reparei que um grupo de turistas estrangeiros fotografava a cena, de vários ângulos, com uma curiosidade quase antropológica. Senti-me uma espécie rara. Quem sabe se, entretanto, não apareci já nalguma publicação nórdica, a ilustrar o tipicismo da vida lisboeta.

Já agora, espero que algum dos fotógrafos tenha tomado um ângulo mais alargado e fixado o nome da casa comercial ao lado da qual estávamos: "Paris em Lisboa"...

quinta-feira, setembro 24, 2009

Irlanda

O meu próximo 5 de Outubro inicia-se com um pequeno-almoço de debate sobre os resultados do referendo irlandês, para o qual fui gentilmente convidado pelo actual Secretário de Estado dos Assuntos Europeus francês, também com a presença de um seu antecessor e meu antigo contraparte, Pierre Moscovici. Devo dizer, aqui entre nós, que considero uma verdadeira tragédia civilizacional o facto desta prática americana dos pequenos-almoços de trabalho ter já "pegado" por aqui. Mas, enfim...

Se lhes contar que, ao final da tarde desse dia, terei ainda, na Embaixada da Suécia, uma mesa-redonda sobre os desafios da Presidência sueca da União Europeia, já perceberão melhor o glorioso destino do meu feriado republicano. O que nós fazemos pela Europa!

Deixo-lhes na foto a imaginativa bandeira do convite para o debate matinal, uma espécie de "wishful thinking" pelo sucesso do Tratado de Lisboa.

Rios

O tema do Festival de Loire, de que Portugal é este ano convidado de honra, foi a comparação de culturas de regiões com rios. Ontem, em Orléans, o rio Loire aproximou-se do Douro, da ria da Aveiro e do Tejo. Algo insólito foi ver o Loire percorrido por barcos rabelos, por moliceiros e por canoas lisboetas, com sons do nosso folclore a encherem as ruas da cidade e a Radio Arc-en-Ciel / Rádio Arco-Íris a espalhar horas de boa música portuguesa.

Cada vez mais, as municipalidades francesas, conscientes da crescente importância da comunidade portuguesa e luso-descendente, têm iniciativas que mobilizam a sua ligação a regiões do nosso país, acordando lentamente para uma realidade que, infelizmente, ainda é por aqui muito desconhecida ou tocada de forma caricatural.

Ontem, no jantar português que o "maire" de Orléans nos ofereceu, pude constatar que a esmagadora maioria dos presentes nunca se tinham deslocado a Portugal, embora mantivessem alguma curiosidade por esse país quase vizinho, de onde lhes chega gente séria e trabalhadora, com que se cruzam nas ruas e no trabalho, mas do qual quase só conhecem o vinho do Porto e onde sabem que se canta uma coisa nostálgica que é o fado.

Portugal está tão perto mas ainda tão longe de França!

Greve

Hoje, os funcionários administrativos da Embaixada estão em greve, por razões laborais que se prendem com a legítima leitura que fazem da defesa dos seus direitos.

Há algumas "vantagens" colaterais desta greve: o silêncio impera nos corredores, os telefones ouvem-se menos e eu próprio, na deslocação para uma entrevista, aprendi finalmente a conduzir no complexo percurso entre a Embaixada e a Rádio Alfa, em Créteil. Tudo tem o seu lado positivo.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Asilo Político

A propósito do refúgio que o presidente hondurenho obteve na Embaixada brasileira em Tegucigalpa, lembrei-me de uma pequena história.

Há alguns uns anos, num final de manhã, o ministro-conselheiro entrou no meu gabinete, em Brasília, com um ar esbaforido: "Temos aqui na Embaixada um homem a pedir asilo político!". Era 6ª feira, dia em que a Embaixada fechava um pouco mais cedo. Muitos funcionários já tinham mesmo saído.

Uma asilado político é uma "dor-de-cabeça" tradicional na diplomacia. Cada caso é um caso e a doutrina que se desenvolve sobre o assunto situa-se sempre numa margem de grande ambiguidade.

De que se tratava? Um cidadão brasileiro, oriundo de uma localidade a algumas centenas de quilómetros de Brasília, surgira na secção consular da Embaixada, transportando uma grande mala que alguma incúria deixara entrar sem questionar, e afirmara que estava a ser perseguido politicamente pelas autoridades brasileiras, que estava na iminência de ser detido e que, por essa razão, vinha pedir asilo político. Um problema adicional era a mala: segundo disse, ela tinha uma bomba que faria explodir, no caso da sua reivindicação não ser aceite.

