Tenho a sensação de que as pessoas, em Portugal, deram escassa importância a algo de muito significativo que ocorreu na passada semana: refiro-me à reação da comunicação social internacional à crise do BES e à reciclada imagem que Portugal projetou de novo, a partir de então.
Portugal é um país muito pouco importante para o mundo exterior. De nós, e à parte alguns poucos que nos conhecem melhor, está feita por aí uma caricatura simplificada, só a espaços verdadeira na sua crueldade: um país pobre, uma economia frágil e sem capacidade competitiva, uma democracia recente (?) e em tensão, uma sociedade com os vícios comportamentais ditos da latinidade ou da "preguiça" mediterrânica. Damos ainda de nós mesmos a imagem de quem exporta mão-de-obra a que não sabe dar futuro, porque, de forma endémica, somos incapazes de sustentar os nossos episódicos sucessos. Dizem-nos um país que não soube aproveitar aquilo que a Europa nos "deu", alimentado por pequenos compadrios e grande esbanjamento. E, claro, dizem também, para nosso gáudio patriótico, que somos simpáticos, geralmente humildes (Mourinho, Ronaldo e Saramago são as exceções), prestáveis, acolhedores - do "hostel" à tasca da esquina. A crise de 2011 confirmou aquilo de que muitos desconfiavam: que não tínhamos condições para pertencer ao euro, para cuja entrada, com toda a probabilidade, havíamos feito um hábil "autoretrato" sincrónico da nossa economia. É assim que muitos nos olham, podem crer. Às vezes com pena, outras com sobranceria, frequentemente com ambas.
O modo como a austeridade por aqui passou também confirmou, a esses mesmos olhos, que somos passivos, sofredores, quase subservientes. A Irlanda e a Grécia conseguiram vantagens com a "troika" que o governo português (por incompetência? por seguidismo? por complexo de "bom aluno"?) nem sequer ousou reclamar. Os estrangeiros olharam para os vidros intactos das montras durante as nossas manifestações, compararam-nos com a "fogueira" da praça Syntagma ou com a agressividade nas Puertas del Sol e interrogaram-se. Admirativos? A palavra "admirar" tem dois sentidos e um deles não devia ser bom para o nosso orgulho.
Foi esse mundo que, na passada semana, voltou a olhar para nós, através do "caso BES", para a procrastinação decisória da família Espírito Santo (que, para muitos observadores externos, começa a ser vista como "famiglia", podem crer!), para o incrível alheamento, por muito tempo, dos responsáveis políticos (a quem o virus liberal parece ter toldado o sentido da responsabilidade de Estado), para o passo de tartaruga da supervisão (que, uma vez mais, não soube prever o "tsunami" e que, nas horas que correram, devia estar a ler o FT com dois dias de atraso) e até para o incrível tempo que o "dream team" da nova gestão do banco levou a forçar a sua chegada aos cadeirões de couro do 15º andar do 195 da avenida da Liberdade. Portugal projetou a imagem do filme de um desastre em "slow motion".
E o que se viu? Viu-se a imagem do país, que havia sido retocada pela leve aguarela da "saída limpa", a desfazer-se com fragor em poucas horas, com o "rating" da República, apenas sustentado pela política do BCE, sob pressão do "caso BES", como se o mundo se preocupasse com as subtilezas das diferenças entre o BES e o GES e, dentro deste, cuidasse em distinguir as amigalhices da PT, as trapalhadas angolanas ou os "erros" do já famoso "contabilista do Luxemburgo" - aliás, um belo título para um "financial thriller" de Paul Erdman. E logo se viu Portugal, como um todo, a ser lido como um país uma vez mais em profunda crise, financeira e quiçá política, um incurável "doente europeu", causador irresponsável de instabilidade para os parceiros. Olhem-se as capas do "Wall Street Journal", do "Financial Times", as reportagens da CNN ou da BBC. Por todos esses espaços, regressou a imagem do país frágil de que falei no início desse texto. Imagem que, infelizmente, não se vai afastar, por muito tempo*.
Em política, dizia já não sei quem, "o que parece é". E, com o caso do BES e com o comportamento inapropriado (hoje deu-me para os eufemismos diplomáticos) das autoridades portuguesas, demos a imagem de uma República também não sei bem de quê. Nem o futebol ajudou, caramba!
* sobre a imagem que Portugal projeta nos outros, e para quem tiver algum tempo, deixo este link.
* sobre a imagem que Portugal projeta nos outros, e para quem tiver algum tempo, deixo este link.