quarta-feira, março 05, 2014

Desobediência civil?

O casal de turistas franceses com quem me cruzei hoje de manhã numa rua de Lisboa estava abismado, naquela surpresa que sempre marca as visões caricaturais dos visitantes breves: "Tinham-nos dito que Lisboa era uma cidade calma, mas é sempre assim? Com poucos carros e pessoas nas ruas? É muito estranho! Nem parece uma capital!"

(A França é um dos "mercados emissores" de turistas para Portugal que mais tem crescido nos últimos anos. Esse crescimento fez-se mesmo a contraciclo da crise, como vi acontecer ao tempo em que eu estava em Paris. Detesto explicações baseadas no "achismo" impressionista, mas a crise pode ter feito interessar os franceses por um país barato, amável para o estrangeiro, geograficamente próximo, com bastante segurança e usos e costumes pouco distantes dos seus, além de uma oferta hoteleira e cultural diversificada - do Minho ao Douro, de Coimbra a Lisboa e ao Algarve vai um mundo de diferenças, muito pouco vulgares num território tão pequeno.)

De facto, a manhã desta quarta-feira apresentava uma cidade quase silenciosa, como que parada no tempo, sem engarrafamentos, com lugares para estacionamento, cadeiras vagas nas esplanadas. Cá por mim, gosto muito desta Lisboa quase "de agosto", com um sol de Inverno que faz as delícias de quem transporta consigo mais peso do que aquele que a OMS recomenda (longo eufemismo para gordos, se não repararam).

Ao franceses evitei explicar que o português procura reagir à crise com uma atitude sofisticada. Muitos municípios (que o "memorando de entendimento" mandava reduzir drasticamente e que um silencioso "consenso" entre o PSD e o PS conservou intocados, "à cause des mouches") deram tolerância de ponto no Carnaval e, por artes e arranjinhos, muitos lisboetas devem ter conseguido prolongar a ponte. O governo bem tenta estender as horas de trabalho do funcionalismo, mas o pessoal público, diabolizado pelo discurso oficial e com os bolsos aliviados pelos cortes e pelo fisco, entende dever dar a volta ao texto, não respeitando quem o não respeita. Os privados, verdade seja, também já perceberam "the name of the game" e há por aí muita empresa a meio gaz e bastante comércio encerrado.

Será isto uma subtil forma de desobediência civil, uma resposta profunda aos custos da austeridade? Não, em Portugal é... assim! Este, porém, constitui um imenso segredo nacional (embora lá fora já haja disto umas "vagas" suspeitas), pelo que não quis partilhá-lo com os assombrados turistas franceses. Deixemo-los regressar ao reino dos queijos e das baguettes com esta imagem de um país que, lá por França, se dizia ser habitado por gentes "toujours gais", mas que agora parece terem migrado melancolicamente para dentro de si mesmas.

19 comentários:

Anónimo disse...

Uma das ruas mais bonitas e menos estragadas de Lisboa.

Quanto ao texto, não posso deixar de concordar, senhor Embaixador.

patricio branco disse...

Portugal é um país muito barato que porem oferece qualidade para o turista de países prósperos, dormir por 60€ noite num 4 estrelas, comer num restaurante razoável por 15€ pessoa, táxis económicos, atravessar a cidade de alcantara à expo por 10 €, para o francês, italiano, alemão, espanhol, holandês,isto é de preço de saldo.
também é um pais tranquilo e fora certos sítios, em lisboa, docas, bairro alto, a animação morre cedinho, às 20 ou 21 as ruas estão desertas, tudo a correr para casa a descansar e economizar.
os franceses bem viram isso, o viajante gosta de ruas cheias de gente, lojas abertas 7 dias por semana.
os carros a circular, pois o transito, com o preço da gasolina e os cortes salariais, impostos, deve ter diminuído uns 30%.
ao contrario, ir lá fora sai caro, carinho, mesmo na espanha ao lado um café pode custar-nos em sitio banal 2,5€ e a comida aqui por 15 € serão 30€ lá, mas é assim mesmo, bom mercado para os que vêm de fora, e os agentes de turismo não se queixem, Portugal tornou se um destino popular, etc

opjj disse...

V.Exª. acha mesmo que as situações criadas pela atribuição de tanta benesse poderiam continuar? Os detentores dos melhores cargos faziam e ainda fazem arranjinhos entre si de modo a perpetuar e acumular tudo o que era bom.
Não foram os pobres que juntaram moedas de ouro!
RECORDATÓRIA
Meu Pai tinha 100 anos e em 2008, e sob coação e chantagem,teve de dizer que tinha uma pequena pensão de França 280€(ganha aos 72anos).O governo de cá retirou-lhe 51€ de uma pensão de 232€ (ganha tb aos 72 anos).
A França cumpriu sempre e todos os anos lhe dava um pequeno aumento.
As realidades não são como as pintam.
Cumprimentos


Alcipe disse...