Nestas ocasiões, nunca sabemos, à partida, se estamos perante um simples "bluff" ou uma coisa mais séria, obrigando o sentido de responsabilidade a começarmos por considerar a segunda opção. Pedi a um funcionário experiente para ser o único interlocutor do homem e mandei reduzir ao mínimo o pessoal, mantendo-se um total "black-out" para fora da Embaixada sobre o incidente. O homem, desde o primeiro momento, deu sinais de algum desequilíbrio psicológico - factor com que era importante contar mas que não ajudava a nos sossegar. Ao que disse, embora sempre de forma muito confusa, seria amigo de uma personagem política de segunda linha, envolvida num recente escândalo, sentindo-se perseguido e sob ameaça iminente.

Foi-lhe explicado, com muita calma, que o Brasil era um país livre, uma sólida democracia, onde "quem não deve não teme" e onde cada cidadão tem hoje todos os meios possíveis - da comunicação social à Justiça - para assegurar a preservação e defesa dos seus direitos, em especial políticos. No Brasil, há muito que não há presos políticos, pelo que um ambiente de perseguição sem fundamento não era plausível. E que, por essa e por outras razões ligadas à inexistência de um enquadramento jurídico bilateral na matéria, não era possível conceder-lhe asilo.

O homem manteve-se renitente e obstinado, por algumas horas. A certo ponto das conversas que mantinha com o seu interlocutor, mencionou o nome de um deputado brasileiro local, de quem seria conhecido. Telefonei de imediato ao político que me esclareceu que estávamos perante uma pessoa muito desequilibrada, embora pacífica e totalmente inofensiva, de uma profunda religiosidade. Pedi-lhe para falar com o nosso homem, para o acalmar, o que simpaticamente fez.

Entretanto, a questão da religiosidade do homem fez-nos alguma luz! O interlocutor do putativo "asilado", percebendo já o respectivo cansaço, perguntou-lhe, a certo passo, se, em face da sua fé, não quereria aconselhar-se com um sacerdote. O nosso homem hesitou um pouco, mas, ao fim de algumas persuasivas insistências, acabou por dizer que aceitava essa hipótese.

E é aí que as "artes" diplomáticas vêm ao de cima. Num edifício situado a pouco mais de cem metros da Embaixada fica a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi-lhe explicado que, mais do que um simples sacerdote, poderia até falar com um bispo! Este "upgrading" religioso pareceu agradar-lhe. Sugerimos ao homem que fosse até lá, que reflectisse com a ajuda dos "bispos" (não fazíamos a mínima ideia se estava por lá algum bispo...) e que, depois, "voltasse para nos dizer alguma coisa". Surpreendentemente, aceitou. Enviei um carro da Embaixada, com o seu interlocutor a acompanhar, levá-lo à porta da CNBB. Pelo caminho, confessou que a mala não tinha nenhuma bomba, que continha apenas roupa...

Não sei pormenores do que aconteceu na conversa do nosso "refugiado" na CNBB, entidade que avisámos telefonicamente do que ia acontecer e que, pelo sim pelo não, não deveriam deixar entrar a mala que o homem transportava. Vim a saber que acabou por regressar nessa tarde a casa, sem mais problemas.

Foi um susto, embora pequeno, um tipo de incidentes que faz parte da vida diplomática.

terça-feira, setembro 22, 2009

Vartan

Sylvie Vartan apresentou-se no Olympia. Por um segundo, tive a tentação "anos 60" de ir ver, pela primeira vez, quem então cantava o "La plus belle pour aller danser" e enchia as páginas do "Salut les copains", com o seu badaladérrimo romance com Johnny Halliday. Depois, pensei melhor: deixemos o passado onde ele está.

Esta minha reacção prova que "la nostalgie n'est plus ce qu'elle était", para citar as memórias de Simone Signoret.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Tempos

Um amigo de Brasília queixava-se-me ontem do tempo. Chovia.

Senti-me solidário: eu também me queixo do tempo. Do que não tenho.

"Libé"

O "Le Figaro" e o "Libération", os principais diários franceses de acompanhamento da vida política, decidiram efectuar reformas gráficas, com vista a tornar a leitura mais fácil ou, para utilizar um bom termo anglo-saxónico, ser mais "reader-friendly". A aposta do "Libération", o "Libé" para os franceses, que tem já mais de uma semana, parece-me bastante melhor que a do "Le Figaro", que hoje se iniciou.

Estas mudanças gráficas recordaram-me uma história divertida, passada num concurso de admissão para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, nos anos 90, de cujo júri eu fazia parte.

Havia então um prova - não sei se, no actual regulamento, ainda existe - chamada "de apresentação", que consistia numa conversa de 20 minutos com cada candidato, e que tinha lugar entre as provas escritas e as orais. Três diplomatas "seniores" faziam parte desse painel, que entabulava uma conversa variada com o candidato, pretendendo saber um pouco dos seus interesses culturais e de vida, ao mesmo tempo que se aferia a sua capacidade de expressão, nomeadamente em línguas estrangeiras (parte da conversa era em francês ou inglês). Confesso que achei sempre essa prova um dos momentos de verdade da admissão à carreira diplomática: dela não se percebia se o candidato seria um bom diplomata, mas deduzia-se imediatamente se ele fosse totalmente não-dotado para a profissão.

