Ficou a olhar para a folha de papel. Invadiu-o
um sentimento de alguma tristeza. A lista dos convidados que o seu futuro genro
indicara para a festa de casamento estava recheada de nomes sonantes, figuras
gradas da indústria nortenha, dois presidentes de Câmara e até um deputado. Do
seu lado, do lado da filha que agora ia casar, os convivas eram, em geral,
gente modesta, alguns familiares, amigos chegados e colegas da noiva. Nenhum
nome conhecido. O "máximo" que tinha para apresentar era um velho
padre, figura de há longa data ligada à família, que se tinha voluntariado para
celebrar o ato.
Notara na expressão facial da filha - ou fora impressão
sua, levado pelo seu próprio sentimento? - um certo desapontamento, quando
ambos haviam percorrido a lista de convidados da família, para preparar os
convites. Mas que podia ele fazer? Velho engenheiro, com uma carreira limpa mas
escassos contactos, tivera uma vida simples, dedicada à família, sem grandes
rasgos sociais. Nunca cultivara amizades com gente que conhecera na faculdade,
alguma hoje até com certa projeção. Entre todos esses colegas, um deles chegara
mesmo a ministro, com um lugar cimeiro no governo. Havia-lhe mandado uma carta
a felicitá-lo, por ocasião da tomada de posse, e recebera dele, a agradecer, um
cartão bem simpático, onde o agora político recordara, com surpreendente
memória e detalhe, um episódio do tempo comum passado na escola da rua dos
Bragas, lá no Porto. Orgulhava-se de o ter como amigo.
Foi então que, de súbito, a ideia lhe ocorreu:
e se o convidasse? Caramba! Se ele aceitasse, era uma "bomba"! O
casamento passava a ter outro "sainete" e a filha, estava certo,
ficaria orgulhosa das amizades do pai. Mas, por outro lado, acanhava-se de
estar a incomodar o amigo, que os anos tinham tornado um tanto distante. Ficou
a matutar na ideia durante algumas horas mas, ao final do dia, decidiu-se. Na
manhã seguinte tentaria falar com o ministro. Se não desse resultado,
paciência! Mas, pelo menos, ficava de bem com a sua consciência e havia feito o
possível para proporcionar à filha uma cerimónia de casamento de que se podia
orgulhar.
O acesso ao ministro foi, para sua surpresa,
bastante mais fácil do que supunha possível. Horas após o contacto com o
gabinete, o próprio governante ligou-lhe diretamente, com um tom de grande
simpatia. Foi então, perante essa atitude amiga e aberta, que decidiu ser totalmente
franco com o antigo colega, ao formular-lhe o convite para o casamento da
filha:
- Eu não sei se deveria estar a dizer-te isto,
mas julgo que a nossa relação me pemite que o faça. Para além do grande gosto e
honra que teria em rever-te e ter-te na cerimónia, a tua presença no
casamento representaria muito para a nossa família, porque, da parte da minha
filha, a generalidade dos convidados são gente comum e, do lado do futuro
marido dela, vêm figuras relativamente destacadas e conhecidas. Não posso
esconder-te que a tua vinda seria para nós um fator de grande prestígio.
A reação do ministro ficou acima das
expetativas:
- Ó homem! Percebo muito bem! Eu e a minha
mulher vamos ao casamento, com imenso gosto. E diz-me uma coisa: se eu for num
"carrão" oficial, isso ajudará?
- Claro que sim! Mas nem te pedia tanto!
Basta-nos a tua presença...
- Não, não! Vamos fazer as coisas como devem
ser feitas. Olha! Lembrei-me agora: até vou levar batedores!
E assim aconteceu. A presença daquele
simpático ministro nortenho na boda foi um momento alto da cerimónia. E o pai
da noiva sentiu que nunca poderia agradecer suficientemente àquele seu colega
de curso, cuja chegada, antecedida por dois espampanantes polícias em motos, ficou
para sempre a marcar a memória desse dia feliz.