segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Os meus dias da rádio


Das funções que passei a desempenhar no Conselho Geral Independente (CGI) da RTP faz também parte o acompanhamento da importante dimensão da rádio no seio da empresa.

Contrariamente à convicção de muitos, nos dias de hoje RTP já não significa Radiotelevisão Portuguesa. A sigla, desde há vários anos, quer dizer Rádio e Televisão de Portugal. É a mesma coisa? Não é. Ela passou a simbolizar a presença da marca RDP (embora com diferentes designações de antena) no seio da RTP. E isso faz toda a diferença. 

Assegurar um excelente serviço público de rádio, nas suas dimensões internas (Antenas 1, 2, 3 e regionais) e externas (Internacional e África), vai ser uma das grandes preocupações do CGI recomposto que acaba de entrar em funções. No que me toca, será mesmo objeto de uma atenção muito particular. Porque a rádio diz-me muito: teve um papel importantíssimo na minha formação e, igualmente, porque vivi muitos anos no exterior, durante os quais nunca deixei de ter a RDP no meu "radar".

Faço parte da geração dos "dias da rádio". No meu caso, das noites. Na minha juventude, nos anos 60, em Vila Real, o Rádio Clube Português (muito menos então a Emissora Nacional, antecessora da RDP), a par de algumas rádios estrangeiras (Radio Caroline, Radio London, Radio Andorra) e da Renascença (em especial com a 23ª hora), era uma companhia noturna regular, com os programas da madrugada, em especial o "Meia Noite" e, mais tarde, o efémero "Europa", de Vitor Espadinha, a trazerem a música que me fez crescer. (Na província não havia FM, apenas Onda Média e Curta, pelo não chegávamos ao lisboeta "Em Órbita"). Ah! e também ouvia, claro, a oposicionista Rádio Voz da Liberdade (de Argel), a Rádio Portugal Livre (de Bucareste), as emissões em português da Rádio Moscovo e o serviço português da BBC. Mas isso era outra "música".

Em 1966, com a ousadia dos meus 18 anos, apresentei-me nos estúdios do Porto do RCP, onde pedi "emprego" sem salário, ao tempo em que fingia estudar Engenharia Eletrotécnica. O Alfredo Alvela, uma voz magnífica da rádio desses tempos, abriu-me então as portas do seu "Clube da Juventude," onde realizei, durante alguns meses, o meu semanal "Tempo de Teatro" (eu era então membro do Teatro Universitário do Porto), com textos do João Guedes e um "gingle" com efeito de eco, feito no vão do elevador do prédio, numa ideia louca, creio que do Jaime Valverde. Ainda no Porto, fiz locução, durante algum tempo, nos Emissores do Norte Reunidos, pelo final das tardes de sexta-feira, num programa a que chamámos "No espaço e no tempo", um nome hoje ridículo, mas que ia muito bem com o ambiente da época.

Quando, em 1968, abandonei Engenharia e fui estudar (dessa vez, a sério) para Lisboa, o "bichinho" da rádio continuava a perseguir-me. Ainda nesse ano, fiz concurso para locução na Rádio Universidade. Lembro-me de duas das provas que me calharam em sorte: ler o texto "Desenhar uma Flor", de Almada Negreiros e, durante dez minutos, sozinho num estúdio, inventar a reportagem de uma chegada dos Beatles ao aeroporto de Lisboa. Fui um dos escassos admitidos, nesse exame, precisamente há meio século.

A estação era propriedade da Mocidade Portuguesa, seguia uma linha oficiosa, mas, devo confessar, em abono da verdade, não terá sido uma razão essencialmente política aquela que me levou a afastar-me do que julgava ser uma vocação para a rádio. Tenho uma vaga ideia de me ter confrontado com um ambiente algo pesado e hierarquizado, em que nunca me senti bem, feito de gente que pouco tinha a ver com a "onda" académica mais agitada em que eu já andava envolvido por essa época. Mas, conhecendo-me, creio que também o facto de me terem exigido que me submetesse a um estágio que ocorria nas socrossantas manhãs de domingo terá pesado bastante e deverá ter sido a gota de água que fez travar o início da carreira radiofónica que chegou a estar nos meus horizontes. A Rádio Universidade era, contudo uma excelente escola de rádio e, recorde-se, foi um viveiro de grandes nomes.

A Rádio Universidade ocupava então um edifício na rua da Estefânia. Passei por lá ontem e está no estado que a fotografia evidencia.

Eugénio Lisboa


O amigo Eugénio Lisboa, uma grande figura da intelectualidade portuguesa, lança hoje mais um volume das suas memórias.

É às 18.30 na Livraria Bucholz, na rua Duque de Palmela. Lá estarei a dar-lhe um abraço.

domingo, fevereiro 04, 2018


Eanes


Em dezembro, apresentei no Porto uma biografia do general Ramalho Eanes, escrita por Isabel Tavares.

Na ocasião do lançamento, dei naturalmente a minha perspetiva pessoal sobre o primeiro presidente eleito nesta era democrática. O que penso, com todos os “mixed feelings” sobre a figura de António Ramalho Eanes, havia já sido fixado neste texto.

O que hoje eu gostava de dizer, com a maior sinceridade, é que a entrevista dada por Ramalho Eanes ao “Expresso” desta semana confirmou plenamente aquilo que muitos admiradores confessos do general vinham desde há tempos a dizer-me: ele fez um percurso intelectual muito interessante, de grande rigor e seriedade, estruturando um pensamento coerente e sólido, de grande verticalidade democrática e forte consciência social. E, claro, revelando o grande sentido de Estado que sempre teve, além do homem de bem que é, conceito em que sempre o tive.

Robert Escarpit


Há quase cinco anos, escrevi no meu blogue um “post aberto” ao jornalista Ferreira Fernandes. 

Numa das suas crónicas na última página do “Diário de Notícias”, ele havia-se insurgido pelo facto dos diplomatas aposentados terem sido aparentemente poupados aos cortes da malta da “troika”. Ora eu, que era aposentado, e que tinha levado uma “talhada” de algumas centenas de euros, entendi dever esclarecer que o jornalista quereria talvez falar dos diplomatas “jubilados”, que é uma coisa diferente de ser-se aposentado, aproveitando, de caminho, para esclarecer as razões pelas quais esses meus colegas não tinham sido objeto de cortes (porque já antes os tinham sofrido, noutro contexto). 

No meu texto, “desculpei” Ferreira Fernandes: “Eu imagino as limitações de espaço da sua coluna na folha de Oliveira, embora, vá lá!, ele seja um pouco mais do que aquele que o Robert Escarpit tinha no "Le Monde" “.

Ontem, no mesmo DN, aproveitando um dia em que tem mais “largueza” de carateres, ocupando toda a última página, Ferreira Fernandes fala bastante de Robert Escarpit, num excelente artigo, que muito recomendo.

Nele refere, “en passant”, aspetos da vida daquele professor de Bordéus que, durante 30 anos, escreveu a tal minúscula e muitas vezes genial crónica (cerca de 700 carateres) na primeira página do “Le Monde”. 

Ferreira Fernandes e eu temos a mesma idade (na realidade, ele é uns meses mais novo...). Começámos a ler o “Le Monde” praticamente ao mesmo tempo, mas não sabia que éramos parceiros na admiração pelos textos de Robert Escarpit. 

Como referi no meu “post aberto”, o jornalista tem, na sua coluna “Um ponto é tudo”, no DN, um pouco mais de espaço do que aquele de que Escarpit dispunha. Mas comunga com ele da qualidade sintética da grande escrita, aquela que faz a diferença entre os grandes jornalistas daqueles que, como dizia Batista-Bastos, são injustamente acusados de o serem.

sábado, fevereiro 03, 2018

Procuro e não te encontro

A senhora Procuradora-geral da República tem idade para conhecer Toni de Matos. Ao ouvi-la falar do segredo de justiça, à margem de um evento qualquer, lembrei-de do “Procuro e não te encontro”, uma canção que há muito teve o seu tempo mas que, pelos vistos, ainda é trauteada nos corredores do palácio da rua da Escola Politécnica.