Num dos dias, um dos jovens candidatos quis "dar-se ares" e, ao ser perguntado por mim se seguia a política internacional, adiantou, com grande firmeza: "Há vários anos que acompanho a imprensa internacional. Todos os dias leio o 'Libération'". Confesso que fiquei espantado! Se tivesse dito o "Le Monde", o "International Herald Tribune" ou mesmo o "Financial Times", era mais plausível. O "Libération", contudo, era um jornal que chegava a Portugal em quantidade muito limitada e era "obra" tê-lo como de leitura diária. Eu lia-o esporadicamente.

Decidi testar o rapaz: "Isso é muito interessante! Então você lê regularmente o "Libération"?! Nesse caso, talvez me possa dar a sua opinião sobre a reforma gráfica pela qual o jornal passou no último mês. Até deve lembrar-se, com certeza, do editorial da semana passada, no qual o Serge July avaliava esse esforço de auto-reconversão do jornal".

O nosso candidato embatucou, mas apenas por uns instantes. Com jeito e artes para não cair em contradições, lá disse umas coisas que, revelando ter uma vaga ideia do "Libération", demonstraram agilidade de raciocínio e capacidade de improviso. E, por isso, passou.

Há uns anos, encontrei-o num corredor das Necessidades e perguntei-lhe: "Então! Continua a ler o "Libération"?". Ambos demos uma boas gargalhadas. Se ele vê o blogue, este post é-lhe dedicado.

Gatos

A tensão na vida político-partidária portuguesa foi subitamente atenuada pela presença de figuras políticas num programa humorístico dos "Gatos Fedorentos". Aí está a ser possível ver tais personalidades num registo mais solto e descontraído, em que a interlocução com a genialidade de Ricardo Araújo Pereira consegue, muitas vezes, trazer ao de cima algumas dimensões humanas dos entrevistados. Fico com a sensação de que, para a generalidade da opinião pública, essas "entrevistas" têm sido um bálsamo, num ambiente de crispação pré-eleitoral que não tem facilitado a normalidade do seu quotidiano.

Porém, e à revelia do que me parece ser a ideia mais generalizada, pergunto-me se esta "dessacralização" das figuras políticas, com a respectiva recondução a um ambiente de obrigatório humor, não acaba por funcionar em detrimento de uma certa dignidade da política, como se a aceitação desta tivesse necessariamente que passar por uma rendição às versões mais palatáveis da linguagem mediática.

Mas pode ser que eu esteja a ver mal as coisas, concedo.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Orgulho profissional

Admiro as pessoas que olham com orgulho para a sua profissão, que lhe trabalham as origens e a sua história, que aprofundam as dimensões culturais da actividade que exercem, um pouco nos moldes seguidos pelas antigas corporações medievais.

Há hoje em Portugal um blogue sobre essa tradicional actividade que é a barbearia, expressão que a modernidade acabou para fazer evoluir para cabeleireiro de homens - talvez porque "fazer a barba" em estabelecimentos públicos deixou já de ser muito comum. Quem alimenta esse interessante espaço informático é Joaquim Pinto, um homem que tem um carinho muito especial pela sua tão antiga profissão e que, por essa razão, se dedica a recolher as memórias que dela, ao longo dos anos, foi colectando.

Deixo aqui o link para esse curioso blogue, feito por alguém de quem sou cliente há mais de três décadas, mas que há muito deixou essa qualidade para se tornar num estimado amigo pessoal.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Mais Pedras

Na espécie de espaço privado que as Pedras Salgadas têm ocupado neste blogue, em particular na zona de comentários aos posts anteriores sobre o tema, têm vindo a ser colocados textos de várias origens, com perspectivas cruzadas sobre a questão da urgente recuperação do respectivo Parque Termal.

O período pré-eleitoral que se vive acabou, inevitavelmente, por "poluir" politicamente este debate. Foi algo que não se pôde evitar, mas que, apesar de tudo, se conteve num apreciável registo de serenidade e respeito. Espero, com sinceridade, que resolvida que esteja a competição partidária local, e eleitos que sejam os novos órgãos autárquicos, uma linha comum de actuação possa vir a gizar-se entre todos os que se interessam pelo futuro das Pedras Salgadas.

Muito há a fazer e isso vai passar pelo estímulo à mobilização de todos os órgãos políticos que vierem a ser eleitos (deputados, autarquias), bem como pela necessária clarificação, por parte dos departamentos técnicos co-responsáveis pelo contrato com a Unicer, do modo como interpretam o ritmo de cumprimento que por esta está a ser imprimido aos trabalhos. E o que tencionam fazer, na hipótese de o considerarem não conforme com o que está acordado.

