domingo, março 16, 2014

Financial Times

Creio que nunca, neste blogue, foi publicado um texto em inglês. Mas, desta vez, decido abrir uma exceção. O "Financial Times", um dos melhores jornais do mundo, famoso pela sua infuência nos mercados e na elite das elites, inseriu, no seu número deste fim de semana, um artigo que, muito provavelmente, fará mais pela promoção dos vinhos portugueses no mundo que muitos "roadshows" que por aí se organizam.

A figura central do texto é João de Vallera, o embaixador português junto da corte de St. James. Ler o que sobre a sua ação surge no artigo é, para um velho amigo, um imenso orgulho e, para a sua profissão, que tão maltratada tem sido, uma saudável "vingança":

João de Vallera, Portuguese ambassador to the UK, and a confirmed enophile. Belgrave Square is one of London’s smartest addresses, giving its name to Belgravia, the rich kernel of one of the world’s richest cities. It is not the natural milieu of scruffy wine writers but, thanks to João de Vallera, the current, unusually wine-minded Portuguese ambassador to the Court of St James’s, we have all been trotting along to number 12 Belgrave Square on a regular basis. The Portuguese embassy is the handsome three-storey stucco mansion on the square’s northwestern corner (the Spanish ambassador lives on the southwestern corner) and so far, this year alone, it has been the setting for a Wine Society event showcasing the wines of Luis Pato; a Baga Friends celebration of the characteristic grape of the northern wine region of Bairrada; the 10th Wines of Portugal Awards dinner; and a presentation of the exciting table wines that the Douro Valley, home of port, is producing.

Tim Stanley-Clarke, wine trade veteran and UK representative of the Symington port family, says: “I would put João top of the vinous Richter scale of the Portuguese ambassadors I have known over the past 30 years. He really loves wine and knows quite a lot about it.”

Danny Cameron, the chairman of the association of Portuguese wine importers in the UK, is another fan. “He has a great sense of humour and a great sense of humanity. And, above all, he loves good wine. Whenever I have a meeting or telephone call with him, it’s never completely about the next event, or whatever else, because he always slips in a comment about something he has tasted recently, or wants to discuss a particular vintage of something.”

As I settled in to my seat next to de Vallera at the awards dinner in the frescoed dining room recently, he said with some pride that the room had recently housed a catwalk. “There are three areas I take a personal interest in,” he confided. “Fashion and textiles, tourism, and wine. And I am particularly keen on combining the last two.” He was then able to quote the number of hotel rooms occupied by Brits in Portugal last year and, almost, the number of glasses of wine they had drunk. But it is not as though wine is a particularly important export from Portugal. The ambassador reeled off statistics about the country’s exports of machinery, oil, vehicles – all more vital to the fragile Portuguese economy than fermented grape juice.

However, his heart is clearly in wine. According to several independent reports, he even keeps a cutting from this newspaper in his breast pocket, which showed that my average red wine scores are higher for Portuguese wine than for any other country’s. One of my informants adds: “It is really funny because it always takes him some time to find the photocopy among all the little papers he carries with him – but he shows it to literally hundreds of people.”

Portuguese wine producer Dirk van der Niepoort describes the ambassador as “very special, intelligent and really wants to do things for Portugal. He does a lot more than is his duty.” This is his third year in London and this will be his last post, after Dublin (1998-2000), Berlin (2002-2006) and Washington (2007-2010). In Berlin, de Vallera is proud of having converted the sommelier at one of the city’s top restaurants to Portuguese wines, so that by the time he left there were 14 Douro wines on the list. He also religiously attended the Prowein wine trade fair in Düsseldorf. In Washington, he famously shipped the Douro red Quinta do Vale Meão 2004, disguised as olive oil, that was the first Portuguese table wine to feature in the Wine Spectator magazine’s top 100. He was determined that arcane US prohibitions on moving alcohol from New York to the nation’s capital would not rob him of an opportunity to show off this new Portuguese achievement.

De Vallera earned his ambassadorial status after toiling 16 hours a day at the Maastricht negotiations in Brussels. “Then, as a young diplomat, I was very interested to witness the revolution in Portuguese wine, to see all these new, young winemakers emerging. You used to have to search for good Portuguese wine but now it’s difficult to find a bad one. And even the inexpensive ones are good,” he says delightedly.

He has a particular fondness for the Douro because his maternal grandfather had a port wine quinta there, in the Távora side-valley, the grapes being sold to Barros. He and his family spent every summer there. He was born in Angola, now the second most important export market for Portuguese wine after France, which imports huge quantities of basic port. The youngest of five and seriously threatened by liver disease, he was shipped back to his grandmother in Lisbon at the age of two and hardly saw his parents again until he was six.

As an attendee of the recent New Douro tasting in the embassy, I was struck by the unusual warmth of the atmosphere. So often, a tasting for the wine trade can feel rather impersonal and routine. There are various settings, often used by a range of exhibitors, which have all the charm of the National Exhibition Centre. But in the Portuguese embassy we really felt, rightly, as though we had been invited into someone’s home. The wines were truly exciting, not least because most of the reds were the products of the exceptional 2011 vintage in the Douro Valley. On these pages I have previously written that if you have reason to celebrate the year 2011, you might consider investing in 2011 vintage port. But the quantities made were very small and most of it has been squirrelled away in private collections by now. I would urge you to think seriously about the 2011 Douro red table wines too.

João de Vallera was very much in evidence at this Douro tasting, sauntering between the two handsome reception rooms with a smile framed by his neat, white naval beard, glass in hand and, often, with his beloved Olympus EPM2 round his neck. He even – and this is surely way beyond the call of diplomatic duty – emptied my spittoon.

Poema


Sou da geração errada, 
com licença, vou embora. 
E se a porta for fechada, 
ficamos todos cá fora.

Todos fora, com certeza, 
mas assim mesmo leais. 
Com menos lugares a mesa
as contas ficam normais.


Luis Castro Mendes

Casa da Sorte

 
"Eu não sou daqueles que fustiga o engenheiro Sócrates a dizer que ele é culpado por tudo o que se passa em Portugal. Acho essa ideia absolutamente caricata e ridícula. A principal culpa pelo que se passa em Portugal são fatores externos". (...). "Foi um primeiro-ministro com visão em várias áreas. Ele era vários deuses ao mesmo tempo, depois caiu em desgraça e passou a ser culpado de tudo. Isso é caricato. Ele foi um primeiro-ministro com várias qualidades, um chefe de governo com autoridade e capaz de impor a disciplina no seio do seu governo".

Quem disse isto, hoje, numa grande entrevista ao "Público"? Quando é que "anda a roda"?

sábado, março 15, 2014

Novo Rumo

A conferência "Um Novo Rumo para a Europa", que hoje me coube organizar em Lisboa, não foi o momento unanimista que alguns poderiam esperar. Era essa precisamente a ideia. Ao escolher alguns dos seus intervenientes, tínhamos a clara consciência de que, dentre as pessoas convidadas, unidas pelo desconforto perante a prática política da atual maioria, não existia uma total consonância de pontos de vista.

Isso foi patente, em especial, na questão do "manifesto" sobre a dívida pública. Diria que, sobre o tema, por ali ficaram claras três posições: os que defendem e subscrevem a iniciativa, os que estando de acordo no essencial com o diagonóstico contestam a sua oportunidade e os que abertamente discordam do texto. No termo das várias horas de debate, testemunhado por várias centenas de pessoas, perguntei-me a mim mesmo quantas forças políticas portuguesas teriam a abertura suficiente para acolher um exercício com esta diversidade opinativa sobre um tema tão central da nossa vida política. E, também por isso, dei-me por satisfeito pelo facto de ter tido oportunidade de coordená-lo.

sexta-feira, março 14, 2014

Crispação

Não deixa de ser preocupante e sintomática a polémica criada em torno do "manifesto" sobre a reestruturação da dívida pública portuguesa, apresentado por mais de 70 figuras da nossa vida pública.

