Não sei como se chamam, nem sei como chamar-lhes. É uma raça política estranha, que vive num registo cheio de contradições, se calhar em sintonia com este estranho e novo tempo – o qual, no discurso ácido de que agora se alimentam, chega a parecer velho. Às vezes, parecem de uma esquerda radical, outras vezes chegam a tresandar a uma direita velha e relha.
O fim do mito soviético, enterrado nas pedras do muro derrubado em Berlim, tornou muitos deles órfãos de um passado político do qual, curiosamente, nem sempre haviam sido seguidores incondicionais. Mas a desaparição ou falência de um certo tipo de partidos, em países onde a esperança já teve melhores dias, acabou por conduzi-los à “terra de ninguém” onde hoje vivem.
É difícil catalogá-los numa mesma prateleira, sendo que o único denominador comum entre todos parece ser a sua sedução por modelos autoritários, a recusa da globalização e a identificação caricatural que fazem das democracias liberais com o neo-liberalismo mais maléfico. Têm dois alvos de eleição: a Europa integrada, tida como símbolo do regresso da Alemanha ao lugar de comando, e um mundo ocidental sob a matriz da NATO.
O principal farol que os ilumina é a figura de Vladimir Putin, visto como o chefe da resistência a um mundo que diabolizam. Alguns alimentam uma discreta sedução por figuras como Orbán. Se lhes perguntarem por Lukashenko, dirão que é para manter no lugar, quase apenas e só porque o líder bielorrusso desagrada àqueles que eles detestam. O Donbass é um seu lugar de culto e o teste do algodão é a resposta à pergunta sobre se a Crimeia é ou não legitimamente russa.
Erdogan é simpático a muitos. Maduro a outros tantos. Apoiam quem mantiver Cuba “do outro lado”. Olham com bonomia divertida a Coreia do Norte, pela irritação que provoca em quem eles não gostam. No Médio Oriente, protegem Assad e o Irão. Mas não é isso contraditório com a simpatia por Ancara? A lógica não é o seu forte e mandam às urtigas a coerência.
A irónica novidade é que Donald Trump é o grande culpado da sua reconciliação episódica com os Estados Unidos – depois de uma vida que alimentaram contra o satã yankee. Por isso, detestam a América de Biden, os democratas, tidos por cúmplices de uma Europa feita à medida dos interesses que desprezam. Se pudessem, davam cabo de Schengen, recuperavam o sentido nacional, último bastião do novo “no passarán”. Por essa razão, bateram palmas ao Brexit, vendo o afastamento do Reino Unido como uma oportunidade para diluir uma União Europeia que já não têm como projeto redentor.
É bem revelador do estado a que chegaram as coisas ouvir e ler esse discurso de sobrolho cerrado, adjetivando duramente os adversários, numa onda de desespero que, há que reconhecer, deixou de ter um porto político seguro de abrigo. Alguns andam pelas graves trincheiras das redes sociais, outros palestram declarações chocantes.
Uma coisa me parece evidente. Esses órfãos políticos são hoje os filhos ilegítimos de Trump. Pelo menos, até ver.