Então, João?! Não esperaste pelos 40 anos de abril? Agora que estávamos a semanas de lembrar esses dias históricos no Rádio Clube Português, onde, como oficial da Força Aérea, representaste o MFA, e onde te conheci e ficámos para sempre amigos?!
Cruzámo-nos imenso nessas semanas da esperança, em que eu tive um período de "aviador" honorário, a ajudar o Zé Manel Costa Neves no gabinete de Galvão de Melo, na Junta de Salvação Nacional. No PREC, seguiste por caminhos mais radicais que os meus, numa deriva de generosidade, pela qual pagarias um preço. Perdemo-nos de vista por algum tempo. Em 1982, em Luanda, reeencontrámo-nos na "receiving line" do 10 de junho. Surpreendidos e alegres, caímos nos braços um do outro e, desde esse dia, passámos a juntar-nos à volta dos teus fabulosos cozinhados, em belos anos de intenso convívio, que guardo para sempre. A vossa casa em Luanda foi, para mim, um ensejo único para conhecer gente muito diversa e interessante, da cultura à política, que, com os teus celebrados petiscos e boa conversa, conseguia atenuar muita da acrimónia que (então ainda mais) tingia as relações com Portugal. Nunca esquecerei também um almoço que ambos por lá organizámos, em minha casa, com o Otelo, em que vocês os dois se engalfinharam numa infindável discussão sobre a autoria do famigerado "documento do COPCON". A vida não te seria sempre fácil por aquelas terras. Recordo a tarde em que te fomos "buscar", já no aeroporto, quando a perfídia de um Torquemada local, com escrita por cá muito louvada, te quis "pôr com dono" da empresa estatal onde ele perseguia portugueses. Já pelo nosso país, aproximámos ideias, em conversas longas pelas noites da tua casa da Luz, contigo sempre a defender, com unhas e dentes, os teus amigos, "right or wrong" (e alguns, desculpa lá!, bem "wrong"). Ser teu amigo era um seguro perpétuo de afetividade! Na última década, comigo outra vez por fora, voltámos a perder-nos, quase que apenas falávamos pelos Natais. Recordo bem a nossa última conversa telefónica, depois da morte do Zé Guilherme, contigo a notar que eu não vos tinha esquecido na lista das amizades essenciais que trouxemos de Luanda, que havia assinalado neste blogue.
Foste-te agora embora, no 11 de março, tu que eras um homem do 25 de abril, que também passaste tempos complexos no 25 de novembro - como há pouco notei ao João Soares, ao Vasco Lourenço e ao Zé Manel Costa Neves, na conversa à tua volta, na capela onde também jaz o Frei Luís de Souza. E à Élia, que a tua morte nos fez ali reencontrar. Tu, sempre um bom gigante, com um coração de ouro, derretido pela tua mãe Isabelinha (que por cá ainda fica, nos seus belos 99 anos) e pela Alzira, mulher feita coragem. À tua volta, na noite de ontem, montámos uma conversa da qual procurámos isentar a tristeza comum, porque sabíamos que não apreciarias ser a razão de um ambiente demasiado melancólico, porque tu tinhas a alegria dos homens sãos e de bem. Falámos muito e tu estavas por ali. Mas não ouvíamos a tua voz forte, as tuas discussões encapeladas, as tuas homéricas teimosias. Estavas ali, mas faltavas-nos.
Adeus, João.
5 comentários:
Quando passamos pela vida com muitos ao nosso lado - muitos de quem gostamos; muitos que gostam de nós - às vezes chega o momento em que os relógios tropeçam num sorriso que se vai.
...E depois como é? Vai também um pouco de nós e, se calhar, assim sucessivamente mutilados, o que fica deixa de ser um sorriso. Talvez possa ser saudade e, essa, alarga-se pelo futuro.
Há só uma coisa que não compreendo: como é que se fica por dentro aos 99 anos?
Não conheci João Sobral Costa nem, permita-se-me a ousadia da afirmação, sou um devoto incondicional dos capitães de Abril, embora autores de uma acção que mais tarde ou mais cedo seria inevitável para tentar tirar o País do beco sem saída em que se encontrava. Mas este texto é uma admirável peça de afecto, de amizade, de sensibilidade que, apesar de não ter sido escrito certamente com pretensões literárias, mas apenas como tradução de sentimentos muito profundos e autênticos, honra quem o escreveu e sensibiliza quem o lê.
" A vida não te seria sempre fácil por aquelas terras. Recordo a tarde em que te fomos "buscar", já no aeroporto, quando a perfídia de um Torquemada local, com escrita por cá muito louvada, te quis "pôr com dono" da empresa estatal onde ele perseguia portugueses." O pai do N'Gunga, o abaixinho da praia morena? Gostaria de saber, porque é parente.
Bonito esse texto de adeus e homenagem a um amigo. Bonita a amizade, sempre. Talvez o sentimento mais gratificante e mais "limpo" que o homem é capaz de sentir. Muito bom ter amigos e ser amigo, assim, em todos os momentos.
Hoje vim espreitar o seu blogue e a homenagem sentida a este amigo comum que me chamava de "mana".Temos amigos comuns, eu sei, o Manel Amorim (de Moçambique) é um deles.
Morreu o meu querido João. Bom, sensível e generoso. Um ser humano especial.Morreu no 11 Março, é verdade, ele um homem de Abril. Partiu triste, revoltado com o rumo do seu país.Há pessoas que não deviam morrer.
Já agora, sou a mulher do Santos Silva, também ele um Capitão de Abril.
Um abraço.
Maria Odete Santos Silva
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