Por um lado, estimulada pelo desagrado da reação oficial, desencadeou-se uma onda de acusações aos subscritores do documento, tidos por irresponsáveis e quase anti-patriotas. Setores da blogosfera e comentadores mediáticos na área do poder lançaram ataques de inusitada violência, onde, no fundo, transparecia este sentimento: o "manifesto" é um texto da esquerda a que, por oportunismo, ressabiamento ou "naiveté", certa direita se juntou, acabando por ser "compagnon de route" de uma iniciativa que, sem o afirmar expressamente, contesta a filosofia do modelo de ajustamento seguido. E isto é quase crime!

No outra banda, na margem esquerda, a atitude não foi menos ridícula. A menor crítica ao "manifesto" foi vista como uma ignorante negação da realidade, uma colagem culposa às posições oficiais, com os polícias ideológicos do costume a instaurarem um "rigoroso inquérito" a quem se afastasse da racionalidade da iniciativa. As menores dúvidas quanto à oportunidade da apresentação do texto, qualquer que fosse a opinião expressa sobre o seu conteúdo, foram tratadas com desprezo, qualificados os seus titulares de "direitistas" e, em alguns dos comentários, de "proto-fascistas". Também por aqui, o "patriotismo" só teve uma cor. Embora outra.

Que diabo de país em que nos transformámos, que já não consegue discutir nada com um mínimo de serenidade! E, pior que tudo, de seriedade.

Futebol português

Aos meus amigos de afeição lampiónica e andrade, deixo aqui um muito sincero abraço de parabéns pelas duas excelentes vitórias, que muito prestigiam o futebol português no plano internacional.

quinta-feira, março 13, 2014

José Policarpo

Em 1978, um grupo de cidadãos de diferentes cores políticas e oriundas de setores muito variados decidiu tomar uma iniciativa com o objetivo de reforçar a visibilidade das Nações Unidas no seio da sociedade portuguesa.

Por razões políticas, Portugal apenas em 1955 foi admitido na organização, isto é, cerca de dez anos após a sua criação. Quase de imediato, a política colonial do governo de Lisboa conduziu o país a uma crescente confrontação com diversas instâncias da ONU, que levaria mesmo à sua marginalização em algumas das suas agências especializadas. Na minha juventude, as Nações Unidas eram apresentadas como um "inimigo", uma instância em que Portugal era sistematicamente "atacado" e na qual a nossa diplomacia desenvolvia uma tenaz defesa das posições "ultramarinas" portuguesas. Com uma imprensa censurada, a imagem da ONU que a ditadura expunha tinha um tom sempre negativo, com a ação no seu seio dos países do "terceiro mundo", que apoiavam os "terroristas" que atacavam as nossas "possessões", a ser diariamente diabolizada.

O 25 de abril mudou a perceção de Portugal no plano externo, mas a imagem das Nações Unidas, das suas virtualidades, do fantástico trabalho dos seus diferentes órgãos e agências, ficou ainda longe de ser reconhecido entre nós. Creio que em inícios de 1978, fui contactado para fazer parte do grupo fundador de uma estrutura tendente à promoção da ONU em Portugal. Recordo que tivemos várias reuniões no escritório das Nações Unidas em Lisboa, no edifício Imaviz, tendo eu próprio sido o autor dos estatutos da ACNUP (Associação de Cooperação com as Nações Unidas em Portugal). Tendo partido para o estrangeiro em 1979, desliguei-me entretanto da associação.

Pus-me agora a pensar em pessoas que tinham estado entre os fundadores da ACNUP. Nomes como António Costa Lobo, Carlos Eurico da Costa, João Palmeiro e Rui Machete ocorreram à minha memória. E lembrei-me também que, entre nós, havia uma figura religiosa, um padre que tinha então a seu cargo o setor da comunicação do Patriarcado. Chamava-se José Policarpo.

quarta-feira, março 12, 2014

Demissões manifestas

Armando Sevinate Pinto e Vitor Martins, dois consultores do presidente da República, deixaram os lugares que ocupavam, por terem sido subscritores do "manifesto" que apela à reestruturação da dívida portuguesa.

Deixo aqui um forte abraço a ambos, pessoas por quem tenho um grande respeito intelectual e uma estima pessoal que vem de há muitos anos. Independentemente da posição que ontem aqui expressei sobre a oportunidade do "manifesto", trata-se de um texto cuja leitura vivamente recomendo.

Álvaro Salema

Se fosse vivo, Álvaro Salema faria 100 anos na data de hoje. Já dele falei aqui um dia, tendo também anotado o que Jorge Amado escreveu, aquando da sua morte, em 1991.

António Valdemar fez hoje sair no "Público" um excelente artigo sobre Álvaro Salema, que faz justiça a essa figura maior da cultura portuguesa, insuficientemente conhecida das novas gerações. Aqui deixo o link.

Haverá alguma universidade que se disponha a comemorar este centenário?

Forum das Políticas Públicas


Um Novo Rumo para a Europa

Programas

"New Pact for Europe"

New Pact for Europe

Stakeholders Meeting

Fundação Calouste Gulbenkian

Quinta, 13 mar 2014  |  10:00


Auditório 3

Programa10:00 | Sessão de abertura

Artur Santos Silva
Maria João Rodrigues

10:30 | Discussão sobre as opções estratégicas do projeto
Intervenções | Viriato Soromenho-Marques | Vítor Martins | João Ferreira do Amaral

Moderador | Francisco Seixas da Costa

11:25 | Debate

12:40 | Encerramento

Ver uma síntese possível do debate aqui

João Sobral Costa

Então, João?! Não esperaste pelos 40 anos de abril? Agora que estávamos a semanas de lembrar esses dias históricos no Rádio Clube Português, onde, como oficial da Força Aérea, representaste o MFA, e onde te conheci e ficámos para sempre amigos?! 

Cruzámo-nos imenso nessas semanas da esperança, em que eu tive um período de "aviador" honorário, a ajudar o Zé Manel Costa Neves no gabinete de Galvão de Melo, na Junta de Salvação Nacional. No PREC, seguiste por caminhos mais radicais que os meus, numa deriva de generosidade, pela qual pagarias um preço. Perdemo-nos de vista por algum tempo. Em 1982, em Luanda, reeencontrámo-nos na "receiving line" do 10 de junho. Surpreendidos e alegres, caímos nos braços um do outro e, desde esse dia, passámos a juntar-nos à volta dos teus fabulosos cozinhados, em belos anos de intenso convívio, que guardo para sempre. A vossa casa em Luanda foi, para mim, um ensejo único para conhecer gente muito diversa e interessante, da cultura à política, que, com os teus celebrados petiscos e boa conversa, conseguia atenuar muita da acrimónia que (então ainda mais) tingia as relações com Portugal. Nunca esquecerei também um almoço que ambos por lá organizámos, em minha casa, com o Otelo, em que vocês os dois se engalfinharam numa infindável discussão sobre a autoria do famigerado "documento do COPCON". A vida não te seria sempre fácil por aquelas terras. Recordo a tarde em que te fomos "buscar", já no aeroporto, quando a perfídia de um Torquemada local, com escrita por cá muito louvada, te quis "pôr com dono" da empresa estatal onde ele perseguia portugueses. Já pelo nosso país, aproximámos ideias, em conversas longas pelas noites da tua casa da Luz, contigo sempre a defender, com unhas e dentes, os teus amigos, "right or wrong" (e alguns, desculpa lá!, bem "wrong"). Ser teu amigo era um seguro perpétuo de afetividade! Na última década, comigo outra vez por fora, voltámos a perder-nos, quase que apenas falávamos pelos Natais. Recordo bem a nossa última conversa telefónica, depois da morte do Zé Guilherme, contigo a notar que eu não vos tinha esquecido na lista das amizades essenciais que trouxemos de Luanda, que havia assinalado neste blogue.

