quarta-feira, junho 19, 2013

Cair na real

Ontem, fui convidado para ir à RTP 1 comentar, no âmbito do Telejornal da noite, a atual situação no Brasil.

Muito já se disse e dirá sobre as razões desta significativa erupção popular. Ela é, aparentemente, o resultado de uma bola-de-neve reivindicativa espoletada pela rejeição do aumento dos preços nos transportes urbanos. Outras tensões já lá estavam e, aparentemente, ninguém as tinha detetado. O governo brasileiro terá "lido" mal o início desta crise e só ontem deu notas de um maior realismo.

Dizia António Carlos Jobim dizia que "o Brasil não é para principiantes". Com efeito, trata-se de uma sociedade muito complexa, com diferentes realidades, com desigualdades muito profundas, não obstante o fantástico progresso sócio-económico conseguido na última década, que fez crescer fortemente a classe média e contribuiu para mostrar aos brasileiros que era possível escaparem ao estigma de serem eternamente "um país do futuro". Talvez esse crescimento, que parecia imparável, sujeito agora a um abrandamento da economia, esteja a induzir uma frustração a uma juventude a quem foram criadas expetativas que o presente torna difícil de realizar.

Naquilo que disse na RTP, entendi dever destacar o que considero poder ser um relativo esgotamento do atual sistema político-partidário brasileiro, em que o Partido dos Trabalhadores (PT) parece já não conseguir assumir-se, perante largos setores do país, como o instrumento da mudança e da esperança que tinha sido, sendo já visto por muitos apenas como parte de um "sistema" que o conquistou e enquistou. Curiosamente, o presidente Lula havia conseguido apresentar, durante muito tempo, um discurso "reivindicativo" face ao seu próprio governo (!), colocando-se como o garante de que este não se contentaria com uma via quase imobilista. Nesse tempo, em que o brasileiro pôde constatar uma melhoria qualitativa e quantitativa do seu nível de vida, Lula era visto como um presidente sempre "insatisfeito" com os níveis de sucesso do país. Essa credibilidade e genuinidade contribuíram, aliás, para que o presidente, por muito tempo, tivesse saído incólume da crise "ética" que abalou e ainda abala o PT. Mas Lula, com o estimular dessa atitude, que ia bem com o espírito otimista brasileiro, colocou a fasquia da ambição popular em níveis muito elevados.

Os tempos são diferentes, hoje. A Dilma Russeff, que tem em credibilidade técnica o que não possui no carisma que era a imagem de marca do seu antecessor, cabe agora gerir um ciclo económico que já se percebeu que está longe de permitir os ritmos anteriores de crescimento. O Brasil tinha vindo a iludir a inevitabilidade de ter de pagar também um custo pela crise global, assumindo mesmo, por muito tempo, um discurso algo eufórico, para uso político interno e externo, que ia bem com a matriz ambiciosa do país mas que conduz a "ressacas", quando as coisas "caem na real" - como por lá se diz.

Uma última nota sobre algumas comparações sem sentido. O Brasil não vive nenhuma "primavera árabe" ou uma qualquer "revolução de veludo". Com as muitas insuficiências que o seu sistema político-partidário tem, somadas a um modelo federal atípico e que dá mostras de potenciar egoísmos e estimular agendas de interesses contraditórias, o Brasil é hoje uma grande democracia, com um sistema eleitoral imaculado, com uma liberdade de imprensa e de expressão que pede meças a qualquer outro Estado.

A democracia é, sempre, o espaço para a descoberta das soluções de futuro. Devo dizer que, como amigo do Brasil, não estou inquieto quanto ao seu futuro. Mas compreendo o cartaz daquele manifestante: "Não disparem contra os meus sonhos". O poder político brasileiro tem de conseguir encontrar, com rapidez, uma forma de provar que se mantém ao lado da esperança. 

11 comentários:

Alcipe disse...