Nas suas surpreendentes declarações, que não vi suficientemente destacadas, a dra. Joana Marques Vidal, cuja passagem pela chefia do Ministério Público combina aspetos reconhecidamente corajosos com procedimentos altamente desqualificantes para a instituição que lhe coube dirigir, disse, basicamente, esta coisa surpreendente: é a própria lei, feita pelos parlamentares, ao não punir fortemente as fugas ao segredo de justiça, que confere a esse delito um baixo grau de importância. Implicitamente, com esta asserção, as quebras do segredo de justiça passaram à gravidade da falta da antiga licença de isqueiro.

Com a sua espantosa declaração, a senhora procuradora absolve a vergonhosa porosidade existente entre o Ministério Público e alguma selecionada “comunicação social”, que faz com que diariamente transpirem para fora da instituição escutas, peças processuais e informações atempadas sobre ações judiciárias - como há poucos dias se viu, com um jornalista já plantado à porta da residência de um sujeito de buscas. Nem sequer parece preocupá-la o facto de, com toda a probabilidade, haver lá pelos seus domínios gente avençada para providenciar informações que alimentem o escândalo mediático. E, do mesmo modo, fica a ideia de ser-lhe indiferente o princípio da proteção de direitos que frequentemente surgem lesados, muitas vezes com impactos muito negativos no plano externo, pela divulgação de diligências judiciais, que a ética, a deontologia e o interesse de Estado recomendariam que fossem protegidos no sigilo da investigação.

Pela declaração da dra. Joana Marques Vidal, pessoa que tenho por séria mas igualmente por flagrantemente incapaz de controlar setores da sua instituição, percebemos melhor agora por que razão nunca o país chegou a conhecer o resultado de qualquer dos “rigorosos inquéritos” que, no passado, anunciou ir instaurar às quebras do segredo de justiça. É que a senhora Procuradora-geral procura mas, talvez porque não acha isso importante, em geral nunca encontra.

A caminho da década


Este blogue entra hoje no seu décimo ano. Desde o dia 2 de fevereiro de 2009, sem falha de nenhum dia, foram por aqui publicados 6065 posts, sobre tudo “e mais alguma coisa”. Este vai ser um ano de balanço, onde o futuro do blogue vai ser equacionado. E mais não digo, por ora.

sexta-feira, fevereiro 02, 2018

Em três pontos


1. Um dia, na segunda metade dos anos 70, a Embaixada de Portugal em Londres recebeu a visita de um militar de abril, membro do Conselho da Revolução.

Como se impunha, o embaixador ofereceu-lhe uma refeição. O repasto correu de forma simpática, na magnífica sala de jantar daquela que é, sem sombra de dúvidas, uma das mais belas residências que Portugal tem pelo mundo.

Num determinado momento da conversa, o nosso militar deixa cair uma confissão: "Vou contar-lhe um segredo, senhor embaixador: um dos meus maiores sonhos foi sempre poder vir a ser, um dia, embaixador de Portugal em Londres". 

Perante o silêncio protocolar do embaixador, o militar não ficou sem resposta. Um jovem diplomata presente não resistiu e retorquiu: "Tem graça, senhor major. No meu caso, sempre tive como ambição de vida ser comandante da Região Militar Norte"...

O major, inteligente e perspicaz, entendeu o recado. E mudou de conversa.

*****

2. Não sou bruxo. Mas, em 10 de novembro de 2017, escrevi na minha coluna no “Jornal de Notícias” um artigo de que respigo este extrato:

“Mário Soares confessava ter chegado ao palácio das Necessidades, após o 25 de abril, com fortes interrogações sobre a carreira diplomática que, antes da Revolução, tinha defendido externamente as políticas do regime derrubado, nomeadamente a política colonial. Mas rapidamente se terá apercebido de que, com muito escassas exceções, o corpo de funcionários que o MNE punha à disposição do novo regime era constituído por dedicados servidores públicos, com grande sentido patriótico e lealdade funcional ao Estado. 

A democracia e a estabilidade da sua representação externa muito ganharam com a continuidade que Soares então preconizou e veio a prevalecer. Isso não impediu que, em ciclos políticos diferentes, o novo regime não tenha sido tentado a nomear quase uma trintena de “embaixadores políticos”. Desde 2011, não há nenhum chefe de missão exterior à carreira diplomática portuguesa, mas sinto que a tentação poderá não ter desaparecido por completo nas nossas hostes político-partidárias, da esquerda à direita. Espero que a maturidade da democracia portuguesa seja suficiente para, no futuro, ser capaz de resistir às tentações e que o chefe do Estado disso seja um guardião atento.”

*****

3. Acabo de ler que o professor António Sampaio da Nóvoa, antigo reitor da Universidade de Lisboa e candidato à Presidência da República - candidatura a que dei o meu apoio público e o meu voto privado - foi indicado pelo governo para vir a assumir a chefia da representação diplomática portuguesa junto da Unesco.

Sem retirar, naturalmente, uma linha que seja ao que escrevi nos pontos anteriores, quero aqui desejar ao meu amigo António Sampaio da Nóvoa as maiores felicidades no futuro exercício do cargo. Tenho a certeza de que o fará com o brilho e o elevado sentido de Estado que sempre demonstrou em todas as funções públicas que até hoje desempenhou. Para o bem de Portugal.

O regicídio na História


Passaram ontem 110 anos sobre a data em que, na esquina da praça do Comércio para a rua do Arsenal, em Lisboa, o rei dom Carlos e o seu sucessor natural foram assassinados a tiro por dois republicanos, eles próprios linchados nos minutos seguintes ao atentado. 

O debate historiográfico nunca conseguiu definir se este acontecimento ajudou, ou não, a acelerar a implantação da República, que viria a acontecer menos de três anos depois. Teria dom Carlos conseguido evitar o que veio a suceder ou o destino do regime estava já marcado? Ninguém o pode dizer com segurança. A única coisa que parece evidente é que as tensões políticas e sociais que desembocaram no regicídio tinham vindo progressivamente a agravar-se e que nada indicava que o regime pudesse vir a gerar condições para passar a uma fase de maior aceitação popular, compatível com a manutenção da coroa na chefia do Estado, em condições político-institucionais sustentáveis. Bem pelo contrário.

O republicanismo, em especial nos setores maçónicos que haviam estado na base de desgaste da Monarquia, manteve, por bastantes anos, uma aura em torno dos autores do regicídio, Alfredo Costa e Manuel Buíça, tidos como mártires da causa. Com o tempo, porém, foi deixando cair discretamente essas referências, talvez por ter entendido que o culto de um ato de violência extrema era um património de memória em crescente perda de aceitabilidade pública.

É compreensível que os monárquicos portugueses continuem a olhar esta data com o sentimento de que ela representou o princípio do fim do regime em que se reviam. Porém, vendo as coisas com um mínimo de realismo, estou certo de que nem eles próprios ainda acreditam, nos dias de hoje, na viabilidade da reimplantação do regime monárquico, embora abandonar essa esperança significasse para eles desistir da própria causa. 

Pode, contudo, especular-se que, se outros tivessem sido os equilibrios no seio das forças armadas portuguesas durante a ditadura, talvez a Monarquia pudesse ter sido equacionada como hipótese. Mas Salazar, não obstante ter óbvias simpatias monárquicas, sempre considerou que esse cenário induziria clivagens entre os militares, os quais, no final de contas, eram a sua guarda pretoriana. De uma coisa não tenho a menor dúvida: se a Monarquia tivesse tivesse sido recuperada pela ditadura, teria caído com ela. 

Como republicano, por mais de uma vez me tenho interrogado sobre como devo olhar o regicídio. E dou comigo a pensar que querer julgar o passado representa uma visão sobranceira por parte do presente, com os padrões de hoje a tentarem prevalecer sobre quem viveu outros tempos e outras circunstâncias. E, assim, deixo ficar o regicídio na História a que pertence.

quinta-feira, fevereiro 01, 2018

O senhor 5%


Calouste Gulbenkian, de quem herdámos - sim, nós fomos os seus verdadeiros e reconhecidos herdeiros! - uma Fundação que é hoje um dos orgulhos do país, era conhecido no mundo dos negócios como o "senhor 5%", por ter conseguido garantir, pelas artes negociais que eram as suas, uma quota de 5% em várias companhias petrolíferas que operavam no Médio Oriente. 