Os carteiristas de Lisboa, esses, estavam bem activos…

a) Alcipe

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo das 16.20: ... rua onde eu vivo...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Alcipe: constou-me que foi um alemão que lhe ficou com a massa...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro opjj: tanta "benesse"? Como diz, "as realidades não são como as pintam"

Anónimo disse...

Belle photo de la rue de Saint-Dimanches à la Corniche.

Portugalredecouvertes disse...


Lisbonne
como disse alguém "on ne s'en lasse pas!"

EGR disse...

Senhor Embaixador:deixe-me assoociar ao post que hoje dedica a Monica,a qual é certamente, um grande ser humano.

Pedro Lemos disse...

Os portugueses inventaram o 'ponto facultativo' e os brasileiros o tornaram um 'direito'. Aqui os servidores públicos também usam desculpas como 'baixos salários' e 'péssimas condições de trabalho' a fim de legitimar essas benesses, mas buscar um emprego melhor, ninguém vai. Mandriões!

Anónimo disse...

Na imagem são os caretos de Trás-os-Montes, não é verdade?

Anónimo disse...

É essa a Lisboa que eu gosto, calma e tranquila.
O Brasil passa por uma crise que vai desde econômica, política, institucional e principalmente moral.
Os brasileiros nem percebem, tudo esta ruindo a sua volta, e as cidades loucamente agitadas, transito, pedestres aos milhões perambulando pelas ruas, assaltos, crimes, ledo engano pensar que brasileiro é feliz.
Qual o país que precisa de 4 dias para se mostrar felizes????

Cão raivoso disse...

É bem verdade. Uma desobediência civil muito própria e pessoal, para os milhões de desprovidos de Poder efetivo, é de facto a única forma que lhes resta de combater a prepotência, a insensibilidade, a hipocrisia e a imoralidade dos atuais detentores desse Poder real e oficial. Cá por mim, estou bem fortificado na minha barricada, cívica, política e intelectual, já desde 5 de Junho de 2011. Com bastantes latas de atum, cantis cheios e muitas, muitas caixas de granadas de mão. Anímicas, como é óbvio...

Anónimo disse...

O carro da photographia é um bello exemplo do estado do nosso país, visto cá de cima. Data de há muitos annos, p'lo que vou observando. Tendo em conta o bairro que é e que conheci bem, o meu caro collega poderia ter escolhido um veículo mais chique - não peço uma tipóia, do tempo em que ahi vivi, mas basta um Americano, já que continua a haver carris.
a) J.M. Eça de Queiroz

Anónimo disse...

O Senhor Embaixador, que a fortuna fez meu vizinho de rua, não deverá cuidar em demasia dos comentários do Senhor de Queiroz, que sempre se róe todo de não viver numa rua chique a valer, como é a nossa. "Essa é que é Eça", como não se lembrou ele de dizer, mas há dias eu atirei em chiste ao amigo Palma, com quem ele vai às urtigas, por lhe não ter aceite um folhetim na Corneta.
a) Dâmaso Salcede, um creado de Vocência

Pedro Lemos disse...

Assino embaixo das precisas palavras do Anônimo (6 de Março de 2014 às 13:52). Os que percebem a falência brasileira, e têm os meios, estão a fugir. Os que não os têm, refugiam-se. Aqui passeiam os verdadeiros 'walking deads', todos com direito a voto.

Mônica disse...

Senhor embaixador.
E verdade que o brasileiro está com medo. Eu tenho medo. Tudo dá medo: assalto, roubos, mentiras, politicos, falta de dinheiro, falta de emprego,mas tem o outro lado. Nem todos são assim e muitas vezes a propaganda, a imprensa aumentam a verdade.
Mas em Portugal a gente nao tem medo. E quando somos turistas tudo são mares de rosa.
Viver mesmo! Apesar de ter gostado de todos os pontos turisticos de Portugal é mesmo no Brasil
Mesmo com todos os seus problemas. A gente tem um santo forte! Nossa Senhora Aparecida e Santo Antônio de Pádua ou para homenagea-los de LISBOA.
com carinho Monica

Helena Sacadura Cabral disse...

Mônica é mesmo bom lê-la.
Os portugueses também têm medo. Somos é mais pequeninos. Mas, como a Mônica também gostamos muito da nossa terra!

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