Foste-te agora embora, no 11 de março, tu que eras um homem do 25 de abril, que também passaste tempos complexos no 25 de novembro - como há pouco notei ao João Soares, ao Vasco Lourenço e ao Zé Manel Costa Neves, na conversa à tua volta, na capela onde também jaz o Frei Luís de Souza. E à Élia, que a tua morte nos fez ali reencontrar. Tu, sempre um bom gigante, com um coração de ouro, derretido pela tua mãe Isabelinha (que por cá ainda fica, nos seus belos 99 anos) e pela Alzira, mulher feita coragem. À tua volta, na noite de ontem, montámos uma conversa da qual procurámos isentar a tristeza comum, porque sabíamos que não apreciarias ser a razão de um ambiente demasiado melancólico, porque tu tinhas a alegria dos homens sãos e de bem. Falámos muito e tu estavas por ali. Mas não ouvíamos a tua voz forte, as tuas discussões encapeladas, as tuas homéricas teimosias. Estavas ali, mas faltavas-nos. 

Adeus, João.

A dívida

Pensar pela própria cabeça tem um preço. Mas eu estou disposto a pagá-lo.

Há semanas, publiquei num jornal económico um artigo que alguns amigos, que muito respeito, consideraram inconveniente. Nele falava da sensível questão da reestruturação da dívida, procurando tocar nesse quase "tabu". Em síntese, eu dizia isto: "A menos que um perdão parcial venha a ser admitido, associado a uma renegociação de taxas e maturidades, Portugal ficará esmagado por um peso financeiro incomportável. E os primeiros a não beneficiarem dessa situação seriam os nossos credores externos, que não tirariam vantagens de uma economia asfixiada. Eles sabem isso bem. É, contudo, desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável. Mas deixemo-nos de ilusões: cedo ou tarde ele emergirá, dependendo o “timing” do modo como os mercados vierem a ler o grau de abertura do BCE para apoiar as economias europeias sujeitas a uma maior pressão". 

Ontem surgiu na praça um "manifesto", assinado por muitas personalidades respeitáveis e de grande relevo, que propõe a abertura de uma reflexão sobre a reestruturação da dívida pública portuguesa. A iniciativa é do meu amigo João Cravinho, uma pessoa por quem tenho uma imensa estima e grande consideração política. 

Ora bem: eu não concordo com a oportunidade da divulgação do "manifesto". Porquê? Porque apesar de, no essencial, o meu artigo assentar nos exatos pressupostos subjacentes a esse corajoso e bem construído texto, a questão do "timing" continua para mim a ser relevante. De facto, continuo a pensar que é "desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável". E esse tempo, no meu entender, ainda não chegou. Pelo que temo que o peso conjugado das personalidades envolvidas possa vir a ter consequências negativas para a imagem externa do país, por colocar prematuramente a questão no terreno.

Tenho este "azar" de, por vezes, "remar contra a maré". Não o faço por gosto, mas apenas porque é o que penso. E eu, certo ou errado, só digo o que penso.

Em tempo: veja-se o que sobre isto diz Pedro Santos Guerreiro

terça-feira, março 11, 2014

11 de março

Faço parte de uma tertúlia de antigos militares - profissionais e milicianos - que têm como caraterística (quase) comum terem estado "implicados" no 25 de abril. Como a data vai celebrar 40 anos, já se pode presumir a idade média dos convivas... Reunimo-nos "quando o rei faz anos", em almoçaradas de geometria variável e - vale a pena notar! - sem uma necessária identidade de pontos de vista políticos. No que me toca, estou a recuperar de quase uma década de abstinência forçada a esses encontros.

Ontem, tivémos mais uma "sessão de trabalho", desta vez à volta de uma lampreia, de que alguns, menos dados ao ciclóstomo, se "desenfiaram". Muitas histórias, menos sobre o passado e mais sobre o presente a que temos direito, com boa disposição e camaradagem, sendo anotadas as habituais faltas à chamada na "parada". A vida separou-nos e as agendas nem sempre são fáceis de conjugar. Mas é sempre um gosto encontrar esses amigos.

A meio do almoço, perguntei a um dos organizadores - um general que foi meu superior hierárquico, há quatro décadas - se era propositado o facto do repasto não ter lugar no dia 11 de março, uma data bem significativa (mas também bem divisiva) desse ano "quente" de 1975. Ninguém se tinha lembrado disso! Olhámos em volta e demos conta que, precisamente, um terço dos presentes tinha tomado assento, na noite desse dia marcante, naquela que foi a mais famosa Assembleia da história do Movimento das Forças Armadas. Incluindo o autor destas linhas.

Os acontecimentos de 11 de março foram interpretados, à época, como um salto em frente no processo revolucionário. Na realidade, vistas as coisas em perspetiva, o seu saldo acabou por se revelar uma vitória pírrica para o MFA, que, a partir dessa data, agravou as suas divisões internas, a caminho de um beco com traumática saída.

segunda-feira, março 10, 2014

Contenção

Devo confessar que estou espantado com a "contenção" israelita nos dias que correm. A experiência ensinou-me que, quando a atenção do mundo se encontra focada numa determinada região do mundo, o Estado israelita tem por imparável tropismo proceder a ações militares pontuais no seu "near abroad", assim atenuando os (já de si sempre limitados) custos políticos a pagar por essas aventuras. Verdade seja que a procissão, pela Ucrânia, ainda vai no adro...

domingo, março 09, 2014

A Europa e a Crimeia

Teresa de Sousa é, de há muito, uma sagaz observadora das coisas internacionais. Tenho por ela um grande respeito e leio-a sempre com atenção e proveito. Hoje, no seu habitual artigo no "Público" (ser assinante permite-nos consultá-lo a esta hora matutina), suscita uma ideia interessante, resumida no próprio título do texto: "A Europa joga o seu destino na Crimeia". A tese central é a de que, face à atual tensão, e perante o grau de implicação que os americanos parece estarem dispostos a assumir, a Europa tem, na crise ucraniana, a oportunidade "da sua vida" para recuperar a sua relevância, a ser feita através de uma atitude comum, em consonância tática com Washington. O tom das conclusões do último Conselho Europeu anima a articulista, que delas também retira virtualidades para a sobrevivência e/ou reanimação da relação transatlântica,

Muitas vezes estou de acordo com Teresa de Sousa, mas não é este o caso. Acho que a avaliação feita daquilo que resultou da reunião dos chefes de Estado e governo da UE peca por "wishful thinking". A retórica unificada que saiu dessa reunião irá - não tenho disso a menor dúvida - esboroar-se a partir do momento em que a passagem a um estádio superior de medidas "punitivas" a Moscovo (que deverão ser propostas, porque tudo indica que a Rússia não vai ceder no essencial) venha a defrontar-se com as previsíveis reações retaliatórias do "outro lado". Nesse momento, os Estados europeus constatarão que, dentre eles, alguns sentirão mais do que outros o preço de uma quebra dos mecanismos de relação político-económica com a Federação Russa. E isso não deixará de ter consequências imediatas na sua unidade decisória, muito para além da conversa bruxelense, à qual Putin colocará a questão posta por Estaline face à condenação da sua política pela Santa Sé: "Quantas divisões tem o Papa?"

Posso estar enganado, mas tenho a sensação de que a Europa comunitária, com a sombra da NATO a ajudar, acabou por meter a Ucrânia numa "grande alhada". Fê-lo por alguma irresponsabilidade induzida essencialmente pelos Estados bálticos e alguns outros países da antiga "cortina de ferro" - a "nova Europa" de Donald Rumsfeld -, como reconhece Teresa de Sousa, ao falar da "obsessão desses países em continuarem a olhar a Rússia como uma ameaça".

Sei que me arrisco a ser visto como um perigoso "realista", mas nunca tive a menor ilusão sobre a possibilidade da Ucrânia poder exercer o seu pleno direito de opção estratégica. Há "soberanias limitadas"? Claro que há, porque a geografia não se improvisa. Que o diga Cuba.