As receitas do petróleo foram, durante décadas, o sustentáculo financeiro da Gulbenkian, em apoio da magnífica obra desenvolvida, que foi basicamente dedicada a Portugal, em domínios muito variados - da arte à música e ao ballet, da ciência à educação, da promoção da reflexão à edição e divulgação do livro e a mil-e-uma outras dimensões da Cultura. Quantos milhares de portugueses não beneficiaram da Fundação, das suas bolsas de estudo, da sua ação no exterior (Paris e Londres), que nunca esqueceu as comunidades arménias, origem do seu fundador?

O petróleo já teve melhores dias e a Gulbenkian teve de reorganizar os seus ativos por forma a garantir recursos fora desse domínio energético. Foi agora anunciada a alienação das participações petrolíferas da Fundação. Só posso desejar à equipa que hoje gere a Gulbenkian, dirigida pela minha querida amiga Isabel Mota, o maior sucesso nesta que será uma etapa diferente no percurso da casa.

Deixo-os com uma fotografia da estátua de Calouste Gulbenkian, que domina o jardim fronteiro à sua belíssima sede. Diz-se que Salazar, cuja relação com o criador da Fundação e seu primeiro presidente, Azeredo Perdigão, não era isenta de algumas tensões, ao ver pela primeira vez essa estátua terá comentado: "O Calouste Gulbenkian parece-me bem. Já o Dr. Perdigão não está lá muito parecido...", referindo-se ironicamente à águia estilizada em pedra que sobrepuja a imagem do fundador.

Educação de adultos


Há uns tempos, contei por aqui a merecida atrapalhação de uma avó a quem ouvi os netos criticarem por não ter estar a respeitar uma fila, num balcão de café. 

Ontem, no Chiado, ouvi, com prazer, um miúdo retorquir para a mãe, que insistia com ele, numa passagem de peões: “Não atravesso! Está encarnado!” 

Tenhamos esperança no futuro!

quarta-feira, janeiro 31, 2018

Cruz de Cristo




Ao final da tarde de hoje, vou estar presente numa cerimónia oficial em que, por razões que não vêm ao caso, terei de usar, na lapela, a insígnia da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, distinção com que orgulhosamente fui distinguido, há bem mais de uma década. Trata-se da mais elevada condecoração, na ordem e no grau, que, como servidor público, eu poderia ter recebido - a menos que, patetamente, me considerasse merecedor da Torre e Espada...

Um dia, em França, onde sair à rua sem a condecoração mais elevada que se possua é quase um ato de descortesia cívica, decidi colocar na “boutonnière” a insígnia dessa minha condecoração portuguesa. Fi-lo a título excecional, porque, em regra, usava o Grande-Oficialato da Ordem do Mérito francês, que me foi atribuída em 1986 - e que, à vista de um “maître” de restaurante, sempre me garante logo uma excelente mesa... Mas, nesse dia, por uma qualquer razão, decidi “pôr o cristo”, como no jargão diplomático se diz.

Entrei numa cerimónia pública francesa com roseta vermelha sobre uma fita amarela na lapela da Grã-Cruz de Cristo e reparei que as pessoas olhavam para mim com um ar estranho, entre o surpreendido e o perplexo. Foi então que um amigo, o embaixador polaco em França, um homem que havia sido chefe do Protocolo no seu país e, por essa razão, muito conhecedor dessa coisas, me observou, discretamente: “Francisco, você não deve usar essa sua Grã-Cruz da Ordem de Cristo em França, como sabe...”

Como dizem os brasileiros, nesse instante, “caiu a ficha”! Ele tinha toda a razão! Há mesmo uma legislação francesa, do século XIX, que proibe a exibição pública, no território francês, das insígnias da Ordem de Cristo portuguesa e da Ordem de Cristo da Santa Sé. Eu sabia disso, mas tinha-me esquecido!

Porque é que isso acontece? Por um motivo simples: essas condecorações são exatamente iguais, no tocante à roseta usada na “boutonnière”, à “Légion d’Honneur”, a mais alta condecoração francesa. E porque, em França, quem usar indevidamente condecorações está sujeito a uma potencial prisão, as distinções similares estrangeiras estão banidas. É claro que, cono embaixador, eu nunca poderia ser preso em França, mas, no limite teórico, poderia ser considerado “personna non grata”. se persistisse em usar publicamente a Ordem de Cristo portuguesa.

Retrospetivamente, posso imaginar o que pensou quem me viu com aquela condecoração: como era completamente implausível que eu tivesse a Grã-Cruz da Légion d’Honneur (até hoje, só vi os presidentes da República francesa usarem-na, porque é de atribuição raríssima!), devem ter julgado que estavam a ver mal ou que eu estava a usar um elemento decorativo de muito mau gosto. Fiquei contente, assim, com o aviso do meu amigo polaco.

Contava-se nas Necessidades que, um dia, a um importante diplomata português foi perguntado pelo embaixador francês, numa receção em Lisboa, se a condecoração que ele exibia era a Ordem de Cristo, embora num grau mais baixo do que a Grã-Cruz. O nosso diplomata, "modesto", terá respondido: "Non! Ce n'est que la Légion d'Honneur"!" (é apenas a "Légion d'Honneur")

A cambada do “alegadamente”

Dias felizes são os que vive a palavra “alegadamente”. Alguns plumitivos, injustamente acusados de serem jornalistas (como dizia o Baptista-Bastos), acordaram, nos últimos anos, para o facto de que, utilizada que seja esta palavra, podem acusar quem quer que seja das maiores barbaridades, sem correm o risco de poderem ser considerados caluniadores.

Assim, quando virem escrita ou dita, nas rádios e televisões, a palavra “alegadamente”, caros leitores, já ficam a saber: os factos referidos na notícia não estão provados e quem a propaga e difunde é um cobarde que, não querendo assumir a responsabilidade do que afirma, se esconde canalhamente atrás do vocábulo. Sinal dos tempos. Estejam atentos!

terça-feira, janeiro 30, 2018

Antologia


Alguns simpáticos leitores têm vindo a propor (sem o menor sucesso) que eu passe a livro textos que por aqui são publicados.

Há dias, uns amigos mais chegados (gosto muito da palavra) fizeram-me uma excelente “partida”: editaram e ofereceram-me um exemplar único de uma antologia de textos que por aqui foram já publicados, mas apenas aqueles onde figuram referências a Vila Real e Viana do Castelo. Ficou um belo volume encadernado, com imagens a cor e 430 páginas! 

Gostei imenso, mas nem assim me convenceram a avançar para uma edição mais alargada.

As palavras e os atos


segunda-feira, janeiro 29, 2018

Dias de rei


As monarquias constitucionais europeias colocam um desafio importante aos soberanos de hoje. Tendo perdido, em todas elas, o essencial dos poderes que caraterizaram um outro tempo do exercício do seu papel no Estado, os reis, raínhas e afins funcionam, essencialmente, como fatores simbólicos de representação do país.

Com uma parte significativa da opinião pública - mais nuns países do que noutros - a colocar em causa o princípio dinástico na chefia do Estado, os monarcas atuais vivem sujeitos a uma atenta observação pública. Na minha perspetiva - embora cada caso seja um caso -, alguns monarcas estão sob uma implícita aferição pública da sua “utilidade”, a qual, porque decorrente da crescente dessacralização das suas funções, se torna dia a dia mais exigente.

Passado que foi, há muito, o tempo da sua intocabilidade pela comunicação social, os soberanos e as suas famílias têm de aguentar esse forte escrutínio, porque as sociedades democráticas não olham com bons olhos os privilégios e as mordomias, obrigando-os assim, cada vez mais, a seguirem uma vida que se assemelhe à do comum dos cidadãos. Os gastos com as famílias reais ou similares são hoje objeto de um debate muito estrito, sendo o respetivo comportamento social seguido com um interesse que vai da medíocre coscuvilhice tablóide à compreensível exigência ética.

