quarta-feira, março 12, 2014

A dívida

Pensar pela própria cabeça tem um preço. Mas eu estou disposto a pagá-lo.

Há semanas, publiquei num jornal económico um artigo que alguns amigos, que muito respeito, consideraram inconveniente. Nele falava da sensível questão da reestruturação da dívida, procurando tocar nesse quase "tabu". Em síntese, eu dizia isto: "A menos que um perdão parcial venha a ser admitido, associado a uma renegociação de taxas e maturidades, Portugal ficará esmagado por um peso financeiro incomportável. E os primeiros a não beneficiarem dessa situação seriam os nossos credores externos, que não tirariam vantagens de uma economia asfixiada. Eles sabem isso bem. É, contudo, desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável. Mas deixemo-nos de ilusões: cedo ou tarde ele emergirá, dependendo o “timing” do modo como os mercados vierem a ler o grau de abertura do BCE para apoiar as economias europeias sujeitas a uma maior pressão". 

Ontem surgiu na praça um "manifesto", assinado por muitas personalidades respeitáveis e de grande relevo, que propõe a abertura de uma reflexão sobre a reestruturação da dívida pública portuguesa. A iniciativa é do meu amigo João Cravinho, uma pessoa por quem tenho uma imensa estima e grande consideração política. 

Ora bem: eu não concordo com a oportunidade da divulgação do "manifesto". Porquê? Porque apesar de, no essencial, o meu artigo assentar nos exatos pressupostos subjacentes a esse corajoso e bem construído texto, a questão do "timing" continua para mim a ser relevante. De facto, continuo a pensar que é "desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável". E esse tempo, no meu entender, ainda não chegou. Pelo que temo que o peso conjugado das personalidades envolvidas possa vir a ter consequências negativas para a imagem externa do país, por colocar prematuramente a questão no terreno.

Tenho este "azar" de, por vezes, "remar contra a maré". Não o faço por gosto, mas apenas porque é o que penso. E eu, certo ou errado, só digo o que penso.

Em tempo: veja-se o que sobre isto diz Pedro Santos Guerreiro

9 comentários:

Rui Monteiro disse...

Não estou nada de acordo. Estamos em campanha para as europeias. É necessário perceber quais são as verdadeiras alternativas políticas que vão estar em discussão e, mais tarde,representadas no Parlamento Europeu.

Em democracia não há tabus. Deve ser claro para o povo o que os diferentes actores políticos pensam sobre o nosso futuro colectivo.

Este manifesto vai por a questão do euro e da dívida no centro do debate político. É o elefante no meio da sala que todos andavam a fazer de conta que não viam. Via-se e muito.

Cumprimentos

patricio branco disse...

parece me uma hipocrisia dizer se (o pm e pr dizerem, etc) que não se pode falar disso, eles sabem que se pode, mas não querem saber de alternativas, viram a cara para o lado, com algo se comprometeram, aliás vão ao ponto de dizer que 70 notaveis, politicos, economistas, personalidaedes responsaveis e de peso, etc, estão errados

Defreitas disse...

Desde o momento em que a fachada social democrata do governo português se fendeu, deixando aparecer o cariz liberal que o caracteriza hoje, submetido à troika, creio que "nunca" será o bom momento de renegociar a divida soberana.

Haverá sempre o argumento da "seriedade" necessária para dar uma boa impressão ao mercado, o que supõe de beber o cálice até à ultima gota. Os credores ficam satisfeitos, porque não existe melhor cliente que o Estado, sobretudo um Estado que tem à sua cabeça gente da mesma escola e que teimam em ser bons alunos.
Esta vontade histérica do objectivo "0 dívida" deve ser considerado pelo que é realmente , isto é, uma fachada de responsabilidade e seriedade, mas que na realidade demonstra uma carência de coragem política , porque é mais fácil amedrontar os cidadãos com o caos previsível que afrontar os tecnocratas de Bruxelas.

Entretanto, as consequências dramáticas na "vida real" são verdadeiramente reais. mas vê-se bem que o conjunto da politica proclamada de luta contra os défices tem por função de "estimular a confiança dos mercados". Os credores ficam satisfeitos, porque não existe melhor cliente que o Estado, sobretudo um Estado que tem à sua cabeça gente da mesma escola. Se não fossem da mesma escola, já há muito que a pressão teria sido aliviada sobre os nossos pobres compatriotas, que já não podem mais, mesmo se o tal Ulrich diz o contrário.