Sempre me pareceu que a aliança do PT com o clientelista (c'est le moins qu'on puisse dire) MDB ia dar mau resultado. Viu-se no mensalão. E elevadas taxas de inflação jogam mal com ufanismos de Copas e Olimpíadas ad infinitum para maior proveito da construção civil. E o PSDB não sai nada bem disto: afinal não são eles que governam S.Paulo?

O contraste entre a reacção da Dilma ("as manifestações são normais em democracia") e a do Erdogan ("uma conspiração montada do estrangeiro com vândalos e bandidos") face ás manifestações contra os seus governos é elucidativa sobre quem é democrata e quem é autoritário (mal) dissimulado.

Joaquim de Freitas disse...

Creio que o presidente Lula tinha razão na analise que fazia da lentidão do "progresso" social ao qual ele deu o impulso de arranque, numa espécie de negociação "donnant-donnant" com o capitalismo brasileiro. Se conseguiu "calmar" as apreensões e mesmo desconfiança dos empresários depois de ter chegado ao poder, foi com o sacrifício de partes significativas do seu programa, precisamente aquele que lhe permitiu ganhar as eleições. A não satisfação dessa parte do programa criou os problemas actuais, sem falar dos gastos fenomenais para os Jogos e a Copa mundial, que aparecem, ao povo, como um insulto.

Para mais, a corrupção no seio do seu próprio partido, veio confirmar que as forças vivas do mundo dos negócios roía pouco a pouco a credibilidade do PT, no que ele significava de popular com o termo "Trabalhadores" na sua sigla. A demagogia não resiste muito tempo à realidade da vida das pessoas. E a realidade é aquela que se conhece, apesar dos grandes sucessos qualitativos e quantitativos nos níveis inferiores da sociedade.
Resta saber se o potencial de riqueza "emerso" e ainda não explorado poderá um dia, quando a crise passar, relançar a máquina social e melhorar a distribuição da riqueza produzida. Para o momento não é o caso.

Senão, o Brasil aparece-nos como a China, outro gigante, que decidiu criar uma classe média de um quarto de milhão de chineses, sacrificando três quartos da população total.
E se o Brasil é um pais "democrático" (haverá "democracia" na miséria do sertão ?) , a China é uma ditadura comunista-capitalista. Mas todos sabemos que a democracia e o liberalismo não são sinônimos;

Anónimo disse...

Também eu, "como amigo do Brasil não estou inquieto quanto ao seu futuro." As grandes democracias sabem encontrar soluções aos seus problemas. Já quanto a Portugal, estou mais preocupado...
José Barros

Anónimo disse...

Só é pena terem insistido em chamar-lhe Francisco Freitas da Costa...

JC

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro JC: Se encontrar o Miguel Freitas da Costa vou pedir desculpa pelo involuntário abuso...

Anónimo disse...

é o que se chama escrever direito por linhas tortas
ou quase

Anónimo disse...

Com todo o respeito, devo confessar que, em minha opinião, o senhor é bastante melhor Lido do que Visto.
Cumprimentos,
D. Frantz

Anónimo disse...

O GIGANTE DESPERTOU A primavera brasileira
O 18 de junho 2013 assemelha-se ao 14 de julho 1798.
Luiz 51 e sua corte estão na mesma rota do Luiz XVI.
Resta-lhe a Fuga de Varennes.
A era faz-de-conta, da mentira deslavada do Sapo barbudo apedeuta ruiu, desmoronou.
A dentuça estúpida está desorientada.
Tudo no governo dos PTralhas foi maquiado, só para inglês ver.
Um dia o povo ia se cansar do pão e circo oferecido pelo governo.
Gastança deslavada para a copa de 2014.
Mineirão R$ 666,3 milhões
Mané Garrincha R$ 920 milhões
Arena pantanal R$ 456,7 milhões
Arena da baixada R$ 183 milhões
Castelão R$ 474,8 milhões
Arena da Amazônia R$ 499,5 milhões
Estádio das Dunas R$ 400 milhões
Beira-Rio R$ 330 milhões
Arena Pernambuco R$ 465 milhões
Maracanã R$ 883,5 milhões
Fonte Nova R$ 786 milhões
Arena Corinthians R$ 900 milhões
Enquanto a economia está parada e o PIB negativo.
Não foi investido um centavo em melhorias que o povo apos a copa possa usufruir, aeroportos, metro, vias públicas de acesso etc.
Brasil S.A. A fórmula para uma falência digna... de dó!