Além disso, uma coisa é clara: todos os monarcas, no que toca à vida política, seguem por caminho muito estreito, porque a sua cada vez mais discutida legitimidade dinástica em nenhum instante se pode contrapor às instituições com representatividade democrática. Daí que a palavra dos reis e afins seja de “ouro”. Os reis não podem dizer uma palavra a mais e, em especial, essa palavra estará logo a mais se for vista como inadequada.

Aos reis que não necessitam, minimamente, de se mostrar na arena política o que é pedido é que sorriam e representem com dignidade o Estado. Aos outros, àqueles que a conjuntura obriga a intervir na coisa política, exige-se um imenso bom senso. E o bom senso não nasce necessariamente com as pessoas - e os reis são pessoas.

O rei Juan Carlos, num momento delicado da vida espanhola, revelou um bom senso que, lamentavelmente, foi perdendo numa fase mais adiantada da vida. A popularidade da monarquia espanhola perdeu com isso, somada ao comportamento negativo de outros membros da família real.

A Juan Carlos, que abdicou, seguiu-se Filipe, um novo rei que parecia bem preparado e capaz de assegurar a continuidade. Falhou, contudo, logo no primeiro teste sério a que foi sujeito. O que tem dito sobre a Catalunha, bem como o “timing” dessas intervenções, revela falta de respeito por muitos espanhóis, deixando-se acantonar num dos lados da barricada, não percebendo que não é esse o seu papel. Mais recentemente, ao ter suscitado o caso catalão numa intervenção no Forum de Davos, Felipe VI revelou uma imensa ausência de bom senso e de sentido de Estado.

Se as coisas vierem a correr mal na Catalunha, Filipe VI pode ter contribuído para isso. Se correrem bem, dificilmente terá alguma coisa a ver com isso.

domingo, janeiro 28, 2018

Há dez anos...



Caramba! Eu queria mesmo fazer uma festa pelos meus 60 anos! “Sexagenário” é uma palavra que começa bem e acaba mal, mas que nos oferece um título garantido do “Correio da Manhã” em caso de distração urbana: “Sexagenário atropelado...”. 60 anos era uma idade bonita, madura, quase clássica! Impunha-se uma festa “à maneira”, no Brasil, onde eu estava como embaixador.

Mas aquele dia 28 de janeiro de 2008 ia fugir ao meu controlo. É que o príncipe dom João (só seria dom João VI em 1813), dois séculos antes, havia decidido decretar a Abertura dos Portos da colónia, na sua inesperada paragem em Salvador da Bahia, precisamente no dia 28 de janeiro de 1808.

E não é que o brasileiros comemoravam essa data com oficial entusiasmo, tendo o embaixador de Portugal sido convidado a intervir na imensa cerimónia que teria lugar na Associação Comercial da Bahia, em cuja sede, numa parede, figura este imenso quadro de Portinari, retratando a corte recém-chegada de Lisboa? O dever estava antes do prazer!

Assim, “por mor de” dom João, a festa - porque alguma festa houve! - dos meus 60 anos acabou por ser em “petit comité”. Acabámos a jantar serenamente (lembro-me que bem!), com uma amiga e um amigo, no claustro do belo Hotel Convento do Carmo, em Salvador da Bahia. E acompanhados de uma viúva: a “Veuve Clicquot”...

sábado, janeiro 27, 2018

Para trás


Quando se sai, de carro, da embaixada portuguesa em Paris, na rue de Noisiel, é-se obrigado a circundar todo o quarteirão. Quero com isto dizer que somos conduzidos a passar muito próximo do lugar de onde partimos, com a porta da embaixada de novo à vista. Naquele dia 25 de janeiro de 2013, recordo-me bem de que não fui tentado a olhar, por uma última vez, para a porta de onde acabara de sair.

E, no entanto, aquele era o último dia de uma “aventura” que se iniciara mais de 37 anos antes, quando, em 13 de agosto de 1975, ingressara na carreira diplomática portuguesa. Esse percurso profissional terminava ali, aos 65 anos, idade que iria cumprir três dias depois e que, à época, era o limite para a atividade no serviço externo. Estava tudo perfeito: tinha chegado o termo de um trabalho diplomático que me satisfizera plenamente e, em Portugal, esperavam-me outras coisas agradáveis para fazer (não pensava eu que iriam ser tantas, confesso...). 

Mas - lembro-me bem! - não olhei a porta da embaixada, onde, um minuto antes, me despedira de alguns colaboradores que deixei como amigos, porque nunca olhei para trás em qualquer das fases da vida profissional que cumpri. As “coisas” têm o seu tempo e, no final, esses capítulos fecham-se com naturalidade, sem nostalgias, partindo-se para outra. Sem nunca esquecer o passado, a única vida que existe é o dia seguinte.

Entretanto, passaram cinco anos. Nunca pensei que estes anos acabassem por ser tão bons como foram. Um regresso calmo a Portugal, com trabalho, com tarefas agradáveis de diversa natureza, um reencontro mais regular com a família e com os amigos antigos, a criação de muitos novos e bons amigos, mas também viagens, escrita, comidas, conversas, livros, com saúde qb. Ah! E também algumas polémicas, alguns dissídios e, claro, algumas tristezas. A vida, sem sal, seria sensaborona. Repito: em geral, tudo (mais que) perfeito!

Se fosse religioso, dava graças a deus. Não o sendo, dou graças à vida, que tem sido muito generosa comigo e à qual, como toda a modéstia, só vou pedindo uma coisa muito simples, embora essencial: tempo.

sexta-feira, janeiro 26, 2018

Oito ou oitenta


2005. Eu tinha acabado de chegar ao Brasil. Ele era um quadro superior de uma grande empresa brasileira. Tínhamo-nos conhecido horas antes e, como embaixador português, confesso que estranhei a sua excessiva franqueza. Disse-me abertamente ter vergonha de que Lula da Silva fosse presidente do seu país: um quase analfabeto, que falava um português cheio de erros, sem nível para representar uma nação com a ambição do Brasil. Para ele, o contraste com Fernando Henrique Cardoso, que tanto prestigiara a imagem do país, não podia ser mais chocante. 

Fiquei em silêncio. Como diplomata, fui educado a nunca me pronunciar de forma negativa, perante estrangeiros, sobre figuras de Estado do meu país, por pior que eu delas pensasse (e muitas vezes pensei). E, naturalmente, não me associaria a comentários desagradáveis sobre a personalidade junto de quem estava acreditado. Ele não tinha esse constrangimento profissional, mas o bom senso obrigava a algum recato, face a estranhos, em matéria de apreciações sobre a figura que os brasileiros, com toda a liberdade, haviam escolhido, dois anos antes, para a chefia do Estado.

2007. O Brasil de Lula estava na moda, não da internacional “esquerdista”, mas do mundo ocidental liberal, da iniciativa privada. O presidente brasileiro era então uma grande figura internacional, impulsionado por uma diplomacia eficaz, com visão e ambição. Não havia líder europeu que não desejasse uma visita de Lula, que se revelava um construtor de pontes de entendimento na América do Sul, perante o radicalismo de Chavez ou de Morales. O Banco Mundial e a União Europeia elogiavam os programas sociais impulsionados pelo presidente brasileiro, o biodiesel era uma bela promessa ambiental, o pré-sal petrolífero a garantia de um futuro risonho. E, acima de tudo, a economia brasileira parecia imparável.

Num encontro empresarial em S. Paulo, cruzei-me com aquele meu interlocutor. A conversa já era outra. Lula passara a vedeta do G20, a ambição de chegar ao Conselho de Segurança da ONU não parecia desproporcionada. E aquele meu conhecido exultava, claro, com isso. O tom de apreço pelo presidente era em tudo o oposto do anterior. A certo passo, perguntou-me: “Você conhece pessoalmente Lula? Ele é um génio, não acha?” Ri-me intimamente: afinal, o presidente conquistara o afeto do homem. E era óbvio que estava a ser sincero.