Tenho hoje a firme convicção de que a Europa perdeu um ensejo precioso de desenhar um modelo de relacionamento "possível" com Kiev, porventura menos ambicioso mas bastante mais pragmático. Um modelo à medida do país muito particular, geopoliticamente falando, que a Ucrânia é e continuará a ser. A União Europeia não percebeu, ou não quis perceber, as lições que deveria ter retirado da atitude russa na crise da Geórgia - e, em especial, da "liberdade" então recuperada por Moscovo para reatuar com maior liberdade nas suas próprias "águas territoriais", em face da então mitigada reação de Washington, secundada pelo já então ineficaz gesticular europeu. Se o tivesse feito, não se deixando seduzir por uma agenda marcadamente anti-Moscovo, talvez tivesse ajudado Putin a reconhecer as vantagens de algum reconhecimento de "respeitabilidade" no plano internacional e apostado na sua adesão, pelo menos formal, a uma ordem global mais dialogada. Não o fez, "armou" em potência e agora resta-lhe "bombardear" Moscovo com comunicados e engrossar a voz. 

Com a presente crise, que ameaça alguns dos seus interesses estratégicos essenciais - a alguém passou pela cabeça que Moscovo iria permitir a indução de riscos no seu acesso naval ao Mar Negro? -, a Rússia já mostrou que está disposta a pagar um preço forte na sua imagem. Nada que um poder essencialmente autoritário não possa comportar. Quem pode vir ainda a sofrer, no rescaldo desta crise, são os opositores internos a Putin, que cada vez mais se sentirá desobrigado de ter de fazer "de democrata". Perdido por cem...

Uma nota final. Se Bruxelas conta com a permanência da intransigência de Washington, no início de um tempo presidencial de fim de ciclo, pode muito bem vir a estar enganada: sem a ajuda prática da Rússia, os EUA não conseguirão retirar as suas tropas do Afeganistão no calendário previsto. E esse é um compromisso que Obama não pode falhar, porque é feito perante o único país que os Estados Unidos verdadeiramente respeitam: a América.

sábado, março 08, 2014

Serviço público

O defeito deve, com toda a certeza, ser meu.

Ontem, assisti na televisão a um espetáculo comemorativo do aniversário da RTP. Foi um momento deprimente, uma sucessão barata de "flashbacks" de segunda ordem, feita de improvisos e de graças gastas, que a falta de reação do público presente muitas vezes viria a "premiar" devidamente. A boçalidade de alguns dos humoristas, com uma linguagem e uma '"elegância" ao nível de "stand-up comedy" de Fernando Rocha, parece provar que já se atingiu por ali o estádio de algum "quimbarreirismo". É uma pena que nem toda a geração pós-Herman José dê pelo nome de Ricardo Araújo Pereira. Mas, aparentemente, cada geração do humor português só pode ter um génio.

Hoje, tive a desdita de assistir a um episódio do Festival RTP da canção. Sei que posso ser considerado masoquista, mas deu-me para ouvir algumas das canções concorrentes. Quem não assustiu, não pode acreditar! Em face de algumas das canções apresentadas, nas suas inenarráveis letras (volta, nacional-cançonetismo, estás amplamente perdoado!) e no modo "gritado" como foram exibidas, com uma coreografia indigente, um espetáculo de Ruth Marlene pode ser considerado um momento sublime. Fomos entretanto esclarecidos que foi a RTP que escolheu os autores convidados para elaborar as canções. Se este é o nível de recrutamento possível, na música portuguesa, para a nossa representação na Eurovisão, então fica claro que continuaremos no terreno dos Homens da Luta, grupo "musical" que tanto nos prestigiou internacionalmente no passado.

É com uma programação a este nível que a RTP demonstra o seu elevado sentido de serviço público.

sexta-feira, março 07, 2014

A prescrição da política

A coima de um milhão de euros a que Jardim Gonçalves havia sido condenado por virtude da sua gestão danosa no BCP não vai ser paga, por prescrição, devida ao protelamento conseguido com interposição de sucessivos recursos.

Aqui, não há dúvida nenhuma, há um "consenso" interpartidário muito claro: não fazer nada!

quinta-feira, março 06, 2014

Kissinger

 
Em tempos de crise, é importante ouvir vozes experimentadas. Podendo não se concordar, em absoluto, com todas as premissas e, mais ainda, com algumas das receitas sugeridas, Henry Kissinger, num artigo no "Washington Post", ajuda-nos a "ler", de forma serena e avisada, a crise uraniana. Será ouvido na Casa Branca? E no Kremlin?
 
Leiam-no, com proveito, aqui

Conversas

Patrick Buisson foi conselheiro especial de Nicolas Sarkozy. Descobriu-se agora que o cavalheiro, uma figura oriunda da extrema-direita, que misteriosamente tinha caído nas boas graças do antigo presidente, gravava todas as conversas mantidas com ele. A revelação está a provocar o natural escândalo. E, uma vez mais, há dois "tempos" nesta história.

O primeiro é a atitude "de Estado", a rejeição indignada deste atentado à esfera privada, ainda por cima, de um chefe de Estado e do seu círculo íntimo. E, pelas televisões francesas, logo se viu o país político a reclamar "decência", "privacidade" e respeito pela "intimidade pessoal". E punição exemplar.

Chegou depois, mesmo logo de seguida, o segundo e espectável momento: o "voyeurisme" guloso do conteúdo das conversas, às vezes travestido de clamor pelo "interesse público", que é uma coisa que o jornalismo moderno identifica com "o interesse que temos em vender isto ao público". A ilicitude primeira do ato passa imediatamente para segundo plano, ao se deparar com comentários saborosos sobre figuras políticas, intimidades do serralho, mais aquilo que não se sabe e estará ainda para vir, no seio das centenas de horas de gravação que parece existirem.

Enfim, um "déjà vu". Nada que as escutas telefónicas que a nossa Justiça é tão useira em "preservar" não nos tenha já ensinado e que pendor coscuvilheiro de alguma imprensa a que temos direito nos não tenha também já ensinado. Porque, como diria o grande Eça, "Portugal é a França traduzida em calão".

quarta-feira, março 05, 2014

Desobediência civil?

O casal de turistas franceses com quem me cruzei hoje de manhã numa rua de Lisboa estava abismado, naquela surpresa que sempre marca as visões caricaturais dos visitantes breves: "Tinham-nos dito que Lisboa era uma cidade calma, mas é sempre assim? Com poucos carros e pessoas nas ruas? É muito estranho! Nem parece uma capital!"

(A França é um dos "mercados emissores" de turistas para Portugal que mais tem crescido nos últimos anos. Esse crescimento fez-se mesmo a contraciclo da crise, como vi acontecer ao tempo em que eu estava em Paris. Detesto explicações baseadas no "achismo" impressionista, mas a crise pode ter feito interessar os franceses por um país barato, amável para o estrangeiro, geograficamente próximo, com bastante segurança e usos e costumes pouco distantes dos seus, além de uma oferta hoteleira e cultural diversificada - do Minho ao Douro, de Coimbra a Lisboa e ao Algarve vai um mundo de diferenças, muito pouco vulgares num território tão pequeno.)

De facto, a manhã desta quarta-feira apresentava uma cidade quase silenciosa, como que parada no tempo, sem engarrafamentos, com lugares para estacionamento, cadeiras vagas nas esplanadas. Cá por mim, gosto muito desta Lisboa quase "de agosto", com um sol de Inverno que faz as delícias de quem transporta consigo mais peso do que aquele que a OMS recomenda (longo eufemismo para gordos, se não repararam).

Ao franceses evitei explicar que o português procura reagir à crise com uma atitude sofisticada. Muitos municípios (que o "memorando de entendimento" mandava reduzir drasticamente e que um silencioso "consenso" entre o PSD e o PS conservou intocados, "à cause des mouches") deram tolerância de ponto no Carnaval e, por artes e arranjinhos, muitos lisboetas devem ter conseguido prolongar a ponte. O governo bem tenta estender as horas de trabalho do funcionalismo, mas o pessoal público, diabolizado pelo discurso oficial e com os bolsos aliviados pelos cortes e pelo fisco, entende dever dar a volta ao texto, não respeitando quem o não respeita. Os privados, verdade seja, também já perceberam "the name of the game" e há por aí muita empresa a meio gaz e bastante comércio encerrado.