Joaquim de Freitas disse...

Por erro coloquei o meu comentàrio mais acima. deixo-o agora aqui. respondia ao Sr.Embaixador, que eu talmbém gosto do Brasil. Meu Avô era mesmo Brasileiro. Mas quando vejo o video seguinte faz pena! Fizemos o mesmo em Portugal. Construimos estàdios em cadeia, quando hoje nao servem para nada..ou quàsi. E esse dinheiro faz hoje falta para tratar da saùde dos Portugueses.

http://www.facebook.com/video/video.php?v=491648664228895

Anónimo disse...

Acerto da data do comentário de 19/06/2012 17:47

data da Revolução francesa.
14 de julho de 1789.

Anónimo disse...

"1. José Sócrates: «Não há dúvida de que o Euro 2004 superou todas as expectativas. Mas já na altura, quando nos candidatámos, tínhamos dois objectivos precisos: o primeiro era fazer a renovação dos nossos estádios com um retorno significativo para a nossa economia: o segundo era projectar internacionalmente Portugal como um país ambicioso, moderno e capaz.»
2. António José Seguro: «Hoje, como no Euro-2004, houve um homem que lançou a semente, a semente de uma força que ninguém pode parar. Esse homem chama-se José Sócrates.»
3. O ministro do Ambiente acusou no domingo Cavaco Silva de leviandade nas afirmações que proferiu no domingo sobre o Euro 2004. Para José Sócrates o ex-primeiro-ministro desconhece do que fala. Quando a Áustria e a Hungria, que se candidataram contra nós, nos invejam este projecto que foi muito disputado» surgem comentários de «elites extremamente hipocondríacas a achar, pelo facto de apostarmos num projecto de Euro 2004, que o país está doente».
4. José Sócrates: «Qual é realmente o nosso objectivo? É melhorar o nível do nosso futebol, é fazer o trabalho de remodelação dos estádios que tinha de ser feito com Euro ou sem Euro, é dar um pequeno empurrão à nossa Economia e é afirmar o prestígio internacional de Portugal. Depois disto, ficamos no lote dos países capazes de organizar grandes eventos: fizemos a Expo e vamos fazer o Europeu de futebol e o Mundial de atletismo, ficámos na rota.»
5. José Sócrates (Acção Socialista, Maio de 2004, link quebrado): «Pois, mas a construção dos dez estádios não é um odioso, é bem necessário ao país. Portugal tinha que fazer este trabalho. É também uma das críticas mais infantis que tenho visto, a ideia de que se Portugal não tivesse o Euro não tinha gasto dinheiro nos estádios. Isso é uma argumentação própria de quem é ignorante. Há muitos anos que o Estado português gasta dinheiro nos estádios. Aquelas cadeirinhas que nós vimos surgir e que foram postas no final dos anos 80 e princípios dos anos 90, eram também pagas por dinheiro do Estado. O Estado já estava a fazer investimentos de renovação dos estádios. Acontece que, mesmo assim, os estádios em Portugal não cumpriam as leis de segurança e conforto. Tínhamos, portanto, que fazer esta modernização. Podíamos era tê-lo feito em vinte anos; assim fizemo-lo em cinco anos e com um grande retorno para a nossa economia. Ouvi recentemente responsáveis pelo Euro dizerem que é já claro, em relação ao que o Estado gastou e ao que recebeu, que estamos perante um grande sucesso económico.»

Texto publicado no blog "Os Comediantes" para relembrar-lhe um certo passado que se costuma agora esquecer e não se afasta muito no comentário imoderado sobre o seu texto "Cair na Real"

Alexandre


Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...