2016. Na noite em que Dilma Rousseff foi julgada pela Câmara de Deputados do Brasil, eu estava por acaso em Paris. Ele entrou no Flore e, ao ver-me, fez uma “festa”. “Já viu que aquela petralha da Dilma vai sumir de vez?”, lançou-me, eufórico. Nem lhe perguntei pelo seu “querido Lula”. O vento tinha mudado, de novo.

Lembrei-me dele agora. Deve estar feliz. O Brasil é assim: ou oito ou oitenta.

quarta-feira, janeiro 24, 2018

Lula


É uma tristeza que a justiça brasileira se tenha prestado a uma evidente instrumentalização política, ao serviço objetivo de um certo Brasil, acelerando artificialmente os seus procedimentos, com a finalidade de evitar que Lula viesse a ser candidato e, muito provavelmente, o futuro presidente eleito do Brasil. 

É uma tristeza que um homem como Luiz Inácio Lula da Silva, que devolveu a esperança a milhões de brasileiros, muitos dos quais tirou da fome e da miséria, se tivesse deixado enredar em práticas e comportamentos que o deixaram à margem da exigência ética que a sua história pessoal e política requereria.

É tudo uma imensa tristeza.

Maria Germana Tânger


A poesia - isto é tão discutível como tudo, reconheço - não é algo que seja naturalmente fácil para o gosto comum. Não falo de rimas populares, do versejo vulgar, refiro-me a textos mais sofisticados e complexos, alguns de leitura não unívoca, que é precisamente onde pode residir a sua maior graça. 

Tenho amigos que, embora cultos, são completamente incapazes de ler poesia, não têm paciência para o que consideram ser um modo rebuscado e artificial de escrita. Quando muito, sabem de cor uns versos que os obrigaram a decorar nas seletas - como a “Balada da Neve” - e, de certo modo, fazem disso a caricatura de toda a poesia, o que no fundo lhes disfarça a falta do gosto que não educaram.

Em minha casa, na infância, a poesia fazia frequentemente parte dos nossos serões. O meu pai lia alto - e achava que sabia ler, o que é também um “estilo” para certos amantes da poesia - alguns dos seus poetas preferidos, que, curiosamente, o destino acabou por fazer com que fossem, em regra, muito diferentes dos meus. Mas “dizia” poesia com regularidade, sabendo muitos poemas de cor, habituando-me a ouvir e, por essa via, a também ler poesia. Houve um tempo - a minha fase ”política” de leitor de poesia - em que próprio tinha decorado vários poemas de Manuel Alegre e de alguns poetas do neo-realismo. Nunca agradecerei o suficiente ao meu pai por esse gosto que me transmitiu.

Ainda hoje me faz imensamente bem sentar-me com um livro de poesia na mão. Não é muito frequente isso acontecer, mas, às vezes, passo um bom par de horas saltitando, de livro em livro, “agarrando’ poemas de vários autores. Tenho imensa poesia pelas minhas estantes e tenho vindo a descobrir, um pouco por acaso, alguns poetas contemporâneos, parte deles pouco conhecidos, de muito boa qualidade. Não sou um leitor silencioso, confesso, quase sempre só consigo ler poesia dizendo-a alto, mesmo que só para mim, o que me afasta de alguma poesia de mais difícil sonoridade.

Serve isto para dizer que devo a Maria Germana Tânger, que agora desapareceu, alguma coisa do meu gosto pela poesia, pelo que também lho agradeço, nesta que foi a hora da sua morte. Foi ouvindo-a a ela, nesse outro tempo da nossa televisão, mas também a Manuel Lereno, a João Villaret e, mais tarde, a Mário Viegas e a outros “diseurs” (não apenas portugueses) que ganhei para sempre o gosto por essa forma diferente, mas magnífica, de literatura.

terça-feira, janeiro 23, 2018

Churchill


Ontem, fui ao cinema ver um filme sobre um período da vida de Winston Churchill. Um belo filme, que vivamente recomendo.

Desde a minha adolescência que tenho uma curiosidade quase sem limites pela política interna britânica. Desenvolvi um fascínio pela fantástica história daquele país, uma nação de gente destemida, orgulhosa, com uma maneira muito própria de estar no mundo, que muito nos ajudou e entender a democracia. 

Vivi em Londres anos suficientes para ter podido apreciar aquela gente e o seu particular modo de vida. Posso ter “mixed feelings” sobre os britânicos, posso considerar insensato o Brexit, posso ter mesmo algum desdém face à sua congénita sobranceria, mas reconheço no Reino Unido um protagonista, quase ímpar, da História universal.

Serve isto para dizer que, nesse contexto, nunca fui tocado pelo fascínio que se criou, e tem vindo a ser alimentado, em torno da figura de Winston Churchill. Reconheço o papel polarizador que teve na resistência à agressão nazi, mas, mesmo assim, não consigo encontrar razões para comungar da devoção que, nos dias de hoje, lhe é dedicada por imensa gente. 

Winston Churchill, de que conheço e li o suficiente para saber dele o que julgo necessitar saber, e que faz parte das figuras históricas a quem reconheço uma elevada estatura, é um doutrinário político que me merece muito pouca simpatia. Pelo contrário, é mesmo uma personalidade cuja postura político-ideológica me desagrada e me causa forte rejeição.

Porque penso isto, muito embora saiba que é politicamente correto face aos ventos dominantes pensar o contrário, aqui deixo expressa esta minha posição.

segunda-feira, janeiro 22, 2018

Queixas

Há dois dias, num funeral, naqueles momentos em que sentimos compulsão para dizer uma graça para desanuviar o ambiente, embora ela não possa ser muito forte para não contrastar com o momento de pesar que vivemos, uma amiga que, tal como muito de nós, se sente fortemente desencantada em face das perdas que temos vindo a ter entre os nossos conhecidos, dizia, sorrindo ao de leve: “Devia haver alguém a quem nos pudéssemos queixar desta ceifa...” Uma voz, ao lado, retorquiu: “Sorte têm os que acreditam em algo “lá em cima”, pois têm uma espécie de instância de recurso”. A conversa entre ateus - porque todos eram ateus - prosseguiu com um terceiro interlocutor: “Eh, pá! Mas esses que acreditam nunca se queixam, porque acham sempre que há razões insondáveis...”. Todos concluímos que não há uma ASAE para a morte.

Nouvelle cuisine


Morreu Paul Bocuse, o mais estrelado dos cozinheiros, a figura mais proeminente da “nouvelle cuisine”.

Há semanas, num restaurante, ouvi uma senhora dizer para o empregado: “Traga-me uma dose muito pequena de risotto. Muito pouco...”

O marido, atento, deixou afastar o empregado e comentou: “Foi por haver muitas pessoas como tu que chegámos à “nouvelle cuisine”, àquelas doses microscópicas em pratos imensos...”

É injusto para cozinheiros geniais como Bocuse, mas não deixa de ter graça!

domingo, janeiro 21, 2018

Qual é a pressa?


Há um escândalo - um imenso escândalo! - que ocorre todos os dias nas nossas estradas e auto-estradas, um pouco por todo o país, mas com uma incidência muito particular na zona de Lisboa. E desse escândalo ninguém fala, porque é um tema em que PS, PSD e CDS mantêm um entendimento perfeito, sobre o qual paira um “omertà” de que, estranhamente, a comunicação social é cobardemente cúmplice.

Esse escândalo, esse atentado à segurança de pessoas e bens, é praticado impunemente pelos motoristas dos presidentes da República, dos presidentes da Assembleia da República, dos primeiros-ministros e de quase todos os membros de todos os governos que, por uma qualquer “bula” legal, cuja racionalidade ninguém entende mas também ninguém questiona, se permitem andar pelo país a velocidades astronómicas, às vezes colando o ponteiro aos 200 km/h, pondo em risco a vida de cidadãos inocentes que não têm a menor culpa de que as equipas de “Suas Excelências” não saibam construir as respetivas agendas com tempo e horas. E atrás desses dignitários, lá vão, à mesma velocidade, os carros com chefes de gabinetes, assessores, adjuntos e “tutti quanti” figuras da corte do poder de turno.