Será isto uma subtil forma de desobediência civil, uma resposta profunda aos custos da austeridade? Não, em Portugal é... assim! Este, porém, constitui um imenso segredo nacional (embora lá fora já haja disto umas "vagas" suspeitas), pelo que não quis partilhá-lo com os assombrados turistas franceses. Deixemo-los regressar ao reino dos queijos e das baguettes com esta imagem de um país que, lá por França, se dizia ser habitado por gentes "toujours gais", mas que agora parece terem migrado melancolicamente para dentro de si mesmas.

Oi, Mônica!


Cara Mônica

Neste Carnaval, o meu post vai para si. Salvo alguns leitores do blogue, as pessoas não a conhecem. E é pena. O espírito deste blogue deve-lhe muito. Tempos houve em que você o frequentava com regularidade e em que, com uma simpatia única, nele deixava algumas notas, às vezes de estranheza perante realidades que pouco lhe diziam. Mas sempre terminando "com carinho, Mônica". Isso criou em alguns dos leitores habituais uma relação afetiva consigo. Nunca esquecerei uma frase que um dia aqui escreveu, num tempo de alguma angústia que (já então) me atravessava sobre a situação que o meu país vivia: "tenha um bom fim de tarde sem pensar em Portugal. Pode? Porque acho que está certo. Mas fazer o quê?".

Espero que goze bem esse magnífico Carnaval, símbolo maior de um país que sabe viver o dia a dia com um otimismo felizmente incurável. Conheço mal o seu Carnaval de Minas Gerais. Quando por aí andei, seduziam-me mais coisas como o Bola Preta do Rio, o frevo de Pernambuco ou o trilho elétrico da Bahia. Por cá, Mônica, o Carnaval é diferente, embora às vezes transformado num "genérico" do vosso, com meninas de bumbum ao léu, só que a tremerem de frio sob a chuva, fingindo que está calor.

Deixo-lhe uma foto de um outro nosso Carnaval, bem diferente e bem mais genuíno, que sobrevive no nosso nordeste, em Trás-os-Montes. É herdeiro de uma tradição muito antiga, "avozinho" de rituais que os seus antepassados (não os meus, que foram sempre muito sedentários e por aqui ficaram) levaram para o Brasil e que vocês, com maestria e criatividade, transformaram naquilo que é hoje o esplendor da Sapucaí.

Para si, Mônica, um abraço com carinho do

Francisco

(Sobre a Mônica disse um dia aqui isto.)

terça-feira, março 04, 2014

A propósito da Ucrânia

É talvez uma presunção da minha parte (com a idade, estas coisas tendem mais a acontecer...) mas apetece-me fazer aqui um link para um texto que publiquei há quase dez anos, que agora reli e que, no essencial, corresponde àquilo que ainda hoje penso. Chama-se "As Novas Fronteiras da Rússia".

segunda-feira, março 03, 2014

Guiné Equatorial

Como quase sempre acontece nas questões políticas com dimensão externa, alguma opinião nacional acordou tardiamente para a questão da adesão da Guiné Equatorial à CPLP. E, como também é hábito, fá-lo em registo de algum escândalo, sempre fácil de assumir por quem não tem responsabilidades de Estado mas que gosta de "ficar bem" no mercado da simpatia e das ideias corretas.
 
Valeria a pena, contudo, deixar assinalados três factos simples, à luz do que se lê pela imprensa - que é tudo quanto eu próprio sei sobre o assunto.
 
O primeiro facto é que, durante a anterior cimeira ministerial de Luanda, foi aprovado um "road map" de medidas que a Guiné Equatorial deveria levar a cabo, antes de poder ser considerada a sua possível adesão. Portugal terá sido mesmo o país que exigiu a introdução nessa lista de condicionalidades de uma moratória na aplicação da pena de morte. Se algum "pecado" existe, ele assenta no momento em que o "road map" foi fixado.
 
O segundo facto é que, no plano formal, a Guiné Equatorial estará a cumprir aquilo que lhe foi exigido, pelo que, a confirmar-se essa evidência, se torna agora difícil travar o processo da sua adesão.
 
Finalmente, convém ter presente que Portugal não é "dono" da CPLP. Nesta matéria, desde há muito que está praticamente isolado na sua resistência a nela aceitar a Guiné Equatorial. Ora a CPLP, para quem o não tenha percebido, é uma organização que agrupa esmagadoramente países "do Sul", onde predomina uma cultura de Direitos Humanos mais compreensiva e menos exigente que na generalidade dos países do Norte - com o Brasil a ser disso um exemplo claro.

E, já agora!, o mínimo de bom senso deveria fazer refletir sobre o que aconteceria à CPLP se Portugal, que a "federa" na sua particular qualidade de antigo poder colonial, utilizasse o seu direito de veto para se opor à vontade conjugada dos restantes sete membros da organização.

Em tempo: era bem mais "popular" escrever aqui uma opinião diferente desta, não era?

domingo, março 02, 2014

"Events, dear boy, events!"

Perguntado um dia sobre aquilo que, como primeiro-ministro, mais temia, Harold Macmillan cunhou uma frase que ficou célebre: "Events, dear boy, events!". A doutrina divide-se sobre quem era o interlocutor na ocasião, mas isso não retirou pertinência à frase. De facto, são os acontecimentos, essas explosões da realidade no quotidiano, que marcam a nossa vida, pessoal ou coletiva, e podem determinar mudanças essenciais no seu curso.

Lembrei-me disto há pouco, ao ver as notícias sobre a Ucrânia e o agravamento da tensão internacional. Não sei se é a ingenuidade ou se é o cinismo que me levam a não recear que estejamos na soleira de um conflito bélico internacional. Mas um mínimo de realismo leva-me a pensar que o momento que atravessamos poderá vir a ter consequências significativas na vaga de confiança que vinha a atravessar, nos últimos meses, as economias europeias. E isso não será indiferente para Portugal, que tem vindo a ser um feliz "free ryder" dessa onda positiva, que muito tem contribuído para uma melhoria da conjuntura que "puxa" pela economia do país.

Se acaso tudo se desregular, se a crença na estabilidade europeia for abalada, a fragilidade da nossa recuperação pode vir a ser evidenciada - e isso não são boas notícias para todos nós, para Portugal mas também para os portugueses, aqui divergindo duma luminária política que, em matéria de melhorias, há dias criava uma dualidade patética entre essas duas entidades.

Imagino que o dr. Passos Coelho deve estar preocupado com aqueles acontecimentos e atento aos efeitos que eles podem vir a projetar na nossa vida político-económica interna. É que, se as coisas correrem mesmo mal na economia, a política virá logo atrás. Na hipótese de isso acontecer, de a conjuntura política começar a degradar-se de novo, ele poderá então utilizar, sabe-se lá para quem, a célebre réplica explicativa de James Carville, na campanha de Clinton: "It's the economy, stupid!" 

Alain Resnais

E lá se foi Alain Resnais! Recordar-me-ei sempre da dificuldade de compreensão - que, ao tempo, me pareceu insuperável - que me assaltou quando vi "O ano passado em Marienbad", filme onde me encontrei, pela primeira vez mas para sempre, com Delphine Seyrig. Depois, embora anterior, "Hiroshima, mon amour" reconciliou-me mais com esse tipo de "escrita" fílmica não linear, embora Resnais nunca fosse - nem de longe! - um meu realizador de culto. Por essa razão, nunca acompanhei com muita atenção a sua restante obra. Olhando para a filmografia publicada, verifico que dele pouco mais vi do que "Muriel", "La guerre est finie", o medíocre "Je t'aime, je t'aime" e, depois, o magnífico "Providence". Depois disso, "Mon oncle d'Amérique" é talvez a sua derradeira obra que conheço. 