E, muito em especial, insistiremos na questão central à qual a Unicer até agora se furtou a responder: quando vai concluir o hotel a cuja construção se comprometeu, com tanta pompa e circunstância.

Comentários podem e devem continuar a ser colocados neste espaço e prometo que, a seu tempo, irá haver por aqui novidades sobre várias iniciativas que vão ser levadas a cabo.

É que esta é uma "guerra" que só agora está a começar!

Sapatos

Foi ao olhar para o interior dos meus sapatos, naquele hotel de Estrasburgo, que as coisas se me tornaram evidentes. As palmilhas eram de cor diversa. Logo, os sapatos também o seriam: tinha trazido calçados dois sapatos de modelo diferente! E só tinha comigo esse bizarro par.

Chegara de Lisboa nessa tarde e, quase directamente do aeroporto, fui para casa do secretário-geral do Conselho da Europa, para um jantar de chefes de delegação. Antes do repasto, como era de regra, teve lugar uma sessão de debate, "au coin du feu", na sala de estar, connosco sentados em sofás, uns em frente aos outros, por cerca de uma hora. Provavelmente, alguns dos ministros e secretários de Estado presentes ter-se-ão apercebido de que o seu colega português estava calçado com incurial diversidade...

Depois do jantar, no salão do meu hotel, numa roda de cadeiras, tinha coordenado uma reunião da delegação portuguesa, onde fora passada em revista a agenda do dia seguinte. Mas, do mesmo modo, ninguém referiu nada.

Agora, no quarto do hotel, cerca da meia-noite, que poderia fazer?

De manhã cedo, parti de carro para a reunião no Conselho da Europa. Na altura da foto de família, lembro-me ter escapado para as filas superiores, garantindo que os meus sapatos ficavam tapados pela sombra dos meus colegas da Islândia ou do Azerbaijão.

Na sala de reuniões, dei-me conta que a temática em discussão estava a deixar-me enervado, mas logo percebi que eram mais os sapatos do que as teses em confronto. Pedi a palavra cedo, disse o que tinha para dizer e planeei uma estratégia: voltando-me para o nosso embaixador, perguntei-lhe se me podia dispensar o seu carro e o motorista por algum tempo. Pelo meu ar críptico, porque não dei qualquer explicação plausível, porque no passado apenas me vira usar o seu carro para ir a livrarias, onde quase sempre me acompanhava, porque era mais do que estranho eu sair a meio de uma reunião ministerial, imagino o que possa ter pensado... Porém, homem com mundo, foi prestável, colaborante e discreto.

Ao motorista, pedi para me levar a um centro comercial. Procurei uma sapataria e pedi para ver sapatos do meu número, quase sem olhar ao preço. Ao experimentá-los, ainda me senti tentado a explicar à empregada a estranha situação em que estava. Olhou-me com uma frieza de quem tinha isso como sua última preocupação, com um pouco carinhoso "Oui, je vois...".

Saí com os sapatos novos calçados e o par heteróclito num saco. E lá regressei, impante, à reunião. Ninguém escapa ao ridículo e, muitas vezes, como foi o caso, o receio do ridículo é que nos faz cair nele. Ninguém deve ter notado os meus sapatos e, mesmo que assim fosse, que importância isso tinha? Por que razão não assumi o facto e partilhei, desde o início e com um sorriso, a situação? Não sei. Mas lá que é chato andar com dois sapatos diferentes, lá isso é, podem crer...

quarta-feira, setembro 16, 2009

Pero que las hay, las hay!

Ele há coisas muito estranhas!

Há minutos, ao olhar a contracapa dos três primeiros volumes, recém-editados, da excelente colecção Portugal Futuro, da Sextante Editora, dirigida por António José Teixeira, descobri que nela é citada a famosa frase de Vieira, na "História do Futuro": "Nenhuma cousa se pode prometer à natureza humana mais conforme ao seu maior apetite, nem mais superior a toda a sua capacidade, que a notícia dos tempos e sucessos futuros". Uma bela frase, em particular neste tempo eleitoral...

Nesse instante, recordei-me do meu amigo Padre Brandi Aleixo, escritor e professor brasileiro, talvez a maior figura da divulgação de Vieira no seu país, com quem tive o gosto de trabalhar em diversas iniciativas, em especial durante 2008, o Ano Vieirino.

Pois não é que, no momento seguinte, recebo no meu e-mail uma mensagem de Brandi Aleixo a dar-me conta da mudança do seu telefone?!

"Pero que las hay, las hay!".

Não nos desiludam!

Já há abaixo-assinados contra a decisão sobre o novo aeroporto? E providências cautelares? Então e as objeções ambientais, de invejas locais...