Na passada semana fiz aqui um exercício de sociologia empírica sobre o que os portugueses acham do exercício do presidente da República. Hoje, com a liberdade de quem não votou nele, vou dizer o que penso que ele quer.
Marcelo Rebelo de Sousa é uma personalidade que preserva uma sólida leitura institucional do seu lugar. Tem sentido de Estado, é estruturalmente democrata, tem forte visão social. Ideologicamente é um social-democrata à antiga, de matriz cristã. Acredita no papel central do Estado e julgo que está longe de ser um liberal - e ainda bem, digo eu! Construiu-se politicamente em torno de uma ambição de tentar levar à prática "uma certa ideia de Portugal" (para utilizar um clássico que ele não enjeitará). Nunca foi primeiro-ministro, pelo que explora, no seu objetivo de intervir, a leitura algo extensiva que faz dos seus poderes constitucionais. Esse ativismo leva-o a arriscar uma tutela quase "paternalista" sobre o sistema. É um voluntarista: quer "ajudar", criar pontes, apaziguar. Para isso, contudo, parece fazer uma leitura da dinâmica político-partidária "desejável", o que é perigoso. Como perigosa é a deriva de saírem de Belém, cada vez mais, recados interpretativos da vontade do presidente.
Marcelo é genuíno: cultiva todos momentos de euforia nacional, dos "rankings" das agência de notação aos êxitos no vólei de praia. Mas já percebeu que, na realidade, preside a um país ciclotímico. Por isso, acho que o seu sonho é bastante mais modesto, torna-o um "possibilista", alguém que, lá no fundo, percebendo o que isto é, gostaria que Portugal fosse pelo menos capaz de "viver habitualmente" (esta citação não me será perdoada), com bem-estar e serenidade.
O presidente gosta que gostem dele e acha, certo ou errado, que isso contribui para que os portugueses se aproximem das instituições. É, e quer ser cada vez mais, popular, mas não me parece tentado a ser um populista, não vai criar nenhum partido político, não vai "apelar às massas". Sente que se transformou numa espécie de "provedor" dos portugueses. Às vezes, contudo, a sua autoconfiança leva-o a um à-vontade que fica na soleira do erro.
Alguns dizem: e o "outro" Marcelo, que já conhecemos? E se a relação com Costa se deteriorar? Julgo que o presidente já percebeu que o país não lhe perdoaria uma desilusão, ainda que pontual, face à imagem que dele entretanto criou. O melhor que posso dizer de Marcelo Rebelo de Sousa é que, até agora, a sua postura como presidente desta minha República me leva a ser otimista.