Ninguém no governo social liberal actual conhece as palavras de Keynes, que dizia: "Se lhe devo uma libra, tenho um problema, mas se lhe devo um milhão de libras então é você que tem um problema".

Não existe melhor devedor que um Estado. Um Estado não pode ir ao Tribunal de Comércio para abrir falência. Um Estado é constituído de homens e mulheres que - aconteça o que acontecer - estarão sempre presentes e poderão sempre gerar riqueza se lhes dão os meios de trabalhar. Mas não é depenando-os até ao último cobre e roubando-lhes o futuro que poderão pagar as dívidas.

Paulo Abreu e Lima disse...

Senhor Embaixador,

Como diz PSG, a dívida está indirectamente a ser restruturada através de aumento de prazos, redução de taxas e, principalmente, da substituição dos credores por forma conceber negociações mais hábeis. É neste momento inoportuno falar em "reestruturação directa"? É. Não que os mercados não saibam exactamente da quase impossibilidade de pagamento da mesma - não sabem eles outra coisa! -, mas é prematuro, e muito perigoso, o Estado mudar de atitude cumpridora. A cenoura que deve ser mostrada é "crescimento económico" e aparelho estatal equilibrado, depois acentuação da reestruturação indirecta. E directa aqui e ali, mas nunca generalizada.

P.S.: Muito corajoso e realista o seu pensamento, principalmente e sem floreados, porque vem da Esquerda.

Anónimo disse...

Gostava de fazer a seguinte pergunta:
porque é que frequentemente, quando expõe posições que acha que um pouco mais polémicas, vem sempre explicar que rema contra a maré, que se está nas tintas para que gostem ou não, que há amigos seus que não estão de acordo, etc?
Ser independente e tornar público aquilo que se pensa, sem ter medo do que possam pensar os outros não é heróico nem extraordinariamente excepcional. É o normal, é assim que faz qualquer pessoa honesta. Não vale a pena vangloriar-se disso.

patricio branco disse...

a exoneração pelo PR dos seus consultores que assinaram o manifesto, segundo as noticias, chocou-me. Certamente que nas reuniões com ele lhe diziam o mesmo, eram francos...

Anónimo disse...

O problema é que a reestruturação indirecta acontece, depois da reestruturação grega e do prolongamento de prazos e redução de juros atribuídos à Irlanda. O Governo português, pelo menos publicamente, sempre pareceu andar a reboque das concessões dos outros, para os "parceiros europaus" se os irlandeses iam ter não convinha deixar os portugueses de fora.

Se a memória não me falha o Governo irlandês tentou negociar uma dilatação maior de prazos, mas o ex-ministro Gaspar opunha-se...

No FMI, nos mercados e nos bastidores europeus estão todos fartos de saber que a reestruturação seja fraca, forte ou assim assim irá acontecer.

O FMI http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2012/02/pdf/text.pdf (ver a partir da página 100) fez um estudo dos episódios passados de dívida elevada e não há um caso, repito um, em que com terapêutica e enquadramento internacional semelhantes, tenham tido bons resultados...

Mesmo os juros gregos, com dívida reestruturada, desceram à semelhança dos portugueses, exceptuando nos últimos 5 dias, e sem avaliação da troika concluída...

Convém lembrar que o default grego ocorreu, por pressão da "Europa", depois dos bancos franceses e alemães terem saído atempadamente...

O mais importante, para os mercados, é o "whatever it takes" do Doutor Draghi.

O problema está na política, pois nem no Norte, nem no Sul se quer falar a verdade aos eleitores...

Anónimo disse...

Vale a pena conferir http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2014/03/as-contas-do-primeiro-ministro-mostram.html

Unknown disse...

a referencia ao que já se tem conseguido nas sucessivas fases e rolamentos deve ser destacado pelos adeptos do manifesto. Que possa estar subjacente a muitos apoiantes a perspectiva de "investimentos" renovados para o "desenvolvimento" e recriação de novas/velhas "oportunidades" parece-me muito plausivel.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...