Concedo que Resnais talvez devesse ter merecido um esforço maior da minha parte, mas cada um é como é e eu sou bastante mau cinéfilo, muito errático e incoerente nas minhas escolhas e, com os anos, cada vez mais incapaz de continuar além de um segundo bocejo ou de forçar a minha atenção face a "propostas" que me incomodem minimamente o quotidiano. Com esta minha teimosa e assumidamente "inculta" atitude, tenho "saído a meio" de imperdíveis obras-primas (no cinema, na literatura, na música, nas artes plásticas), mas tenho assim ganho tempo para fazer outras coisas que mais me divertem. É que só temos uma vida, sendo esta, aliás, a última.

sábado, março 01, 2014

"Um Novo Rumo para a Europa"


Tenho o gosto de organizar e coordenar esta Conferência que pretende refletir sobre outros caminhos para a Europa e, muito em particular, sobre o modo como Portugal aí deve atuar no futuro.

Sem qualquer exceção, todos são bem vindos a esta Conferência.

As idades da diplomacia

Ontem, o meu querido amigo Mário Vilalva, sem a menor dúvida um dos grandes embaixadores do Brasil e um dos melhores que o seu país desde sempre deslocou para Lisboa, contou-me uma deliciosa definição dos três tempos dos diplomatas no estrangeiro.

Assim, um jovem diplomata, acabado de chegar a um posto, quase sempre procura conhecer as melhores discotecas e locais de convívio da gente mais nova. Com os anos, chegado o período intermédio da sua carreira, ao tempo de conselheiro, o diplomata tem como preocupação fundamental coletar a lista dos melhores restaurantes. Um dia, passa a embaixador. Chegado ao seu posto, que lista procurará estabelecer, em prioridade? A dos melhores médicos locais!

A brincar, a brincar, as coisas são mais ou menos assim. No meu caso, cuidei em nunca abandonar os meus vícios de conselheiro...

sexta-feira, fevereiro 28, 2014

A sofisticação da História

Ao tempo do Estado Novo, tinha por hábito ler com atenção um determinado jornalista do "Diário de Notícias", que escrevia sobre política internacional. Era um homem estudioso, que caprichava em opinar sobre regimes políticos existentes em lugares recônditos do mundo, relativamente aos quais elaborava juízos definitivos, muito maniqueístas, colocando-os com grande simplicidade nas prateleiras dos "bons" ou dos "maus" da História.

Porque eu vivia num ambiente que era, em absoluto, simetricamente oposto ao daquele jornalista, quando ele "dizia mal" de algum líder ou regime, ele passava, de imediato, a cair-me no goto. E vice-versa. Era o tempo da Guerra Fria, e, no nosso caso, das guerras coloniais, o que autorizava a ditadura a zurzir tudo quanto soasse a favorecimento de regimes democráticos, com o "terceiro-mundismo" ou o apoio da União Soviética a serem o cúmulo da diabolização. Mesmo algumas atitudes dos Estados Unidos, quando acaso lhes dava para favorecer democracias, não escapavam ao crivo severo do escriba do jornal da avenida que ironicamente já se chamava da Liberdade. Ele era o "fiel" da minha balança ideológica, vista ao espelho. Era tudo tão fácil!

O mundo mudou. Já não há dois sistemas a polarizar as simpatias. O comunismo acabou, mas as democracias não fazem, nem de longe, o pleno do mundo. A tendência em geral prevalecente na opinião pública é, assim, mostrar simpatia pelos movimentos que possam pôr em causa os ditadores ou mesmo os líderes autoritários.

Foi assim no Egito. Todos "estivemos" na praça Tahrir, todos nos sentimos aliviados com a saída de Mubarak, todos saudámos as eleições livres. Depois, ao olharem-se os resultados, alguns de nós perguntaram-se se aquela imensa vitória islamista não poderia vir a ter consequências complicadas. Mas, c'os diabos!, era o voto, era a democracia, era a vontade do povo. Com o tempo, viu-se que essa vontade conduzia a uma radicalização islamizante com tons preocupantes, num afastamento da laicidade pública, a qual tinha, apesar de tudo, algumas vantagens para a vida coletiva de uma sociedade religiosamente tolerante. E, entre alguns de nós, a simpatia por um regime que estava a aproveitar a sua chegada democrática ao poder para criar uma hegemonia totalizante começou a esmorecer. Um dia, os militares reimpuseram o poder das armas. Entre nós, alguns suspiraram de alívio. A outros, começou a preocupar a nova ordem ditatorial, os generais que aí estão de novo. E, um destes dias, quando estes exercerem a violência e a repressão que lhes está na massa do sangue e na ponta das armas, alguns de nós (embora já não todos nós) "voltarão" à praça Tahrir. É a vida!

Porque é que me lembrei disto hoje? Porque, ao olhar para o simplismo com que o mundo ocidental está a reagir face à situação na Ucrânia, me dou conta de que ainda não se interiorizou que estas coisas já se não pintam a preto e branco e que a História, nos dias que correm, é uma coisa muito mais sofisticada. Na Ucrânia, na Síria, na Líbia e por aí adiante.

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Joaquim Paço d'Arcos

Há duas figuras nas letras portuguesas que sempre achei depreciadas pela crítica e pelo "consenso" público: Joaquim Paço de Arcos e Pedro Homem de Melo. Dir-se-á que é o facto de ambos terem sido figuras conservadoras, "de direita", não ajuda a que sejam reconhecidas por um mundo literário onde, diga-se o que se disser, a esquerda continua a prevalecer. Será o caso de Agustina Bessa Luís a exceção a confirmar a regra? Pode haver aqui alguma ponta de verdade, mas há que convir que, mesmo entre os seus pares ideológicos, estes dois nomes foram sempre tratados com alguma sobranceria, sendo a ambos negada ostensivamente a ascensão ao patamar superior da literatura portuguesa. Estou longe de ser um especialista, mas, como simples leitor, e em ambos os casos, isso parece-me injusto.

No caso de Pedro Homem de Melo, Vasco Graça Moura já pôs os "pontos nos is" no prefácio que há muitos anos fez à recolha da obra completa do poeta que a Imprensa Nacional editou. Recordo-me que ofereci esse livro ao meu pai, que tinha uma veneração pela poesia de Homem de Melo a que não era seguramente alheia a sua dedicada escrita sobre o mundo minhoto ("Havemos de ir a Viana..."). E que, ao ouvi-lo declamar alguns poemas, decidi comprar outro exemplar para mim.

Ontem, ao final da tarde, estive numa sessão que o Círculo Eça de Queiroz organizou para celebrar a reedição, num só volume, das "Memórias da minha Vida e do meu Tempo", de Joaquim Paço d'Arcos. Fernando Pinto do Amaral faz uma magnífica evocação do autor e da importância do livro. Guilherme Oliveira Martins complementou-o com sábias evocações. Dois homens de esquerda a saudarem um autor conservador, um excelente prosador, um escritor com uma forte sensibilidade e uma perceção muito rara das idiossincrasias da sociedade portuguesa. Sem alguns dos seus romances, uma certa Lisboa da viragem da metade do século passado é mais difícil de entender. Com estas "Memórias", ao longo dos anos, aprendi muito sobre um certo Portugal. Devo isso a Joaquim Paço d'Arcos e a minha presença na sessão de ontem teve também muito a ver com esse facto.

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Quadra para Maria Luís

Tu queres limpo ou cautelar?
pergunta o mendigo ao pobre.
Quero é ver a troika a andar!
Ficarei com o que sobre.

Augusto de Ataíde (1941-2014)

A título pessoal, só conheci de modo muito superficial Augusto de Ataíde, cuja morte acaba de ser anunciada. 