No passado, certos membros do governo usavam mesmo, com regularidade, sirenes nos seus carros e há quem se recorde que alguns vinham de Cascais para Lisboa, todas as manhãs, a ultrapassar loucamente em risco contínuo, com um lampião amarelo colocado no tejadilho, qual ambulâncias a caminho das urgências. Hoje, parece que só se usam umas luzes azuis intermitentes, que sentimos no retrovisor quando esses loucos carros oficiais se nos aproximam nas estradas.

Não estou a falar de caravanas oficiais, em determinados momentos de Estado, ou de missões oficiais estrangeiras. Refiro-me a deslocações de rotina, no dia-a-dia, na ida e volta a uma iniciativa a Mortágua ou a Almodôvar ou a A-da-Gorda. Que necessidade há de conduzirem a alta velocidade?

Este é um escândalo de sempre, que tem décadas! Quando há batedores, o risco é menor. Quando não há, os cidadãos inocentes correm perigo (que é de morte!) com essas correrias insensatas e insanas. Há quem argumente que é por uma questão de segurança! Qual quê? Que risco de segurança sofre o Secretário de Estado a Que Isto Chegou? E a nossa segurança não conta? 

Dir-se-á que esses condutores são hábeis e capazes. Ai é? Também eu entendo que posso conduzir com segurança a 160 km/h em imensas retas e, se o fizer, arrisco-me a apanhar pontos na minha carta. Ao cidadão comum, que paga os seus impostos e tem plenitude de direitos, é permitido ser submetido a testes que lhe permitam “acelerar”? Estou convencido que, fora desses motoristas, deve haver muita gente que sabe conduzir igual ou melhor do que eles.

Um dia disse alguém: “Qual é a pressa?” Por que será que ninguém quer falar disto? 

(Já estou a presumir um comentário: “Nos cinco anos e tal que ele esteve no governo também devia andar por aí “a abrir” “. Pois enganam-se! Todos os motoristas que comigo trabalharam tinham estritas instruções para não excederem a velocidade legal.)

sábado, janeiro 20, 2018

Angola e os seus consulados

Será ignorância da nossa imprensa ou será algo mais? 

Ficou-se a saber que, num documento interno de reflexão, o assessor diplomático do presidente angolano suscitou a ideia de encerrar alguns consulados daquele país em Portugal. 

Quererá isto dizer que vai acabar o apoio consular aos largos milhares de angolanos no nosso país? Ou será que o novo poder angolano pode estar a tentar acabar, por essa via, com a dualidade, até agora existente, entre a embaixada angolana em Lisboa e as estruturas de representação consular do país em Portugal? 

Porquê? Porque alguns consideram, e entre esses “alguns” poderá estar o novo poder em Luanda, que é importante colocar sob o claro comando do embaixador angolano em Portugal as atuais estruturas consulares. Como? Por exemplo, criando secções consulares na embaixada angolana em Portugal, ou terceirizando serviços, como muitos países fazem um pouco por todo o mundo.

Será assim tão difícil de entender isto ou dá grande jeito, a um jornalismo especulativo e sensacionalista, criar a ideia de que esta decisão de rearranjo funcional é um ato hostil a Portugal? Alguém procurou o contraditório sobre esta “notícia” ou isso é já um preciosismo de “velho jornalismo”?

Jorge Sampaio


Jorge Sampaio está em excelente forma. A entrevista que hoje concede ao “Expresso” é de uma extrema lucidez, com um imenso equilíbrio e que muito conforta quem, como eu, se sente feliz pelo facto de ter apoiado, desde a primeira hora, a sua candidatura à presidência da República. 

Sampaio é uma grande figura do nosso regime democrático, que desempenhou o cargo em Belém com um inultrapassável sentido de Estado e de dever cívico. 

Cometeu erros? Claro que sim. Mas nunca o fez para acomodar a imensidão de um ego ou para tentar pré-definir o seu lugar na História. 

Sampaio foi e é um grande homem de bem e um das figuras que honra a nossa democracia. Repito: leiam a entrevista!

Para além da língua

Sei que não é muito popular, nos claustros das Necessidades, questionar os equilíbrios, por mais instáveis que sejam, em que se apoiam os principais eixos da política externa portuguesa. Para quem tem a responsabilidade de gerir esse terreno das nossas políticas públicas parece, por vezes, preferível deixar passar o tempo sobre certos problemas recorrentes, numa dupla lógica: a de que há questões que nunca terão uma completa resolução e com as quais temos de habituar-nos a viver, como se de “conflitos de baixa intensidade” se tratasse.

É hoje, contudo, uma evidência que o tradicional triângulo em que assenta a nossa ação externa vive numa forte ebulição. 

No plano transatlântico, o fator Trump introduziu um grau de imprevisibilidade na estabilidade do relacionamento entre os EUA e os parceiros europeus que não tem paralelo desde o fim da Segunda Guerra mundial, para além de agitar outros cenários geopolíticos em termos preocupantes.

O próprio quadro europeu, tendo como pano de fundo externo essa “novidade” americana, surge marcado pela incógnita do Brexit, que leva o processo integrador por águas políticas nunca antes navegadas. Como se isso fosse pouco, surgem agora, com um vigor nunca antes assumido, dessintonias no plano da adesão a princípios democráticos tidos por comuns, os quais, desde logo, enfraquecem o “soft power” de valores que eram o cartão de visita da “velha” Europa comunitária.

Finalmente, a vertente dos países que se expressam em Português vive um período que convoca escasso otimismo e que, para alguns mais céticos, pode pôr mesmo em causa a validade do modelo institucional a que chamamos CPLP. 

Como não podia deixar de ser, as duas primeiras vertentes - transatlântica e europeia - são as que mobilizam, de forma mais ou menos sofisticada, os nossos estrategas, muito embora sejam precisamente aquelas em que a nossa capacidade de influenciar o rumo das coisas é menor. O mundo lusófono, com os seus problemas é, claramente, um tema menos “sexy”, mais paroquial, que não excita os nossos especialistas. E, no entanto, ele é talvez aquele em que, embora com todas as dificuldades, Portugal tem ainda um peso específico com algum significado.

Ora é neste “nosso mundo” que parece verificar-se uma manifesta ausência de estratégia com sentido prospetivo. Vinte anos passados sobre a instituição da CPLP, não se descortina nenhuma ideia, nova e criativa, sobre o formato do modelo criado. Nenhum esforço sério de reflexão sobre a instituição é promovido, nenhum exercício em torno das “lessons learned” é desencadeado. Somos lestos a perorar sobre o Brexit, Trump ou o conflito sunita-shiita, mas nenhum debate substancial sobre o modelo de relacionamento intra-lusófonos é promovido pelos nossos “think tanks”. Pelo contrário, sempre que surge algum discurso em torno do tema, ele reveste-se de tons auto-congratulatórios e quase festivos. 

E, no entanto, os problemas acumulam-se, sobrecarregando as agendas bilaterais, obrigando a uma desmultiplicação de esforços, centrados no casuísmo dos dramas pontuais – sejam eles as crises ciclotímicas na Guiné-Bissau, os traumas recorrentes na relação com Angola, as “desconsiderações” sentidas por Timor-Leste, os diplomas universitários ou os dramas migratórios com o Brasil. 

Sabemos que a heterogeneidade dos componentes do “clube” é imensa, conhecemos as sensibilidades à flor da pele que sempre marcam as relações pós-coloniais, mas são escassos os esforços para multilateralizar as nossas agendas comuns, com propostas ousadas e desafiadoras. Quase parece que tememos que um esforço para revisitar a narrativa em torno do trabalho coletivo possa abrir uma “caixa de Pandora” que, num instante, possa pôr em causa o edifício existente, por muito frágil que ele seja. Será isso? Se for assim, nunca iremos a lado nenhum. 