Augusto de Ataíde fez parte de uma geração de políticos que Marcelo Caetano fez emergir na sua breve passagem pelo poder, a maioria dos quais saídos do viveiro universitário em que o sucessor de Salazar se movia melhor e em que foi cultivando a sua gente. Trabalhou no governo de Caetano nas áreas da Juventude e Educação e, a exemplo de outras personalidades dessa geração política, aportou por alguns anos ao Brasil, na sequência do temor às sequelas do 25 de abril. No seu pacífico regresso ao país da democracia, reintegrou-se na vida universitária e, tal como outras figuras académicas conservadoras, normalmente juristas, com raízes sociais na aristocracia ou com laços com a alta burguesia, foi cooptado por importantes grupos privados para integrar a teia dos seus lugares de representação institucional. A política em liberdade não parece tê-lo seduzido.

Um dia, há já alguns anos, caiu-me nas mãos uma biografia de Augusto de Ataíde. Não era um texto político, relevava do memorialismo pessoal e familiar, com a curiosidade de se centrar muito na sociedade açoreana, um microcosmos a que sempre atribuí uma graça especial. Sem ser uma obra excecional foi, contudo, para mim, uma curiosa revelação, não apenas por me ajudar a compreender melhor o ambiente de um certo Portugal do Estado Novo de província mas, muito em particular, por expor, com uma candura que só pode merecer o nosso respeito, uma séria crise na sua família, que muito terá marcado a existência do autor. Não tinha a menor ideia pessoal sobre Augusto de Ataíde, desde a sua saída da cena política. Com a leitura de "O Percurso Solitário", nome do seu livro, dei-me conta de estar perante um homem de bem, sendo embora alguém que sempre esteve num quadrante que nunca foi o meu. Mas, no que me toca, tenho sempre pena ver desaparecer pessoas de bem, venham elas de onde vierem.

Coluna

Não gostei muito da frase: "como é que escolhes os mortos que destacas no blogue?". Aquele meu conhecido, por ocasião do lançamento do livro de um amigo, ontem ao final do dia, pode não ter sido muito feliz na expressão utilizada. Mas eu compreendo a sua questão. Não há uma lógica subjacente à seleção das pessoas cujas breves notas obituárias por aqui faço. Umas vezes são pessoas amigas, conhecidas ou que o acaso me fez contactar, outras são apenas figuras com maior ou menor destaque à escala nacional ou global. Quase sempre, contudo, é alguém "que me diz alguma coisa".

É hoje o caso de Mário Coluna. Do quinteto maravilha do Benfica de 1966, já tinham desaparecido Torres e Eusébio. Dessa equipa, também se foram Germano, Morais e Jaime Graça. Agora partiu Coluna, que era o eixo dessa seleção que me deu algumas fortes alegrias - e eu teimo sempre em ser grato a quem me faz feliz. Por isso, na morte de Mário Coluna, quero aqui deixar-lhe a minha singela homenagem.

terça-feira, fevereiro 25, 2014

Mala diplomática


A cena passou-se num país com o qual as nossas relações bilaterais não estavam a ser fáceis, nos anos 80 do século passado.

Era sábado e o encarregado de negócios de Portugal, que chefiava a missão diplomática na ausência do embaixador, havia sido chamado de urgência pelo ministro dos Negócios Estrangeiros local.

A conversa começou tensa. O ministro colocou sobre a mesa uma carta, da qual saíam três notas de 100 dólares: "Esta carta ia ser enviada pelo vosso cônsul na cidade de X para a família, em Portugal. Contém dinheiro em "cash", o que vai contra todas as regras. Além do mais, pressupõe ser produto da obtenção de divisas estrangeiras por meios ilegais, porque, como é sabido, há neste país um controlo muito forte da circulação de moeda estrangeira e não temos registo do cônsul ter adquirido os dólares no banco central. Exigimos uma explicação urgente por parte da Embaixada."

O nosso diplomata foi apanhado de surpresa. De facto, era uma situação estranha mas, pensou, era importante falar primeiro com o cônsul e obter a sua versão do assunto. A posse de moeda estrangeira era muito vulgar no país, até porque os diplomatas eram pagos em dólares e havia serviços e aquisições locais que exigiam essas divisas. Já o seu envio por carta parecia muito imprudente. Mais para ganhar tempo do que por qualquer outra razão, inquiriu: "E esta carta ia pelo correio?".

Nesse instante, notou que o ministro hesitou um pouco, antes de esclarecer: "Não, ia na mala diplomática para Lisboa".

O nosso encarregado de negócios teve então um lampejo, recuperou o comando da conversa e retorquiu firmemente ao ministro: "A Embaixada está totalmente disponível para prestar todos os esclarecimentos sobre este assunto mas, antes que isso aconteça, as autoridades do seu país vão ter de explicar a razão pela qual violaram a nossa mala diplomática, contra todas as regras internacionais. E, ainda hoje, vou fazer chegar uma nota de protesto por este acto que, de forma ostensiva, infringe as regras da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas".

O ministro não estava à espera da resposta e foi apanhado de surpresa. Voltou à carga com a ideia da necessidade de obter uma posição sobre a questão dos dólares na carta, mas o encarregado de negócios foi definitivo: "Antes de obtermos, da vossa parte, uma explicação sobre a razão pela qual a nossa mala diplomática foi violada, não diremos rigorosamente nada sobre o seu conteúdo. Aliás, peço, formalmente e desde já, a devolução do resto da correspondência que seguia na mala diplomática, a maioria, aliás, de natureza oficial. Não sei se se dá conta que isto é de uma extrema gravidade, senhor ministro! Os senhores violaram a mala diplomática portuguesa! Isto pode vir a ser um escândalo!".

O interlocutor começou a ter consciência de que a sua posição abandonava um terreno confortável e mostrava-se já um tanto embaraçado. O nosso diplomata saiu da reunião entre o satisfeito e o preocupado, mas sem plena certeza sobre o que se seguiria.

No dia seguinte, o conteúdo da mala diplomática chegou, discretamente, à nossa Embaixada. A carta do cônsul vinha junta... sem os 300 dólares. O encarregado de negócios não chegara a mandar a nota de protesto, até porque, para o fazer, necessitava de uma autorização de Lisboa, que nem sequer obtivera. O "bluff" compensou, ou melhor, custou 300 dólares ao pobre cônsul. E o assunto morreu...

Cenas da vida diplomática, como diria o Lawrence Durrell.

Nota: há bem mais de quatro anos, publiquei esta história no blogue. Hoje, ao ler uma notícia no "Jornal de Negócios", lembrei-me dela.

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Vitória

Uma vitória do Vitória de Guimarães sobre o Benfica "dava-nos jeito", daqui a horas. Vai ser difícil, mas em futebol tudo é possível.

Num domingo de março de 1966 - nesse tempo, o futebol era sempre e só ao domingo - um animado grupo de sportinguistas de Vila Real, no automóvel do Chico Menezes, que a vida castrense haveria de alcandorar ao comando do RI13 muitos anos mais tarde, zarpou pelo Marão, a caminho de Guimarães, para ir assistir ao jogo do Vitória com o Benfica. Uma derrota em Guimarães da agremiação de Carnide facilitaria, nesse ano, a conquista do campeonato pelo Sporting. Ambas as coisas acabariam por acontecer.

Depois de uma almoçarada "das antigas" numa pensão das Taipas, lá estivemos nós - eu, o Chico e o Fernando Menezes, o Olívio Carvalho, o Mourão, o Zé Macário e um outro amigo (o carro era imenso) que tinha um primo que nos arranjou os bilhetes - no recém construído "Dom Afonso Henriques", a mostrarmo-nos mais vimaranenses que os locais, deliciados a ver Costa Pereira encaixar três secos do Vitória. Ainda me recordo da animação no regresso, com pousio para uma jantarada regada a verde tinto, no Príncipe, em Amarante, no clássico largo do Arquinho, criando lastro para as muitas curvas que nos esperavam, serra acima, até à vista de Parada de Cunhos. Nesse tempo, a Brigada de Trânsito, que por lá tinha uma daquelas casinhas amarelas no cruzamento para a Régua, era bem mais complacente... Guardo uma foto do Macário desse grupo divertido, no alto da Penha, comigo, elegante e bem novo, de fato e gravata!