Por isso me pergunto se Portugal não poderia, com algum Estado “like-minded”, propor uma grande conferência em torno da CPLP, testando a montante algumas ideias criativas que, pelo menos, nos permitam sair do rame-rame pouco prestigiante em que nos deixámos cair.


(Dedico este texto à memória do embaixador António Russo Dias, que ontem desapareceu, e que nunca desistiu de pensar o mundo pós-colonial português.)

sexta-feira, janeiro 19, 2018

Verdade e confiança



Há uma batalha no mundo das notícias que parece não ter sido ainda percebida pela maioria dos meios de comunicação social. Essa batalha vai acabar por ter vencedores e vencidos. É a batalha pela verdade.

Poluída pelos vícios das redes sociais, empurrada para o terreno digital onde ainda não consegue gerir com eficácia a opção pelas assinaturas e os modelos de publicidade, muita da comunicação social deixou-se colonizar, da pior forma, pelo sensacionalismo, na busca dos títulos “espertos”, que convocam o “clickbait” para mostrar as visitas aos anunciantes. 

É impressionante como órgãos sérios e responsáveis parecem, no dia-a-dia, convertidos em adeptos de truques para iludir o leitor. Ao fazê-lo, ao “venderem gato por lebre”, esses meios de comunicação social não se dão conta de que estão a cavar a sua própria sepultura. É que, podendo ganhar algumas vantagens no domínio publicitário imediato, através de um público seduzido pelo sensacionalismo, perdem progressivamente crédito e bom nome. E isso, como é dos livros, dificilmente se volta a recuperar.

Como frequentador de muitos “sites” e espaços digitais, dou comigo a fazer, cada vez mais, uma separação do joio que está no meio do trigo. Porque alguns desses espaços me dão, por sistema, notícias ilusórias, me tentam iludir através de títulos “hábeis” e “leads” enganadores, vou tendendo, quase inconscientemente, a deixá-los de parte. Tenho a sensação de que, a cada dia que passa, crio uma espécie de “lista positiva” daqueles produtores de informação de onde saio com a sensação (porventura ilusória, dirão alguns) de que o produto que me é servido tem uma relação mais forte com a verdade. Estou perfeitamente convicto de que este será o caminho do futuro.

Com efeito, mergulhado num manancial de notícias, o leitor tende a apreciar cada vez mais a informação abalizada, com a apresentação equitativa da posição das partes, mesmo se acompanhada por uma opinião bem identificada, por uma assinatura prestigiada, em que o leitor sabe que pode acreditar, com vista a formar a sua própria opinião. O leitor do futuro - curiosamente, tal como o do passado confiava em que “se já saiu na imprensa é porque é verdade” – vai tender a aceitar que uma coisa é verdadeira se acaso a leu num orgão de comunicação em que, por amostragem cumulativa, se habituou a confiar. E, com toda a probabilidade, na lógica que fazia o sucesso dos “anchors” das tv anglo-saxónicas, vai olhar a cara da pessoa que lhe lê ou escreve as notícias e nela vai encontrar a empatia que credibiliza aquilo que ouve ou lê e em que acredita.

Os orgãos de informação devem entender que o seu sucesso, a prazo, passa por serem reconhecidos como “pessoas de bem”. A confiança vai ser a chave da informação no futuro.

Que bela vida, António!


Caramba, que bela vida, António, aquela que tu tiveste! Ainda há semanas, falávamos de Moçambique, em que tu recordavas uma infância feliz. Essa África que voltaste a reencontrar na Guiné, a esquina da vida onde esbarraste com a tua felicidade, sob o nome de Paula, para sempre. Antes, tinha sido a Lisboa das avenidas que só foram novas quando nós também o éramos, o teu Vává, o Cénico de Direito, a barra do Gambrinus, a Tilt (ainda alguém se lembrará?). E, claro, o “eme-erre” que nunca deixavas cair, face às minhas teimosas ironias. Só te conheci no MNE e, a partir daí, no teu trajeto pelo mundo - um mundo a que um dia ambos demos uma volta completa, para inveja de muitos (essa ninguém nos tira!). Tu, António, eras um viciado em amigos - muitos, diversos, bons e alguns assim-assim - para quem tinhas uma tolerância que, às vezes, me parecia que não rimava com a tua extrema exigência contigo mesmo. Logo tu, que rimavas tão bem. Qualquer dia, prometo que faço uma antologia do “Malta da Rima”, esse efémero e secreto blogue a três em que tu e um amigo que agora está ministro me davam abadas de qualidade poética, que me levaram a sair de cena, cabisbaixo de modéstia. Ainda antes, lembras-te?, falhámos o projeto de criar um site sobre trívia, uma arte nobre a que, por uns anos, nos dedicámos e em que trocámos boas descobertas, pelas livrarias que lá fora cruzávamos. No dia de hoje, acho que já podemos revelar que éramos só nós os dois o irreverente “Luís da Cunha”, o “coletivo de diplomatas” que, no fechar dos anos 80, assinou no “Expresso” dois artigos que criaram fúrias no terceiro andar das Necessidades (o do poder de turno, para quem não saiba). Resta muito, resta quase tudo, restam os livros e os filmes, resta o que foi o Procópio, a “dois”, o imenso Nuno, a festa noturna, o “Espírito de Xabregas”, o poder da tertúlia, as conversas em cacho, pela madrugada dentro e, claro e sempre, a política, onde muitas vezes divergimos no que me parecia acessório. E quantos jantares nossos pelo mundo (Brazzaville, Cantão, Honolulu, Viena, Bangkok, Estrasburgo, Sidney, Maurícias, Paris, Fidji, Serajevo, Los Angeles, sei lá bem onde mais!) e um longo almoço nosso em Lisboa, que guardo para sempre, com o Zé Correia Pinto, ouvindo o Carlos Antunes a pintar as suas romagens clandestinas com o Cunhal pelos idos de Leste. Para o mundo e para a história irónica do nosso grupo, ficará nos anais do YouTube a tua imagem televisiva, o teu colete bege (o Nuno teimou sempre que “lhe cheirava” a Armani, eu achava que era apenas Coronel Tapioca), no tornear elegante do carro em que, lá por Bissau, levaste um dia o Nino Vieira para porto seguro. Agora, só para mim, caro António, ficará para sempre aquela chamada que me fizeste, dois minutos após as badaladas da entrada em 2018. Um telefonema que me alegrou tanto quanto me entristeceu profundamente, porque a tua voz revelava que este ia ser o ano em que a tua bela e extraordinária vida iria ter a longa e eterna pausa.

quinta-feira, janeiro 18, 2018

O Portugal de Leste


Há dois dias, estive em Castelo Branco, num debate promovido pela Caixa Geral de Depósitos, em articulação com a Rádio Renascença, em que foram debatidos os temas da interioridade, trazidos à realidade próxima pela tragédia dos incêndios.

Lembrei-me então de um artigo que escrevi, vai para dois anos, no saudoso “Diário Económico”. Chamava-se “O Portugal de Leste”. Reli-o e acho que representa muito do que continuo a pensar. Aqui o deixo, de novo:

Há dias, numa conversa com alguém com responsabilidades políticas, fui surpreendido pelo raciocínio de que "o interior é hoje um mito", de que "com as acessibilidades agora existentes, em menos de duas horas qualquer pessoa se desloca das zonas de fronteira até ao litoral e vice-versa", pelo que é "um imenso erro estar a despejar dinheiro em áreas onde ninguém quer viver".

A regionalização é um tema divisivo na sociedade portuguesa e eu próprio nunca me senti muito seguro sobre a bondade da criação de um modelo organizativo que implica novas e dispendiosas estruturas, cuja relação custo-eficácia está ainda por estabelecer. Mas tenho de reconhecer que o preço da "não regionalização" é hoje também muito elevado, no que isso significa em termos de expressão da vontade e interesses de certas regiões do país.