Curiosamente, essa seria a mesma equipa do Benfica, dirigida por Bela Guttmann, que emprestaria a Portugal o quinteto maravilha que, meses mais tarde, nos iria emocionar no Mundial de Inglaterra. Uma equipa que já tinha tido, dias antes, uma humilhante derrota por 5-1 na Luz, frente ao Manchester United. A mesma que também eu teria o ensejo de ver perder de novo, dessa vez para o Braga, a Taça de Portugal, duas semanas após a visita a Guimarães, na única vez que fui ao velho "28 de maio" (anos mais tarde crismado "1º de maio"). É curioso constatar que, numa época que veio a consagrar a sua mítica linha ofensiva no quadro da seleção, o Benfica perdeu tudo quanto podia perder, no plano nacional e internacional. É assim o futebol.

Pois é! E porque, como acima disse, no futebol tudo é possível, uma vitória do Guimarães, logo à tarde, em terras de Carnide, vinha mesmo a calhar. Um pouco de brio, ó gentes do Vitória!

Em tempo: razão tinha eu! Como se comprovou, em futebol, tudo pode acontecer! Desta vez, o Vitória de Guimarães não fez jus ao seu nome! Mas com um golo daqueles nada havia a fazer! Nem Afonso Henriques se aguentaria...

domingo, fevereiro 23, 2014

Coliseu dos Recreios

O modelo das eleições primárias, através do qual um partido escolhe o seu candidato a um determinado cargo através de uma auscultação de um universo mais alargado do que a sua direção política, não tem uma tradição em Portugal. Os EUA já há muito vão por aí e a França começa a testar o modelo.
 
Ontem, durante o congresso do PSD, assistiu-se já a um curioso e atípico "ensaio". Aproveitando o sopro de otimismo que as últimas estatísticas económicas insuflaram no partido, uma revoada de antigos líderes entendeu por bem dar à costa. Se, no caso de Marques Mendes, alguma discrição foi seguida, se Luis Filipe Meneses deixou apenas palavras sobre o passado, já Marcelo Rebelo de Sousa e Santana Lopes aproveitaram habilmente o ensejo para se exporem ao seu eleitorado potencial, numa pouco subliminar pré-prova para as presidenciais.
 
No caso de Marcelo, a sua dualidade de comentador/político, depois da moção de Pedro Passos Coelho o ter excluído da preferência da direção do partido, obriga-o a um exercício, muito inteligente, através do qual, com humor e fidelidade oficiosa q.b., procura tocar a simpatia que sabe que por ele tem uma grande parte da massa "laranjinha" (como ele gosta de dizer) - o que, contudo, pode ser algo diferente de o querer como presidente da República. Veremos se a "performance" foi suficiente para poder gerar o início de uma "vaga de fundo" que o faça "regressar à terra", já que nestas coisas da política nada é "irrevogável", como ele bem sabe.

Já Santana Lopes é um caso diferente. Desde há uns anos, agora ajudado pelo papel na Misericórdia de Lisboa, tem procurado construir uma imagem diversa do perfil "playboy" e pouco "statesmanlike" que os portugueses antes dele haviam fixado, modelo que o seu efémero e patético governo havia ajudado a instalar, de forma indelével, na memória coletiva. O modo pausado como fala, as constantes referências religiosas que pontuam o seu discurso, o registo "humano" e de atenção para com os desprotegidos da sorte que marca uma em cada duas das suas atuais palavras, desenham um retrato que tem pouco a ver com aquilo que sobre ele ainda predomina no imaginário coletivo.

Portugal é um país de memória muito curta. Se para aí estiverem virados, os portugueses podem facilmente vir a esquecer a "vichyssoise" de Marcelo e as "trapalhadas" de Santana. Uma coisa é certa: ambos não deixarão, no momento oportuno, de lembrar ao PSD a "fuga" de Durão Barroso para Bruxelas, se e quando o declinante presidente da Comissão Europeia, esgotadas que sejam as ambições por outras alternativas, entender que não tem outra escolha senão tentar regressar a Portugal via Belém.

A procissão presidencial ainda vai no adro. Mas os vários andores começam a engalanar-se. O pessoal das confrarias começa a vestir as opas, os anjinhos do costume já agitam as asas e os fiéis estão a alinhar-se nas respetivas bermas. Só falta a música, mas ela não tardará.

"A Europa dos cidadãos"

Com comentários de Maria Flor Pedroso e Jorge Wemans, caber-me-á intervir, em 22 e 23 de março, num debate organizado pelo Movimento Católico de Profissionais "Metanoia", a ter lugar em Lisboa.
 

A outra banda

Sempre gostei muito do termo alfacinha "a outra banda". Quando ouço a expressão, utilizada a propósito do outro lado do Tejo, sinto uma imediata simpatia, porque a ligo implicitamente a quem tem uma vida mais dura, mais exigente, que nos deve merecer grande respeito. Ontem estive na "outra banda". Tinha chegado a Lisboa, cerca das seis da manhã, depois de uma ida-e-volta relâmpago, de mais de mil quilómetros, para participar num debate, lá bem no norte, em Chaves. Dormi umas horas e rumei para a "outra banda", inserido num exercício de idêntica natureza.
 
É a Europa, Portugal nela e o que se deve fazer para interessar os portugueses por essa temática que esteve no centro dessas duas conversas, com algumas dezenas de pessoas cada. Nestes dois dias, ouvi muito. Testemunhos desencantados de quem perdeu a esperança numa Europa na qual já acreditou, mas igualmente teimosas profissões de fé num projeto que, não obstante o facto de já ter tido melhores dias, nem por isso deixa de ser, para muitos, uma grande e entusiasmante aventura. E dúvidas, muitas dúvidas, algumas que somei às minhas. E porque a Europa não é uma ideia neutra, ela surge cada vez mais ligada, nos discursos comuns, às questões políticas caseiras, que quase sempre a poluem de algum desânimo.
 
Com o tempo, aprendi que o destino da ideia europeia, da sua popularidade, é isso mesmo, essa permanente dependência das agendas nacionais, das conjunturas, dos altos e baixos da vida dos povos. Para mim, contudo, e sem a menor sombra de dúvida, a Europa continua a ser o lugar geométrico onde se concentra o essencial das esperanças num futuro melhor para Portugal. Mas, às tantas!, isso talvez se fique a dever ao facto das minhas ideias também serem, muitas vezes, de uma "outra banda". 

sábado, fevereiro 22, 2014

"Preparemo-nos! Ide!"

Na sua imperdível crónica no "Diário de Notícias", Ferreira Fernandes falou ontem de Bernard-Henry Lévy, o filósofo francês que estimulou Nicolas Sarkozy à invasão da Líbia e que, recentemente, surgiu, no alto da tensão ucraniana, a estimular publicamente em Kiev os opositores ao regime a rebelarem-se pela força.

A França é muito dada à gestação deste tipo de "guerrilheiros da palavra", de corajosos combatentes com os mortos dos outros, prenhes de gesticulação mediática e com uma avaliação das consequências das lutas ao nível das batalhas de soldadinhos de chumbo. Lévy é um filósofo de algum mérito, com uma expressão mediática constante, uma exagerada exposição da sua figura física e do seu verbo. Veste-se daquilo que os brasileiros qualificam de "esporte fino", isto é, bons fatos com camisa branca aberta até ao terceiro botão, a mostrar o peito, cabelo ondulado e esvoaçante graças à eficácia da laca. Lá o vi, há semanas, no "Flore", em Paris, preponderando numa corte de admiradores.

Na minha terra, em Vila Real, há um exemplo clássico destes estrénuos lutadores com as forças alheias, que o meu pai me recordava sempre. No início dos anos 60, aquando de uma das primeiras incorporações para a guerra colonial, ficou famoso o discurso jingoísta de um capelão do Regimento de Infantaria 13, o qual, voltando-se para os militares em parada, a dias de partirem para o braseiro de Nambuangongo e similares, terminou a sua alocução com uma frase que ficou histórica: "Rapazes! Preparemo-nos para a guerra. Ide!"

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...