Foi A.H. de Oliveira Marques quem fez notar que, já desde antes da criação da nacionalidade, se estabeleceram no território do que é hoje Portugal redes viárias que vieram a favorecer a divisão vertical do país. Com os séculos, foi-se criando cada vez mais no país um "muro", em termos de desenvolvimento, que hoje separa o "Portugal de Leste" do litoral desenvolvido. Um tanto surpreendentemente, a democracia e a integração europeia não contribuíram para contrariar esta realidade, que também não foi alterada, como se esperava, pela cooperação transfronteiriça.

Quando passei pelo governo assisti, com algum espanto, à explanação de propostas estratégicas que tinham no seu centro modelos de desenvolvimento exclusivamente assentes no litoral, na criação de uma espécie de "metrópole" ao longo da costa, concentradora das atenções, dos recursos e, naturalmente, de pessoas. O interior, se não era "só paisagem", não ficava muito longe disso.

O modelo das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional hoje existentes é uma aberração que favorece o prolongamento desta discriminação, que traz consequências trágicas em termos de ordenamento do território.

Que tem a zona industrial do Porto a ver com a desertificação do nordeste transmontano, qual é a similitude de abordagem das questões que afetam Aveiro e Coimbra com as zonas fronteiriças das Beiras? Não estará a região transmontana muito mais próxima, em matéria de interesses, da Beira interior (ou mesmo, no limite, do Alentejo oriental)? Precisamente porque hoje existe uma multiplicidade de evidentes interesses comuns, não seria de estabelecer uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Interior Norte e Centro, amputando para tal as duas CCDR dessas áreas?

Mais difícil do que lutar contra interesses instalados é combater mentalidades enquistadas em modelos mentais que alguns se obstinam em não abandonar. É preciso lutar para derrubar o “muro” que separa internamente o nosso território, é necessário lutar pelo "Portugal de Leste" e, de uma vez por todas, caminhar para a unificação do país.“

Sexo e diplomacia


Acabo de ler uma notícia num “site“ francês referindo-se à representante diplomática americana nas Nações Unidas como “l’ambassadrice de Trump”. 

Isso trouxe-me à memória um episódio e dá-me oportunidade de clarificar alguns conceitos básicos.

Um dia, em Paris, no final de um almoço em que estive presente, no período de perguntas e respostas, um secretário de Estado francês dirigiu-se a uma embaixadora de um país da União Europeia tratando-a por “madame l’ambassadrice”. A minha colega foi “aos arames”, interrompeu o governante e disse-lhe que considerava menos correto ser chamada de “ambassadrice”, termo que designa a mulher de um embaixador. “Madame l’ambassadeur” era como exigia ser tratada. O ministro replicou que aquela era a sua língua e que, ao utilizar essa palavra, sabia que estava a utilizar a expressão correta. A embaixadora sentiu-se ofendida e deixou a sala.

O ministro tinha razão... mas a embaixadora também. Na língua francesa, é vulgar designar as figuras femininas que desempenham cargos de chefe de missão diplomática por “ambassadrice”, expressão exatamente idêntica à que se utiliza para as mulheres dos embaixadores. Mas também há muito quem considere que devem utilizar-se palavras diferentes para as duas funções, o que implica não feminizar a palavra “ambassadeur”.

Na língua portuguesa, as coisas são bem mais simples. A mulher do embaixador é designada por “embaixatriz” e a diplomata que exercer a chefia de uma embaixada é designada por “embaixadora”. Não há, contudo, nenhum termo que possa identificar o marido de uma embaixadora ou de um embaixador. E refiro isto porque, desde há semanas, há um embaixador português casado com uma pessoa do mesmo sexo, facto já bastante comum em várias carreiras estrangeiras mas que julgo ser a primeira vez que acontece na diplomacia portuguesa.

quarta-feira, janeiro 17, 2018

O mar das Necessidades


Gosto dos livros de cerca de 128 páginas. Nem são "pesados" demais, neste tempo em que ninguém tem tempo, nem curtos de menos, como uma espécie de sumários desenvolvidos que por aí pululam. Fazem-me lembrar a coleção "Que sais-je?", que acompanhou a minha formação e que, ainda hoje, constitui um elemento permanente de consulta. Pode mesmo ser que, em breve, eu escreva um livro desse tamanho...

Duarte Bué Alves, um diplomata nascido nesse ano glorioso de 1974, teve a ousadia inspirada de escrever sobre um dos mais importantes capítulos do nosso futuro como país: o mar e o modo como o devemos tratar, no quadro da promoção externa dos nossos interesses. Chamou-lhe, quase poeticamente, "Diplomacia Azul", embora esclareça, logo a abrir, que estava a falar de política externa e não do seu modesto braço executor.

O livro é refrescante, como o próprio mar. Não é uma obra académica, muito embora não fuja a esse paradigma referencial, como o assinala o presidente da República na nótula com que honrou o trabalho. Para além de um enquadramento histórico rigoroso e útil, nomeadamente no que respeita à ligação de Portugal ao mar, em especial aos quadros reguladores multilaterais que hoje norteiam o tema, o autor avança pela importantíssima "economia azul", que, com toda a certeza, acabará por ser a alavanca do interesse futuro neste domínio. Aborda também, embora de forma menos consensual, a questão da NATO e do (por ora "falecido") TTIP nesse contexto, tomando posição, como convém ao debate de ideias.

Com total franqueza, gostei muito de ler este livro e gostei, especialmente, de ver um jovem colega (ele devia dar os primeiros passos quando eu já andava pelos claustros da casa) ter a iniciativa de se embrenhar, com a necessária profundidade, numa das áreas a que as Necessidades devem, cada vez mais, prestar a maior atenção. Quanto mais não seja porque muitos estão já a prestar grande (e preocupante) atenção ao mar português.

Que pena tenho que Duarte Bué Alves, que felicito vivamente por este seu trabalho, já não tenha podido contar, com a ajuda, para a construção do seu livro, dessa figura magnífica que foi Mário Ruivo, a maior personalidade que Portugal teve, até hoje, neste domínio, amplamente reconhecida pelo mundo multilateral e que nos deixou faz agora um ano.

Bacalhau das eleições


Alguns atos eleitorais partidários têm sido bons exemplos de como se deve combater a abstenção. 

Ao que consta, para além do “voluntarismo” na inscrição de novos militantes, somado à “generosidade” do pagamento maciço de quotas, há por ali um mundo de empenhamento “cívico”, nomeadamente na “facilitação” dos transportes, que a democracia só pode agradecer. 

Não se pense, porém, que há partidos inocentes no nosso mundo político. A luta pelo poder político tem fronteiras éticas bastante flexíveis...

A propósito disto, lembrei-me que, em casa do meu avô materno, sempre que se servia uma caldeirada de bacalhau, todos se referiam a esse prato como o “bacalhau das eleições”.

Nesse tempo, que era o da minha infância, eu mal sabia o que eram eleições - aliás, a exemplo da maioria dos portugueses, a quem a ditadura apenas prodigalizava uma espécie de “genéricos” falseados do verdadeiro sufrágio.

Mas, se assim era, por que diabo se falava no “bacalhau das eleições”?

Uns anos mais tarde, um tio esclareceu-me. Aparentemente, durante a Primeira República, a luta eleitoral em certas áreas de Trás-os-Montes passava pela atração para a mesa de voto, através da oferta de uma “bacalhauzada” em forma de caldeirada. Os escassos inscritos tinham assim um estímulo mais para se deslocarem para exercer o seu direito cívico. Desde que votassem no candidato que oferecia o “bacalhau das eleições”, bem entendido! 

À época, devia ser barato: não se dizia então que “para quem é, bacalhau basta”?

segunda-feira, janeiro 15, 2018

Estranho


Passei três dias em Arraiolos. Regressei ontem. No regresso a Lisboa, escrevi um post no meu blogue Ponto Come a promover a gastronomia da região. Hoje, Arraiolos foi o epicentro do mais forte sismo no continente nos últimos vinte anos. O que é isto?

domingo, janeiro 14, 2018

Alentejo à mesa



No meu blogue Ponto Come, podem ser lidas algumas sugestões gastronómicas na zona próxima de Arraiolos.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...